quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Reitor.

Acordei faltando 10 minutos para estar dentro da sala do reitor. Pulei da cama. A Débora ainda estava dormindo. Coloquei as primeiras roupas que estavam na mochila, que continuava do mesmo jeito que havia deixado quando cheguei.
Fui correndo, quase batendo nas pessoas que já estavam caminhando pelo campus. Cheguei sem fôlego no prédio, mas logo encontrei a sala do reitor. Estava 10 minutos atrasada. Já pensando na desculpa que daria, ele abriu a porta.
- Suponho que você seja a Manuela?
- Sim, desculpe-me o atraso, mas não consegui achar a sala do senhor - disse sem fôlego.
- Isso sempre acontece - sorriu gentilmente - entre por favor - fez sinal para eu passar.
- Sente-se - disse enquanto fechava a porta.
Conversamos durante meia hora. Ele me explicou as regras dos dormitórios, o que não era permitido. Ainda me explicou mais algumas coisas, sobre a cozinha, sala, horários, enfim tudo que pôde ser dito em meia hora de um quase monólogo interrompido apenas com sim e não para responder as suas perguntas.
O dia passou muito rápido, ainda tive que assinar alguns papéis, combinei com o Rogério que voltaria na sexta a noite para concluir os documentos restantes sobre a casa. Conheci rapidamente onde seriam minhas aulas, a biblioteca, que era simplesmente maravilhosa, o RU. Comi alguma coisa rápida, liguei para o frete e confirmei a sua ida amanhã, terça-feira. Lembrei-me que havia combinado com a Patrícia. Será que ela iria se lembrar?
Chegando ao quarto, vi que a Débora ainda não estava.
Aproveitei então para tomar coragem e ligar para a Patrícia, afinal de contas precisava lembrá-la sobre amanha de manhã. Mas e se ela pensasse que estava apenas querendo falar com ela? Esses últimos dias foram tão corridos que nem pensara nela. Mas agora, com a iminência de falar com ela e ouvir sua voz, meu coração começara a bater mais forte. Tomei coragem e disquei os números que já sabia de cor. [E aí cara leitora, você pode me advertir que hoje em dia os celulares conseguem armazenar o nome das pessoas e que liga diretamente, sem precisar digitar os números, porém vos digo, digitar número por número da mais emoção. Na verdade da mais tempo de decidir se é a coisa certa a ser feita.] Eu demorei, quando chegou no último 9 pensei em desistir, mas percebi que já estava chamando.
Chamou, chamou, chamou. Caiu na caixa. O relógio marcava exatamente 18 horas. Fui tomar um banho ainda pensando nela. Talvez ela realmente estivesse muito magoada comigo, ou talvez nem mais lembrasse de mim. Ok, um pouco dramática de mais.
Liguei novamente às 19h, às 20h, às 21:35, às 22:23. Deitei na cama, já estava quase marcando meia noite. Ainda olhei para o celular, mas nada dela aparecer, nem sinal.
Débora dormia fazendo alguns barulhos engraçados. Minha mochila continuava intocada. E meu coração ainda apertado. Amanhã será o grande dia, vão recepcionar os "bixos". Provavelmente vão querer pintar meu rosto, espero que seja só isso. Ouvi histórias absurdas sobre os trotes que já passaram por aí. Adormeci pensando no dia que viria.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sobre o Campus

Com preguiça de guardar as coisas e até porque não tinha lugar para colocá-las, dormi com a roupa que viajei. Acordei com barulhos na porta.
- Não, eu sei - falou a menina entrando no quarto ao telefone - Tchau! Amanhã eu vou às 8h - disse se referindo a uma pessoa do corredor talvez - Beijos - voltando-se novamente ao telefone.
- Bom dia - disse ela vindo em minha direção - você, se não está tentando assaltar meu quarto - sorrindo olhando para a bagunça - deve ser a Manuela certo?
- Oi, sou sim e você é a Débora do bilhete, né?
- Prazer - disse enquanto estendia a mão.
- Prazer, cheguei muito cansada ontem, acabei capotando na cama - disse na tentativa de me desculpar pela bagunça.
- Imagina, aqui é assim mesmo, nem da tempo para arrumar nada. E veja bem, já vou te avisando, nada de estresse por arrumações aqui, se não vai destoar muito da atual decoração - rindo, agora olhando para a sua bagunça.
- Combinado.
A Débora me parecia uma pessoa legal. Pelo menos não fechou a porta na minha cara.
- Nossa está muito quente lá fora, preciso urgentemente de um banho, se você não se importa, vou lá e depois te mostro onde ficam as coisas, pode ser?
- Claro.
Peguei meu celular para ver que horas eram. Haviam 3 mensagens de texto e uma de voz. Abri e vi que eram todas da Luciana. Pensei em apagá-las, mas minha curiosidade foi maior. Entre outras coisas, ela disse que estava com saudade e me perguntou como foi a viagem. Não quis respondê-las, mas talvez isso fosse mais um motivo para ela me ligar e me xingar. Como estava sozinha no quarto, liguei para ela. Demorou um pouco para atender.
- Alô? - disse ela sonolenta.
- Acorda menina!
- Manu? - perguntou com uma nítida satisfação na voz.
- Sim, sou eu. Você me mandou mensagem.
- E liguei, mas você não quis me atender. Mal chegou à capital e já está assim?
- Não, é que cheguei cansada mesmo. Capotei quando cheguei.
Silêncio.
- Tudo bem com você?
- Tudo.
Silêncio.
- O que você queria?
- Saber como foi a viagem.
- Foi boa, está tudo dentro dos conformes.
Silêncio.
- O que você vai fazer hoje? - falei para cortar o silêncio que começava a ficar embaraçoso.
- O de sempre.
- E o que é o de sempre?
- Nada - riu - ainda estou de férias, o cursinho só começa semana que vem, e ainda não estou disposta para estudar.
- E quando que você já esteve?
- Eu sempre estive, você que nunca me deixou estudar.
- Eu? Você que nunca me deixou, mas isso não vem ao caso também.
- Claro que não né? Porque você passou e eu estou indo para o quarto ano consecutivo de cursinho. Não agüento mais estudar. Estou pensando em mudar de curso.
- Você também quer o curso mais difícil? Só pra brincar de médico com as menininhas que eu sei.
- Também - riu maliciosamente.
- ...
- Manu, eu..
- Lu, eu tenho que desligar, ta? - eu não queria começar o dia com chantagens e melodramas, ainda mais vindo dela.
- Ok, ok. Você agora é uma federada, né? Logo mais vai esquecer das amigas. Mas ok, ok, vai lá. Beijos.
Em seguida meu celular tocou. Sem número. Deveria ser o André, ele sempre fazia isso.
- Fala André.
- Como você sabia que era eu?
- Mágica.
- Menina, que susto! Então, leu a cartinha?
- Eu estou bem, ocorreu tudo bem na viagem e também estou com saudade.
- Querida, eu não quero saber disso, porque isso eu já sei. Notícia ruim chega de pressa, quero saber da carta.
- O que tem ela?
- Fiquei curioso, prometi a ela que não abriria, logo, você agora vai me contar o que está escrito nela.
- Nada de mais, ela me xingou, me chamou de coração de pedra, disse que eu era egoísta.. Essas coisas de sempre.
- Eu estou preocupado com ela.
- O que aconteceu Dé? - disse sentindo uma angústia repentina.
- Nada. Esse é o problema, ela não me ligou ainda.
- Ela deve estar ocupada - disse mais calma.
- Você não lembra mais de como ela é?
- Ela deve estar ocupada, vamos deixar ela em paz.
- Não sei se deveria te contar isso, mas desde o dia que vocês pararam de se ver por causa da Lu, ela me liga quase todos os dias, e ficamos conversando durante horas.
- Não sabia disso.
- Pois é, e continua sem saber ok? E aí, algum bofe que preste por aí?
- E o Beto?
- Ele está no banho agora, conte-me. Algum com mais de um metro e meio?
- Seu libertino, não!
- Eu sei, você não é ligada em homens. Então reformulando a minha pergunta, e aí, muitas gatinhas?
Ri alto - Você só pensa nisso?
- Não venha me enganar dona Manuelita, que você não é flor que se cheire.
- Ta.. Eu vi uma sim, bem simpática.
- Sabia!!! Você é das minhas, não é como a Patrícia que fica entocada dentro de casa, conte-me já!
- Trombei com três meninas ontem a noite.
- Esse é seu novo método de pegar menininhas? Atropelar elas para depois poder cuidá-las?
- Pára, ô! Eu não as vi. Mas acho que duas eram namoradas.
- Assim, descaradamente? Capital é outra coisa né? Já lhe disse que ano que vem eu vou morar aí. Mas me conte, e aí, já se pegaram e tudo mais?
- Que isso, homem! Elas apenas me ajudaram a achar o meu dormitório.
- Elas? Antes era só uma.
- Quem sabe você presta atenção no que eu falo? Eram três, duas que pareciam um casal, apesar de não terem ficado na minha frente, e a outra muito lindinha.
- Muito lindinha. Conheço você muito bem Manuelita. Vê se não apronta muito hein? Que agora você está dona do seu próprio nariz, não precisa dar satisfação para mais ninguém.
- Você quer me dizer que estou sozinha no mundo né?
- Mulheres e seus dramas. Eu estou indo, que o Beto saiu do banho.
- Manda um beijo pra ele.
- Eu dou um beijo nele. Tchau linda, aproveita essa loucura aí.
Parando para pensar eu estava sozinha. Nem tia mais eu tinha para quem dar explicações. Nunca me achei uma pobre coitada que nunca teve seus parentes por perto. Mas agora uma amarga sensação de solidão me bateu.
- Ei garota, que cara é essa?
Nem tinha visto que a Débora havia entrado no quarto. Estava só com a toalha no corpo ainda molhado - interessantíssima visão. Virei meu olhar rapidamente para o lado, fingindo que ia arrumar minha mochila.
- Não é nada não, falei com meu amigo agora.
- Amigo é? Ta bom.
Eu ia dizer que era amigo mesmo, mas para que tantas explicações? Não são todas as pessoas do mundo que aceitariam sem problemas ouvir que o meu amigo provavelmente já pegara muito mais homem do que ela. Então apenas sorri.
- Você deve estar querendo tomar banho, comer alguma coisa né? Larga essas mochilas, depois você arruma. Vou lhe mostrar como funcionam as coisas por aqui.
Ficamos conversando durante quase toda a manhã. Ela me contou que fazia jornalismo e estava no 5 semestre, mas deveria estar no 6. Disse que a menina do lado em todo esse tempo nunca falara nada gentil para ninguém. Todos a conhecia como a "mal-comida". Mas confesso que não prestei muita atenção nessa parte pois um cartaz no mural de avisos me chamou atenção. Havia várias coisas escritas que não davam para distingui-las, mas o seu fundo era inconfundível. Um grande arco-íris. Anotei mentalmente que voltaria ali para poder vê-lo melhor. Débora nitidamente estava empolgada me mostrando as coisas, contando-me sobre tudo e todos. Mostrou-me onde ficavam os banheiros para tomar banho, a cozinha comunitária, a sala, o prédio inteiro. Depois de tomar um belo banho, saímos para aproveitar a tarde daquele domingo ensolarado. Aproveitou para me levar no melhor café do campus. Apresentou-me à algumas amigas. A Cláudia que também fazia Jornalismo, a Alessandra que fazia Marketing, a Daniela que fazia História, e mais algumas que confesso não me recordar os nomes. Legais elas, me disseram onde havia meninos bonitinhos, os lindos e os "chuta-que-é-macumba". Fingi me interessar, dizendo "sim", "sério?" e "aham". Já estava escurecendo quando resolvemos voltar para o quarto. Ainda fiquei na esperança de ver alguma das meninas de ontem, mas nem sinal delas. Na volta tentei ver novamente o cartaz do arco-íris, mas o falatório da Débora não permitiu. Ela estava muito animada, com um sorriso de orelha a orelha.
- A noite foi boa ontem, hein? - arrisquei.
- Está tão na vista assim?
- Eu não lhe conheço muito, mas está sim.
E lá se foi o resto do domingo com ela contando sobre seu namorado, que haviam voltado, depois dela pegar ele com outra e que...