sexta-feira, 28 de agosto de 2009

II - pause

Fiquei pensando, e pra pensar naquele momento, precisava de uma pausa. De alguns dias, várias horas, muitos minutos de silêncio. Completo e vazio. Preto, escuro, sem luzes no fim do caminho. Até porque o caminho eu já conhecia, de olhos fechados poderia chegar ao final. Mas esse final eu não sabia exatamente onde chegaria. Precisei ficar fora por alguns dias. Nesses dias, que se passaram em várias horas de um sono que nunca chegou eu fiquei pensando. Dos muitos minutos que fiquei em completo silêncio, mas ainda pensando.
Pensei em tantas coisas que até agora poderia ficar pensando, continuando no mesmo ritmo flatulendo, parecido com o andar do trem. Aqueles que contornam montanhas, que desviam das barreiras monstruosas pra chegar ao seu final. Do túnel, do caminho, do que ele nos conta.
Esse era o momento de apertar o pause e aguardar por alguns segundos, talvez fosse necessária vários minutos ou muitas horas. O momento de respirar profundamente, sem esperar que os anjos dissessem amém. Não sei porque fui parar pra pensar em anjos. Onde estava o meu? Será que ele era homem mesmo? Preferia pensar que sim. Confiava mais no anjo homem, talvez porque precisasse de um porto seguro, forte, no sentido literal, o anjo. Com seu artigo bem definino - o. Mas depois de vários segundos, lembrei de Patrícia. Ah como era fácil me lembrar dela nesses momentos de amarga sanidade e lucidez. De clareza numa noite como aquelas.
Sabe quando você precisa ficar sozinha? Pois eu precisava. Off por uns tempos, ou por aqueles vários segundos ou muitos minutos que ainda havia para o dia clarear.

I don't even like it.

- Manu o que você ta fazendo? - sua voz era alta, volume máximo, me irritou naquele mesmo instante.
- Estava dormindo Renata, até você me ligar e começar a gritar no telefone - falei com a voz pastosa ainda de sono.
- Mas hoje é sexta!
- Eu sei - falei irritada.
- Mas você está sozinha aí?
- Não, a Carol veio dormir aqui comigo.
- Ta ficando com a Carol? Mas ela não estava ficando com a Marta?
- Não!
- Ela ta ficando com você?
- Não Renata, ela veio aqui dormir, só isso. Conversamos até pegarmos no sono. Aliás, que horas são hein?
- É cedo, meia noite passada.
- Hmm - meus olhos estavam pesados, queria continuar a dormir.
- Vamos sair?!
- Não Renata eu vou dormir.
- Eu to passando aí agora, ta?
- Não, eu quero dormir.
- Em dez minutos eu chego aí!
- Renata...
Ela desligou o telefone. Olhei para a cama de Débora e Carol permanecia dormindo. Talvez não estivesse ouvido quando eu falara com Renata. Até porque quem estava gritando era ela e não eu. Fechei novamente meus olhos, e depois de uma eternidade ouvi meu celular tocando novamente.
- Acorda Manu!!!
- Oi.
- Que voz de sono é essa?
- Eu estava dormindo, esqueceu?
- Eu to aqui na frente, vem abrir a porta pra mim.
- Ah Rê, eu quero dormir.
Ouvi ela falar com alguém.
- To subindo aí, o tio deixou eu entrar.
3 minutos depois ela estava batendo na porta.
- Ta aberto, entra sem fazer barulho - falei alto de mais.
Renata entrou e sem falar mais nada pulou na minha cama em cima de mim.
- Bom dia princesa - falava animada.
- Você ta me machucando Rê.
- To nada - me deu um beijo demorado na bochecha - tava com saudade de você.
- Mas a gente se viu hoje de manhã na aula.
- Pra mim parece ser uma eternidade.
- Fala baixo que a Carol ta dormindo.
- Oi Carol - gritou.
- Oi pra você também Rê - respondeu rindo.
- Viu só, você acordou ela, agora sai de cima de mim.
- Ah, não menospreza meu abraço.
- Não to menosprezando nada, você que está me sufocando - tentava empurrá-la, mas ela se segurava firme em mim.
- O que nós vamos fazer hoje? - ela estava animada, pelo visto não ia ser pouca coisa para conseguir tirá-la dali.
- Eu vou dormir e suspeito que Carol também - falei pedindo apoio a ela com os olhos.
- Eu acho que vou pra casa Manu, já ta na minha hora, ainda consigo pegar um ônibus.
- Ta muito tarde pra você ir.
- Não ta não Manu, mesmo, eu prefiro ir pra casa, não to muito animada por baladas hoje.
Depois de me dar um beijo, no que pode me alcançar pois Renata permaneceu deitada por completo por cima de mim, saiu do quarto fechando a porta delicadamente.
- Agora que estamos só eu e você aqui, quero fazer uma proposta pra você.
- Ih, lá vem.
- Manu desde quando você não confia em mim?
- Eu confio, você não me deixa respirar só isso!
Ela foi um pouco para o lado, não o suficiente para sair de cima de mim, mas o bastante para me deixar respirar novamente.
- Vamos sair eu e você.
- Mas a gente sempre sai, não sei o que tem de novo nisso - sorri virando-me para ela.
- Ah, vamos jantar então. Eu pago, tipo um encontro.
Soltei uma gostosa gargalhada.
- Encontro? Você andou se drogando?
- Não Manu, porque, pra quere sair com você só estando drogada?
- Não, mas pra você me propor uma coisa dessas sim!
- Você acha que eu sou um monstro né?!
- Não - sorri.
- Deixa eu levar você para jantar?
- Mas olha a hora que é.
- O que tem? Eu conheço vários lugares que a gente poderia jantar agora.
- Eu não to com fome Rêzinha querida, vamos dormir?
- Então eu posso dormir aqui?
- Dorme ali na cama da Débora, nesse final de semana que ela não estará em casa.
- Mas eu quero ficar com você.
- Mas você ficará bem perto de mim - sorri.
- Se é pra eu ficar eu vou dormir com você.
- Desde que você não ronque - ri.
- Não roncarei, prometo - sorriu de volta.
Entrou para baixo das cobertas comigo, ficou me olhando.
- Que foi?
- Nada.
Apaguei a luzinha da cabeceira. Pouco mais de dois minutos depois.
- Manu.
- Que?
- A gente não vai... ?
- Vai o que?
Se aproximou mais de mim passando seu braço por cima de mim me abraçando. Se inclinou para seu rosto ficar mais próximo do meu.
- Vai o que sua louca?!
Me beijou o pescoço passando sua mão por baixo da minha blusa.
- Você está louca? - repeti rindo. Tirei sua mão de mim.
- A gente vai dormir Renata!
- Sério?!
- Claro que sim.
- Mas pelo menos eu vou dormir abraçada em você - riu se aconchegando em mim.
- Não tenho muitas opções mesmo né?!
- Não.
Assim dormimos. Renata vez por outra tentava alguma coisa mais ousava, mas a cortava antes mesmo de começar. Ela ria. Me tirou o sono. Ficamos conversando o resto da noite sobre qualquer coisa, nada de muito importante. Mas ainda assim, dormimos. Na verdade ela, não eu.

domingo, 23 de agosto de 2009

Não sei

- Não sei, o que você acha?
- Não tenho muito o que achar.
- Mas pensei que você estivesse braba comigo - se calou por um breve momento - por eu ter ficado com ela. Não queria que ninguém me entendesse errado.
- Mas ninguém está dizendo nada, pode ter certeza. Todo mundo quer que você seja feliz.
- Pois é, mas tenho certeza de que muita gente acha que eu sou uma... - passou as mãos sobre o rosto esfregando seus olhos.
- Mas quem é essa gente?
- Os parentes dela, a prima dela, os amigos em comum, todo mundo que viu tudo começar e acabar.
- Mas não foi você disse que havia acabado há muito mais tempo?
- Sim.
- Então, todo mundo viu que as coisas não iam bem, não sei porque você se importa com isso e não com o que você realmente sente.
- Me importo com ela. A gente ficou juntas por muito tempo, não queria que as coisas acabassem desse jeito.
- Mas me diz uma coisa, existem outras formas de terminar um namoro?
- Claro que sim, a gente podia continuar amigas, eu não me importaria.
- Mas é difícil você ser amiga de uma ex.
- A gente nunca foi amigas, a gente sempre se gostou, desde sempre. Amiga é você - sorriu.
- Então, não tem porque querer ser amiga agora.
- Mas eu continuo me preocupando com ela.
- Pois não se preocupe, mais dia menos dia ela acha alguém para cuidar dela... - me arrependi um pouco de ter falado aquilo.
- É.
- Assim como você arranjou.
- Eu não arranjei ninguém, não to querendo compromisso, quero ficar um pouco sozinha. É isso que ela não entendeu.
- Ela sempre foi louca, e desculpe por falar isso, mas essa é a realidade, ela é chata!
- Muito chata né?!
- Sim!
- Pois é, mas eu gostava dela.
- Mas isso é passado, guarda as coisas boas e bola pra frente.
- Sabe que eu não consigo mais encontrar nada de bom que possa ter restado deste nosso relacionamento?
- Sempre tem alguma coisa.
- Eu fico triste por isso, a gente deixou a coisa chegar a tal ponto que não tenho mais lembranças de coisas boas que a gente fez juntas.
- Então isso é mais um motivo pra você deixar isso pra trás de vez.
- Mas eu deixei.
- E porque estamos falando sobre isso ainda?
- Porque eu não queria que as pessoas me vissem como a monstra da história, eu sempre fiz de tudo pra que a gente não terminasse, eu que aguentei tudo sozinha, ninguém venho me ajudar e me perguntar se estava tudo bem. Todos só acreditavam nela.
- Você se preocupa de mais com que a família dela pensa ou vai pensar. Você não namorou com o pai dela, e sim com a sua filha. A gente não pode agradar a todos, isso é impossível.
- Mas a única pessoa que eu tinha que agradar era ela.
- Exatamente.
- Só que pra agradar a ela eu tinha que agradar aos seus parentes. Todos eles!
- Mas agora você não está mais com ela.
- Eu sei, mas eles devem ta me xingando agora, me chamando de horrores, dizendo que eu não presto. Tudo que eu demorei tantos anos pra construir em relação a seus pais, a confiança que principalmente o pai dela tinha sobre mim, depois de tudo, simplesmente por água abaixo.
- Mas quem disse que foi em vão? Você fez o que pode enquanto precisava ser feito.
- Queria falar com o pai dela.
- E porque você não vai lá e fala?
- Porque não tenho cara de chegar e falar.
- Acho que isso é muito menos constrangedor do que você está achando.
- Eu sinceramente queria agradecer a ele por tudo que ele fez, por ter mudado tanto pra agradar nós duas.
- Mas o que te impede de ir lá e falar?
- Ela. É capaz de quando eu chegar lá ela ache que eu to indo lá pra falar com ela, pra pedir pra voltar e faça um escandalo.
- Mas se fizer vai ser só mais um.
- Não sei Manu, é complicado isso.
- Tudo sempre é complicado, cabe a gente resolver essas coisas.
Ela me olhou por alguns segundos sem falar absolutamente nada.
- E você como está?
- To bem, nada de mais.
- Nada de mais mesmo?
- Naquelas - sorri não conseguindo esconder.
- Você quer conversar sobre isso?
- Não sei - respondi franca.
- Ela é uma menina muito especial mesmo. Só que tudo que a Maria tinha de chata ela tem de louca, ela é de lua, complicada mesmo. Por isso que nunca insiti em ficar com ela - sorriu.
- Ela quem? - me fiz de desentendida.
- Yumi.
Concordei em silêncio.
- A Má sempre me disse que vocês ainda ficariam.
- Eu duvido muito.
- Ela é complicada mas não é impossível.
- Mas pra tudo a gente tem um limite. Meu limite com ela já acabo.
- Acabou nada.
- Acabou sim. Acabou pra isso, pra outras coisas eu tenho paciência o suficiente - sorri.
- Ela gosta de você.
- Gosta nada.
- Ela veio falar comigo esses dias.
- E aí? - não me contive.
- Ela me falou do escandalo de vocês - sorriu pegando mais um cookie de cima da cama.
- Ela acha que eu sou uma idiota, sabe?
- Ela não sabe o que quer.
- Percebi isso, mas eu sei o que eu quero.
- E o que você quer?
Sorri olhando-a.
- Viu, nem você sabe o que você quer!
- Eu sei sim Carol. Ela que não sabe o que quer.
- Ela sofreu de mais no seu último namoro antes da Jéssica, e antes daquele outro cara. A primeira vez que ela namorou de verdade. Mas se eu contar pra você, você vai me jurar que nunca vai comentar isso com ela.
- Prometo que não conto.
- Resumidamente ela se apaixonou por uma menina da escola dela. Elas ficaram por alguns meses, ela era louca por aquela menina. Como era o nome dela mesmo... Era Suzy se não me engano era isso. Ela terminou com a Yumi porque disse que era complicado pra ela namorar assim, os pais da menina acabou descobrindo, enfim, foi um inferninho tudo. A menina desistiu de namorar porque era muito difícil. A Yumi ficou muito triste, emagreceu horrores, foi parar no hospital porque não comia, ninguém entendia direito porque de tudo isso acontecer. Ficou com depressão.
- Nossa.
- É, a partir daí ela tem medo de namorar, de se envolver com alguém e depois a pessoa terminar com ela. Eu vejo que ela fica com as pessoas que são simples, que não tem erro de dar alguma coisa inesperada sabe?
- Sim, mas namorar com a Jéssica deve ser difícil, se ela gosta da menina e não pode ficar com ela sempre.
- Mas ela não gosta da Jéssica, isso é só mais uma pessoa na vida dela.
Estranhamente fiquei feliz.
- Mas porque ela namora então?
- Porque ela precisa de alguém pra ela poder terminar, pra ter alguém que dê atenção à ela. Ela é louca, eu falei.
Ri.
- Mas não comenta isso com ela.
- Pode deixar que não comentarei nada.
Ela voltou a deitar na cama de Débora, seu olhar ela distante. Talvez estivesse pensando em Maria.
- Posso te fazer uma pergunta Manu?
- Se eu puder não responder - sorri.
- Você gosta dela né?!
- Dela quem?
- Da Yumi.
Mordi meus lábios, apertei meus olhos, me calei. Ela concordou também em silêncio. Não acho que isso faria alguma diferença naquele momento.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Round 2, fight!

Tomei um banho rápido, mas o suficiente para levar pelo ralo toda minha irritação de outrora. Enquanto aquela água quente caía sobre meu rosto fiz esforço para deixar Yumi ir embora da minha cabeça e do meu coração. Que ela fosse apenas mais uma amiga, era isso que ela queria, e que eu enfim iria querer também. Bastavam alguns dias, algumas festas, algumas doses de tequila com limão e sal que tudo ficaria bem. Quando saí do banheiro dei de cara com um rapaz baixinho e barbudo, apenas lancei-lhe um sorriso simpático que o desarmou do possível xingamento pela demora no banheiro.
Abri a porta do quarto e levei algum tempo até entender que havia outra pessoa além de Débora.
- Ela disse que precisava falar com você - Débora apontou para o lado.
Era Yumi com uma cara estranha.
- O que você ta fazendo aqui?
Mas antes que ela começasse a falar olhei para Débora que fingiu continuar a ler um livro qualquer, puxei Yumi pelo braço e levei-a até o saguão de entrada.
No caminho não falamos absolutamente nada.
Chegando lá Yumi despejou.
- Você é louca por sair daquele jeito?
- Você veio aqui pra me chamar de louca?
- Eu não entendo, pra que sair daquele jeito da minha casa? Nem conversar comigo você conversou, simplesmente saiu.
Toda a raiva que havia descido pelo ralo enquanto tomava banho deu lugar ao sangue que me subiu à cabeça.
- Você só pode estar brincando. Eu - frisei - eu não quis falar com você? Eu fiquei esperando mais de vinte minutos você fazer o que quer que seja que estivesse fazendo pra falar comigo e o máximo que obtive foi um "já vai"! E vai me dizer que eu - fresei novamente - que eu sai que nem uma louca? Ah, dá um tempo né Yumi?!
- Mas eu estava brigando com a Jéssica, você bem que podia compreender isso.
- Eu já compreendi coisas de mais com você, não sou uma palhaça pra sair cansada do trabalho, andar metade da cidade pra ir te ajudar pra chegar à tua casa e ficar esperando você resolver os teus problemas amorosos.
- Pensei que você fosse minha amiga.
- Não me venha com essa Yumi, amizade é diferente de ser palhaça dos outros. Agora se você veio aqui pra me chamar de louca e duvidar da minha amizade por você, então com licença.
Virei as costas e sai caminhando. Ela me segurou com força.
- Espera.
- Esperar o que Yumi?
Ela ficou em silêncio me olhando.
Eu tentava conter minha raiva.
- Sinceramente Yumi - respirei fundo - o que você quer de mim?
Olhei-a diretamente nos olhos. Ela por sua vez desviou o olhar.
- Olha pra mim Yumi, só quero saber isso, o que você quer de mim, porque eu faço tudo pra você e você sabe disso, você não é burra, então vamos deixar tudo esclarecido. Eu fui correndo te ajudar, pra chegar lá e ficar que nem uma idiota esperando você fazer todas as suas coisas até chegar a minha vez, pra enfim você me dar atenção e falar comigo. Me fala Yumi, o que você quer de mim?
Ela não respondia.
- Yumi eu vou ser franca com você, eu podia te jogar de um prédio agora de tanta raiva que eu to de você, porque ninguém gosta de ser tratada assim, como uma coisa qualquer, ainda mais quando a gente gosta da pessoa. Quer dizer, eu confio em você, você sabe disso. Não gosto de ser tratada assim por alguém que é tão importante pra mim. Só que eu quero entender as coisas.
Ela permanecia imóvel, sua mão ainda segurava meu braço com força. Seus olhos eram pra tudo, menos pra mim.
- Yumi, quando você souber o que você realmente quer de mim me avisa. E olha bem, isso não é uma ameaça nem coisa parecida. Eu só to me cansando disso tudo.
Ela ficava quieta, aquilo me fez ficar com mais raiva ainda, perdi qualquer vestígio de paciência que aquela senhorinha havia plantado dentro de mim.
- E você agora fica quieta com essa cara de paisagem - explodi, essa era a hora de tomar coragem e alguma atitude, não importando para que lado pendesse, mas que pendesse para o mais urgente - Yumi eu to caindo fora - falei respirando forte - eu sei o que eu quero de você, quando você decidir nessa tua cabecinha louca aí o que você quer de mim você me avisa. Até lá vê se me esquece um pouco.
Me desvencilhei dela, indo enfim para o meu quarto.
Sentia raiva por Yumi ter ficado apática com tudo que eu estava falando. E ali, estática sem fazer absolutamente nada. Nem um sorriso, nem uma lágrima, nem um piscar de olhos, nem eles voltados para mim. Nada, absolutamente nada.
Como sempre, o nada.
Aquela quarta-feira estava sendo o pior dia da minha vida. Entrei no quarto e dei de cara com Débora. Ela percebeu que eu estava nitidamente nervosa, pois caminhava de um lado para o outro.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não.
Ela aguardou alguns minutos até continuar.
- A menina que estava aqui...
- O que tem ela? - perguntei com raiva.
- Ela... Ela tava estranha, parecia que tinha acontecido alguma coisa de muito ruim.
- Deve ter acontecido mesmo, ela deve ter olhado no espelho e visto uma louca nipônica. Completamente louca! - praguejei.
- Hm.
- E eu não acredito que ela veio até aqui pra ME chamar de louca. Eu, uma louca, imagina!
- Posso fazer uma pergunta pra você?
- Faz.
- Ela é sua namorada?
Olhei incrédula para ela.
- Que?
- Sei lá, vocês meio que parecem namoradas.
Soltei uma gargalhada maquiavélica.
- Não Débora, nós definitivamente não somos namoradas. Antes fosse - ainda completei para o seu horror - antes ela fosse minha namorada porque ao menos eu poderia ter o gostinho de terminar com ela. Mas nem isso aquela louca me deixa fazer. Nem isso!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Quarta-feira de cinzas

Estava no ônibus indo depois do trabalho para a casa de Yumi. Ela insistentemente havia me forçado (eu sem tanta resistência assim, confesso) a ir para a sua casa ajudá-la a fazer um trabalho da faculdade. Eu já havia lhe explicado inúmeras vezes como ela poderia resolver suas dúvidas, mas ela insistia que eu fosse lá. Eu fui, não era besta, ou justamente por eu ser besta, lá estava eu tocando no interfone. E como eu era idiota, ela nem ao menos veio abrir a porta para mim, apenas soltou um "oi, sobe". Eu que desse meia volta e mandasse ela ir pra p. que pariu. Ela pensava que eu era o que?
Quando sai do elevador percebi que a porta estava entreaberta, entrei sem hesitar. Ouvia apenas o som de teclas sendo digitadas. Então ela estava no computador, ocupada de mais para abrir a porta pra mim. De certo estava falando com Jéssica.
- Yumi?
- Vem cá, to no quarto.
Entrei devagar pensando se iria ou não dar meia volta.
- Oi Yumi - falei desanimada constatando que realmente ela estava na frente do computador com o MSN ligado.
- Oi Manu, só um instante.
Aguardei 10 minutos sem falar absolutamente nada, esperando que enfim ela parasse de falar com Jéssica. Sim, pude ver através de alguns movimentos de Yumi que elas estavam brigando por alguma coisa que não entendi, também não estava muito a fim de ficar prestando atenção na conversa delas.
Mais 10 minutos, entre um "já to indo Manu".
Respirei fundo, estava mais do que na hora de eu dar um basta em tudo aquilo. E aquilo eu me referia a mim mesma, não à Yumi.
Respirei mais uma vez fundo. Nada de Yumi se voltar para mim.
- Pra mim chega - falei sem esperar resposta nem o seu olhar.
Sai do apartamento sem olhar para trás. O elevador não estava me esperando, então desci as escadas quase correndo, bufando de raiva. Raiva de mim, de me prestar a tudo isso pra nada. E a desgraçada nem pra vir atrás de mim perguntar alguma coisa, falar comigo. Talvez eu fosse isso pra ela mesmo, uma nada que, alguém que não valia a pena perder tempo e sua atenção. Enquanto eu ficasse assim na sua mão era assim que ela continuaria me tratando. Mas eu não era tão burra assim. Eu que começasse a por em prática minhas tentativas de deixar Yumi de vez pra trás.
Pelo menos dei sorte encontrar alguém no portão para abri-lo para mim.
Caminhava rápido, nem sentia minhas pernas. E nem ao menos ela veio falar comigo. Aquela louca!, praguejei.
Entrei no ônibus com a cara fechada, talvez até de mais, pois o cobrador me lançara um olhar estranho, quase piedoso para mim.
Sentei em um banco sozinha, que bom que por um milagre divino naquela hora ainda haviam bancos disponíveis. Um senhora sentou ao meu lado, sorrindo. Eu lhe retribui minha cara de ódio por Yumi. Seu sorriso ainda assim não diminuiu.
- Acho que vai chover hoje.
- Espero que não pois não tenho guarda-chuva - respondi ríspida.
- Mas você desce muito longe?
- Não, é perto por sorte.
Novamente me virei para a janela, tentando mostrar com meus braços cruzados, cara fechada, fone de ouvidos no máximo, que não estava a fim de conversas de ônibus. Mas ela insistia.
- Nossa, hoje eu resolvi fazer umas comprinhas aqui perto, comprei presente para o meu sobrinho, ele ta de aniversário.
- Hm - respondi por que eu ainda era educada, apesar da raiva.
- Quer ver o que eu comprei pra ela?
Ai que saco! - sim, posso ver - forcei um sorriso que saiu rasgando da minha boca, quase metralhando a vovó.
Tirou de uma das sacolas um carrinho azul que acendia uma luz quando apertava no botão.
- Será que ele vai gostar? Ele já tem cinco anos.
- Acho que vai, quando a gente é criança os únicos presentes que gostamos são os brinquedos.
- É? Faz tanto tempo que eu não sou mais criança que eu quase me esqueço como é. Comprei para a minha netinha de seis anos um casaquinho da Hello Kity, será que ela não vai gostar então?
- Vai sim.
- Mas você disse que as crianças gostam de brinquedos.
Já estava perdendo a paciência com a senhora.
- Não te estressa, criança gosta de qualquer coisa! - bufei involuntária.
- Hm - respondeu um pouco acuada. Ficou quieta por alguns segundos.
- Aceita uma balinha - me estendeu um saco cheio de balas de goma - comprei esse saco por um real, acredita?
- Que legal.
- Quer uma? - ainda com as mãos estendidas para mim.
- Não, obrigada.
- Ah, essa juventude de hoje preocupada com a saúde acha que uma balinha dessas vai engordar.
Sorri quase fuzilando a senhora.
- Eu não gosto muito dessas balas aí, grudam nos dentes, um saco.
- Pois eu gosto, elas são bem docinhas, ajudam a adoçar a vida - ficou me olhando. Olhei para o lado duas vezes para ter certeza de que ela permanecia na mesma posição.
- Então eu preciso de um saco inteiro dessas aí.
- A tua vida não anda muito doce?
- Não! - lembrei de Yumi e sua total falta de atenção para comigo.
- Nessa idade tudo parece não dar certo, ou falta dinheiro pra balada, ou é o namorado que fica com outra, ou é a amiga que pega alguma coisa que não devia. Vocês jovens deveriam aproveitar mais essa idade. Essa é a fase mais gostosa que temos. Ainda não se tem família pra sustentar, já tem autonomia pra fazer as suas coisas, mas as consequências nem sempre caem em cima de vocês. Não hoje, só amanhã. Mas como o que importa é o hoje, eu sugiro que você coloque um belo de um sorriso nessa tua carinha linda, pois você é uma menina muito bonita e simpática (nesse momento me pergunto de onde ela tirou que eu sou simpática) que me fez ver que minha netinha não irá gostar só de uma roupa né?! - sorriu.
- Acho que se a senhora desse algum brinquedo ela ficaria mais feliz - falei me desarmando um pouco.
- E o que você diria que uma garotinha de seis anos gostaria?
- Aí eu já não posso lhe ajudar, não tenho muitas experiências assim com crianças.
- Mas você já foi criança há muito menos tempo que eu, pode ter certeza! - sorriu simpática.
- Isso é! - falei enfim sorrindo.
Antes de se levantar a senhora ainda falou.
- Sabe, na tua idade eu também era assim, achava que os problemas com o namorado ou a falta de dinheiro pra ir pra um boteco beber era a pior coisa que existia na vida, que a faculdade era cansativa de mais. Agora pense, na minha idade infelizmente nem isso mais eu tenho pra me preocupar, nem faculdade, nem dinheiro e nem muito menos um namorado.
Saiu sorrindo. Fiquei pensando no que a senhora simpática havia falado. Meus problemas não eram tão problemáticos assim. Yumi que era meu problema. Não reclamava da minha faculdade, do meu trabalho, das minhas amigas, só de Yumi. Mas depois do papo com a velhinha me senti mais leve, sem tanta raiva assim. Que Yumi fosse só uma roupa da Hello Kity que eu trocaria por um novo brinquedo, talvez esse mais animado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Uma gota caída

- Tem certeza de que não quer uma água?
- Déia, eu tenho certeza.
- Então saí dessa agora.
- Sai.
- Quero ver.
- Ta vendo aquela menina aqui reto? - apontei discretamente com meu dedo.
Déia espalhafatosa como sempre escancarou seu braço em direção à menina. Segurei-a.
- Essa mesma.
- O que tem ela?
- Ta me olhando já faz um tempo.
- Ela é gostosa - riu-se - vai lá falar com ela!
- Pois é, faz tempo que eu não faço isso - sorri.
- Mas chegar em menina é que nem andar de bicicleta, aprende uma vez e nunca mais esquece.
- Nossa Déia, hoje você ta parecendo um homem, só falta agora coçar o saco - ri.
- Eu só espero que quando essa tua paixonite pela Yumi acabar você não continue com essa incerteza das coisas.
- Você acha que é por causa de Yumi?
- Tenho certeza, a não ser que você tenha mudado de personalidade ou aquela menina que você me contou ser há tempos atrás nunca existiu.
Antes que pudesse começar a devagar em meus pensamentos, a menina me deu um sorriso.
- Vai que agora é a hora! - Déia me empurrou com força em sua direção.
Praguejei em silêncio, pois me aproximara o suficiente dela a ponto de não poder mais abortar. Ela percebera a intenção de Déia e voltou a sorrir.
Talvez eu estivesse assim mesmo por causa de Yumi.
- Oi - sorriu.
Mas porque era estranho tudo aquilo que acontecera com nós duas lá em cima do apartamento de Marta.
- Oi - respondi sentindo que ela se aproximara de mim.
O nosso quase beijo.
- Tudo bem com você?
E aquela sensação de que aquilo sim fora muito maior do que um beijo qualquer em qualquer pessoa.
- Tudo, e com você?
Yumi era uma vaca mesmo. Ficava me incitando a fazer as coisas, e na hora H simplesmente virava o rosto, como se eu pudesse me conter sempre, e simplesmente estancar tudo que eu sentia por ela.
- Agora ficou ótimo.
E ainda essa xavecada?
Sorri sem saber o que dizer.
- Eu tava te olhando de longe, tenho a impressão de que já vi você por aqui.
- Pode ser - sorri sem saber realmente o que falar - eu ando sempre por aqui - péssimo.
Mas que Yumi fosse para o inferno, eu que aproveitasse minha vida, minhas coisas, aquela menina que estava ali na minha frente me olhando, com aquele diálogo só esperando eu dar uma brecha ou tomar alguma posição. Que fosse. Parasse de ficar esperando as coisas acontecerem, essa não era eu.
E assim sem grandes papos a beijei. Assim sem muito tempo depois já estava em sua casa. Tudo aconteceu muito rápido e mais do que rápido, meio inodoro, meio incolor, meio sem gosto. Depois daquele ápice em sua cama, ela quase a dormir, perguntei sem esperar resposta, já que meus olhos pesavam.
- Qual é seu nome mesmo?
- Hm?
- Qual é seu nome? - já não conseguindo mais diferenciar o que era sonho da realidade.
- Jaqueline.
Senti o mundo girar algumas vezes durante os dois segundos de silêncio em que ambas se calaram.
- E o seu?
Resmunguei.
- E o seu nome, qual é?
- Manuela.
- Hm.
Adormeci.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Telefone sem fio

- Vocês podem fazer em duplas ou trios.
- Vem Manu - falou Renata se aproximando de mim.
- A gente podia chamar alguém pra fazer isso com a gente, o que você acha? Alguma menina nova aí.
Ela sorriu.
- Agora você ta interessada em meninas novas? - me olhou.
- Ué, temos que revigorar as forças né?!
- E a pele.
- Nesse final de semana a Débora não vai ficar em casa, tenho que arranjar alguma companhia pra mim, sabe como é, fico muito sozinha naquele lugar tão grande.
Riu - sei como é. Eu não te falei né? Ontem Manu do céu, eu fiquei com a menina mais linda que eu já vi na minha vida, você não faz ideia!
- Ah é? Onde?
- Eu fui de última hora na casa de uma amiga minha que você não conhece.
- E você nem me chama né?!
- Foi de última hora Manu, nem eu sabia.
- Hm.
- Linda Manu, linda.
- E aí?
Ela concordou com a cabeça, nem precisava perguntar mais nada.
- Por isso que cheguei atrasada hoje, aquela menina me deu um cansaço que você não pode i-ma-gi-nar.
- Meninas, vocês precisam de ajuda? - perguntou a professora que certamente escutara pelo menos metade da conversa.
- Não professora - sorriu Renata displicentemente - tudo sob controle!
Ela lançou um olhar estranho para Renata que o revidou.
- Você não pegou ela né?! - perguntei depois que tive certeza de que ela não nos ouviria mais.
- Claro que não Manu! - soltou uma gostosa gargalhada - mas acho que essa mulher aí deve fazer loucuras na cama.
- Que coisa Rê, ela é nossa professora.
- Ela é uma mulher de no máximo trinta anos. Isso é flor da idade.
- Mas ela nos dá aula Rê.
- Adoro aprender coisas novas.
Divertia-se da minha cara.
- Posso me juntar a vocês? - perguntou uma menina muito pequeninha de cabelo ruivo e muito curtinho.
- Claro - falou Renata sem hesitar.
Sorriram uma para outra.
Depois de fazer um trabalho muito mal feito, mais conversamos do que qualquer outra coisa, Renata já havia conseguido todos os dados da menina, inclusive arrancar de sua boca que ela estava solteira, que tinha saído há três meses de um namoro com uma pessoa, assim mesmo, sem gênero definido.
Fomos para o RU falando sobre a menina.
- Oi meninas! - Yumi se aproximou de nós, também entrando na fila.
- E aí Yumi, o que você está fazendo aqui? - perguntou Renata.
- Eu estudo aqui perto né?!
- Ah é...
- Tudo bem Manu?
- Sim e com você?
- Tudo bem, como foi a festa dos solteiros? - continuava a me olhar diretamente nos olhos.
- Ah tava boa... Nada de mais.
- Como assim nada de mais Manuela? E aquela mulher maravilhosa que você pegou foi o que? - interrompeu Renata.
- Ah, nada de mais.
- Nada de mais? Você e ela sumiram, fiquei sabendo que você foi dormir na casa dela e tudo! - ela se divertia ao me ver constrangida na frente de Yumi. Yumi me olhava apertando seus olhinhos, fazendo com que eles lhe parecessem quase inexistentes.
- É Manu?
- É, fiquei com uma menina aí - respondi olhando para os lados, pegando uma bandeja.
Quando encontramos alguma mesa pra lugar de três pessoas, havia um menino ocupando um dos lugares, Yumi começou o que parecia ser mais um interrogatório.
- Então você pegou uma mulher?
- Um mulherão - completou Renata.
- É, fiquei com uma menina.
O rapaz que dividia a mesa conosco nitidamente parou de comer para prestar atenção em nossa conversa.
- E qual era o nome dela?
- Ah, que pergunta.
Ela sorriu sem muito ânimo.
- Você não sabe o nome dela?
- Sei né Yumi, não costumo ficar com as pessoas sem saber seu nome.
- Então qual é o nome dela? - repetiu.
- Agora me esqueci - sorri encabulada.
Yumi riu desacreditada. Renata e o rapaz se divertiam com a minha tentativa de lembrar o nome da menina.
- E você foi dormir na casa dela?
- Acabei indo, ela não tava muito bem.
- Sei.
Renata e o rapaz a cada nova resposta minha riam com mais vontade.
- Ah, dormi né.
- Dormiu sem perguntar seu nome?
- Eu perguntei né Yumi.
- Então?
- Eu só me esqueci - não consegui conter meu sorriso acompanhando os dois.
Yumi continuava séria.
- E vocês transaram - fez uma pausa - sem você nem conhecer a menina?
Renata largara seus talheres pondo suas mãos em frente a boca para abafar a risada. O rapaz fingia um acesso de tosse.
- Mas eu conheci ela.
- Quando?
- Na festa!
- Ai Manu!
- Ai o que?
- Sei lá. E você pegou o telefone dela também, já marcaram de sair de novo?
Ri.
- Que perguntas são essas?
- Só quero saber, só isso.
- Eu peguei o telefone dela, mas fiz questão de apagar.
- A é? Foi tão ruim assim?
- Não, primeiro porque não saberia por quem perguntar caso ligasse. Já pensou? Oi, aqui é a Manuela, sabe? A gente dormiu juntas domingo passado, lembra?
- E ai a mãe dela responde: dormiram juntas? Você ta falando da minha filha? Ela disse que tava estudando ontem a noite na casa de uma amiguinha - interrompeu Renata rindo muito, engasgando-se com o suco.
- É mais ou menos isso. E em segundo lugar porque não acho que ela me agregará qualquer coisa a mais.
- A mais do que uma noite de sexo com uma estranha.
- Até parece que você nunca fez isso Yumi.
Ela se calara.
Sorri vitoriosa.
- Bom, mas pelo visto a festa foi boa. Pelo menos isso. E você Renata, também foi parar na cama de uma qualquer?
- Na festa não, mas ontem Yumi... Fiquei com a menina mais linda do mundo.
Yumi olhava para nós duas incrédula.
- E você pelo menos sabe o nome dela?
Ela ficou em silêncio, e riu após Yumi soltar um suspiro de desaprovação.
- Claro que sei né Japa, o nome dela é Amanda... Ou será que é Natália?
Ria-se de Yumi.
- Ah, vocês duas tão me fazendo de boba.
- E como foi o teu final de domingo Yumi? - perguntei tentando mudar enfim de assunto.
- Foi um saco!
- O que você fez?
- O que eu não fiz você quis dizer né? Deveria ter ido com vocês na festa! Fiquei esperando até tarde que a Jéssica me ligasse, mas ela aparentemente se esqueceu.
- Olha Yumi, termina esse namoro antes que ela queira morar junto com você - Renata se divertia - no começo elas parecem assim, não se importar com nada, esquecer de certas coisas, daí quando você reclamar que ela está sendo muito displicente com você, ela vai entender que você está completamente apaixonada por ela, e vai te pedir em casamento, com direito a papagaio e tudo.
O rapaz ria agora sem esconder.
- Desde quando você tem experiência com relacionamentos Rê? - perguntei.
- Desde quando eu tenho experiência com o rompimento de relacionamentos antes de começarem! Mulheres sempre se enganam em relação aos sentimentos. Acham que estão apaixonadas só porque a menina lhe dá atenção.
Entendi que este seu último comentário fora diretamente pra mim, mas me fiz de desentendida.
Saímos da mesa e o rapaz ainda não havia terminado de almoçar, quase nos deu tchau quando enfim nos levantamos.
Depois do trabalho, de um belo banho, já deitada na cama lendo um livro, meu celular tocou. Era Yumi.
- Oi Japa.
- Oi.
- Tudo bem?
Débora entrara no quarto.
- Tudo e com você.
- To bem.
- O que tava fazendo?
- Nada de mais, pode falar.
- Não ta a fim de vir aqui em casa?
- Hoje?
- Porque o espanto de hoje?
- Ué, porque não estamos no final de semana...
- Se você não quer vir é só falar, não precisa me dar essas desculpas esfarrapadas.
- Nossa Yumi, o que te deu?
- Não deu nada.
- Não vou poder ir aí porque tenho aula muito cedo amanhã de manhã e ainda tenho que terminar de ler um livro. Aliás, começar né?! - soltei uma risadinha que foi abafada pelo seu suspiro.
- Sei.
- É bom estudar só pra variar sabia?
- Eu precisava de uma ajuda aqui no PC.
- Então é pra isso que você quer que eu vá?
- Também.
- Agora ta me usando é?
Percebi que Débora passara a prestar atenção na minha conversa.
- Eu te usando? Imagina - riu.
- E você ainda assume que é só pra isso? - falei brincando.
Continuou rindo.
- É... só pra isso que quer minha companhia.
- Sério Manu, eu precisava fazer um negócio aqui e não to conseguindo.
Depois de algumas explicações sobre o programa que ela queria usar, ficamos em silêncio.
- Viu, nem precisei sair da minha caminha quentinha pra te ajudar.
- Mas queria que você viesse - senti meu coração bater mais rápido.
- Pra que?
- Porque você é minha amiga poxa, que pergunta é essa agora?
- E a Jéssica?
- Porque você sempre insiste em perguntar dela?
- Porque você namora com ela.
Débora tossiu sem conseguir conter com as mãos.
- Mas não somos siameses né?! Cada uma tem a sua vida.
- Pelo visto as coisas não tão boas né?!
- Tão sim Manu, às vezes parece que vocês querem que eu termine meu namoro.
- Vocês quem?
- Você, Renata, Carol.
- Então não sou só eu que acho que a Jéssica é um saco.
- Hei, não fale desse jeito da minha namorada!
- Não to falando.
Ficamos novamente em silêncio.
- Jaqueline.
- Que?
- Jaqueline.
- Quem é Jaqueline?
- A mulher que a gente tava falando hoje no almoço.
- A que você ficou na festa?
- É, lembrei agora do nome dela.
- Então você fez mal em não ter pego o telefone dela. Porque agora que você sabe o nome dela poderia ligar sem medo.
- É, vai ver que eu fiz mesmo.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A festa

Então fomos para a festa, àquela destinada apenas aos solteiros, ou solteiras. Um viva às mulheres (e aos homens, lembrou mais uma vez Paulinho). A nossa saída, aquele clima de descompromisso me lembrou quando este clima começou a se apoderar de mim, já namorando com Patrícia. Era estranho ver todo aquele mundo lá fora, e que a partir daquele momento poderia fazer parte de dentro e de perto do meu mundo.
Dançávamos com animação e com vontade. Patrícia como sempre linda, aos meus olhos e aos de algumas meninas que insistiam em lhe lançar olhares maliciosos, como se desconsiderassem a minha presença ali. Puxei-a mais para perto de mim, ela sorriu satisfeita, talvez nem percebesse que aquelas meninas intrusas soltaram suspiros de insatisfação ao me ver beijando-a.
Ela estava com sede e eu precisava ir ao banheiro. Seria a primeira vez que nos desgrudaríamos em uma festa daquelas, naquele lugar. Seria a primeira vez que nos distanciaríamos para nunca mais voltar.
Depois de um tempo, assim de cabeça fria, vendo as pessoas dançarem sem grandes pretenções, eu até poderia dizer que eu não fui a única a cometer uma quebra de cláusulas. Preferia acreditar nessa minha hipótese que se tornara a mais completa verdade do que pensar por assim dizer que fui eu e só eu que iniciara aquele fim.
Lhe dei mais beijo, e naquela época não pude entender o que era aquele gostinho de despedida que senti. Aqueles segundos a mais de olhos fechados depois do beijo, como se quisesse guardar para sempre aquele momento que jamais voltaria.
Hoje, sozinha naquele mesmo bar, com quase as mesmas pessoas, afinal nenhuma tinha nome nem cara naquele tempo nem hoje, entendia.
Fui em direção ao banheiro, muito apertada e tentando ao máximo ser gentil com as pessoas que insistiam em não me dar licença. Sabe quando tudo parece estar em câmera lenta só porque você precisa urgentemente ir ao banheiro? Pois então, esta fora a minha primeira impressão naquele momento. Mas depois de ir ao banheiro, ufa, e sair da cabine sendo praticamente empurrada por meninas que rapidamente trancaram a porta atrás de si, a câmera continuava lenta. Como num filme. Como em Closer quando aqueles "estranhos" se olharam pela primeira vez.
Quando fui lavar minhas mãos, levantei meu rosto em direção ao espelho e avistei refletido nele uma menina. Não era apenas uma menina. Era uma menina de cabelos castanhos quase loiros, olhos vidrantes e uma boca carnuda. Arrisquei descer um pouco mais meu olhar, tentando não lhe parecer criminosa, um vestido muito justo, com um decote de deixar qualquer pessoa louca. Daquela posição poderia dizer que era quase vulgar, mas era engraçado que o conjunto da obra, aquela bela obra parecia prima, de primeira classe. Toda a vulgaridade se transformava, ainda naquele mesmo segundo olhar, em sensualidade. E em um desejo, como se ele fosse reprimido e enfim encontrara aquela relíquia perdida. Me dei conta tarde de mais que ainda permanecia com meus olhos postos nela. Ela percebeu e ficou me olhando até eu desistir de olhá-la, já com certa vergonha, já pensando que estivesse fazendo errado com Patrícia (depois de algum tempo encrementei minhas desculpas com o namoro). Ela manteve um sorriso perverso no canto da boca enquanto passava seu baton, deixando aquele movimento tremendamente desnecessário fisgar até minha respiração, demoradamente. Passou um lábio no outro, sorriu, talvez mais para si mesma do que pra mim, e saiu. Acompanhei seu movimento até sumir pela porta. Voltando à realidade reparei que várias meninas me olhavam brabas por eu ainda estar ocupando o espelho tão desputado por elas. Sai do banheiro secando minhas mãos nas velhas calças jeans. Ainda tentei encontrar aquela menina tão encantadora com os olhos, mas me deparei com uma Patrícia me olhando estranha. Talvez o primeiro rompimento.
Nesse espaço de tempo entre o beijo e aquele olhar silencioso, a nossa história encontrara enfim o ponto final. Sabíamos, que o ponto não viria assim tão pragmático. Ele demoraria o tempo necessário para que aquela nossa história encontrasse o pior fim. O mais doloroso, mais cheios de mentiras e de outras histórias além da história de nós duas.
Olhei para os lados, tentando não revelar aquele tão pouco que acontecera no banheiro, mas que fora o suficiente para mudar tudo.
- Que foi? - me perguntou segurando uma garrafinha de água pela metade.
- Nada.
- Ta estranha...
- Tô não.
- Hm.
Resolvi olhá-la, sentindo que virara-se para o lado.
Havia alguma coisa estranha em sua expressão. Talvez preocupação.
- Que foi?
Ela virou-se para mim.
- Que foi o que?
- Ta esquisita.
- Eu não! Você que está me fazendo essa pergunta.
- Tô não.
Realmente eu que estava. Achar alguma coisa diferente, naquele momento vendo Paulinho dançar até o chão com um cara dois metros maior que ele, me fez perceber que era coisa minha. Só minha, desde aquele sorriso cauteloso da menina refletida. Talvez aquele espelho refletisse mais coisas do que uma menina e eu.
- Manu, você não vem dançar?
- Eu tô com um pouco de dor de cabeça, acho que bebi de mais.
- Quer água?
- Não, brigada.
- Que foi?
- Não foi nada não, acho que eu vou pra casa, sei lá.
- O que aconteceui? - passou sua mão de leve no meu rosto, como se estivesse a medir minha febre.
- Não to doente - sorri.
- Então o que?
Permaneci em silêncio sem saber o que dizer.
Me olhou no fundo dos olhos.
- É a Yumi né?
- Ai Déia, você e essa sua mania de colocar a Yumi no meio da história.
- Claro que é a Yumi e os quase qualquer coisa que vocês nunca têm, você não tinha dito que iria desencanar?
- Eu vou.
- Se vai é porque ainda não foi.
- Como você é espertinha Déia, me admiro!
- Como você é pamonha! A tua vida vai passar e você não vai nem ver.
- Até parece.
- Até parece que você faz alguma coisa pra mudar.
- Quem disse que eu quero mudar a minha vida?
- E quer permanecer apaixonada por uma menina que não ta nem aí para você - viu minha cara de tristeza ou de sei lá o que - não Manu, não adianta fazer essa cara, se ela estivesse aí pra você ela não ficaria te fazendo de gato e sapato, uma hora parecendo que quer, outra que não quer, se fazendo e te usando, porque é isso que ela ta fazendo. Ela sente que você ta a fim dela, pode ter certeza, só um idiota pra não perceber isso...
Só um idiota pra culpar Patrícia por minhas loucuras e fraquezas. Pela minha falta de sinceridade naquele momento.
- Pati não é nada viu? To só com dor de cabeça, já vai passar.
- Sei...
- Sabe o que vai fazer passar minha dor de cabeça mais rápido?
- O que? - me perguntou preocupada, ainda segurando aquela garrafinha de água.
- Um beijo da minha namorada linda - sorri. Ela me lançou um sorriso apaixonante, com seus olhos brilhando aquém das luzes do bar.
Primeira vez que me desvirtuara estando à tão poucos metros de distância de Patrícia. Primeira vez que seu beijo me fizera esquecer momentaneamente do resto. O problema seria quando nem os beijos assim o fizessem.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Era isso

Yumi chegou enquanto brindávamos sorrindo. Vez por outra me lançava um olhar de soslaio, que eu tentava fazer de conta que não o via.
- Vocês tão brindando à que?
- Aos solteiros.
- À liberdade - Maurício falou alto muito animado.
- À felicidade.
- Ao mundo!
- Às mulheres - Renata riu com uma cara de quem iria aprontar.
- Aos homens - completou Maurício.
- Ao fim dos relacionamentos chatos! - Paulinho falou por fim.
Todos se calaram.
- É sério! - e soltou uma gostosa gargalhada.
- Então não posso brindar.
- Porque você ainda está num relacionamento chato né?! - falou Déia virando-se para mim.
- Eu não! Quem te disse isso? - também voltou-se para mim.
Arregalei os olhos levantando minhas mãos como se desfizesse a minha culpa.
- Você quem sabe Mi - disse Paulinho sem perceber o que havia acontecido - eu sei que hoje nós vamos comemorar a vida!
- Mas existe vida durante o namoro também - defendeu Yumi.
- Até parece - falei mais alto do que previa.
- Claro que existe! Eu tenho vida - sorriu.
Todos olhavam quietos para ela, como se Yumi fosse um E.T. que recém havia aterrissado na sacada.
- Cadê a Jéssica então?
- Ih, começou - falou Paulinho.
Eu fiz que não com a cabeça.
- Vocês duas que deveriam namorar - riu Maurício.
Todos se olharam muito rapidamente, talvez tão rápido que ninguém havia percebido os vários olhares daquele pouco mais de dois segundos.
- Ok o importante é a festa, pra onde vamos? - Renata falou rapidamente, como se previsse a futura briga entre Yumi e eu.
Passado alguns minutos de discussão sobre onde seria a nossa balada, nada de novo. O mesmo lugar de sempre. Seria interessante sair assim, sem peso nenhum, sem Yumi ou os seus fantasmas.
Ela continuava me olhando, talvez esperando que eu dissesse que não iria, ou que falasse qualquer outra coisa. Fiquei perdida algum tempo olhando-a. Ela também. Senti um forte cutucão vindo do meu lado.
- O que você acha Manu?
- Hm?
- O que você acha?
- Acha do que? - voltei à Déia um pouco encabulada, mesmo sabendo que ela não havia percebido que me desconcentrei por causa de Yumi. Mas Yumi sorriu vendo meu desconcerto, talvez porque percebeu que assim eu estava justamente por sua causa. Até satisfeita. Mas sinceramente eu queria entendê-la, saber o que tanto a impedia de ficar comigo, porque a essa altura ela já sabia. Todos já sabiam. Mas ela sim, pra ela já havia caído a ficha, mesmo antes de eu me convencer de que assim era. Mesmo antes de várias tantas coisas não terem acontecido por questão de pouca coisa. Aquela noite em que dormimos juntas, e no sentindo literal, mas que ficamos tão próximas, também no sentido denotativo, havia mudado algo. Talvez o seu olhar quando o mirava para mim. Talvez seu sorriso que agora era muito mais fácil. Ela sabia que algo tinha. Ela sentia. E eu sentia e sabia que era mútuo. Talvez para mim fosse menos complicado, porque apenas sentia. Yumi por sua vez pensava, pensava até de mais. Pesava muitas coisas, mesmo que a estas não cabiam medidas. Ela namorava, tentava me convencer que era só por isso que ela não me deixava chegar mais perto. Chegar no sentido literal, sem mais delongas.
- De irmos lá pra casa antes da balada.
Concordei com a cabeça ainda sem prestar atenção.
Yumi voltou-se para Paulinho, voltou-se ao seu copo de cerveja, voltou-se ao seu celular que volta e meia piscava dando alerta de nova mensagem, mas sempre no fim voltava-se para mim, quase esperando eu ir falar com ela. Sentia que havia assinado um tal contrato mental com ela. E talvez não fosse interessante ultrapassar as regras que haviam sido impostas. Eu sentia que devia algo para Yumi. Mas não que isto tivesse algum peso de uma dívida. Mas era um peso de compromisso. Podia parecer loucura tudo isso, mas era o que eu sentia, mesmo às vezes não acreditando muito. Me sentia responsável por Yumi. Pela sua felicidade, pela sua saúde, pelo seu sorriso no final da tarde, pelo seu boa noite. E talvez eu não estivesse tão enganada assim porque ela me dava esse espaço. Espaço até de mais. Ficava com medo de infringi-lo e estragar tudo. Não sabia muito bem quais eram meus limites. Mas estava a fim de testá-los, mesmo que isso custasse muito mais do que umas férias na praia.
- O que você está esperando?
- Esperando o que?
- Onde você está?
- Quê?
Bufou. Continuava olhando para Yumi, ela sorriu. Ou continuava sorrindo.
- Esquece - Déia saiu de perto de mim indo em direção à cozinha.
Todos continuavam conversando já planejando como seria a noite. Eu confesso que estava por fora, não sentia aquela excitação de todos. Fui ao banheiro, lavei meu rosto, me olhei firme no espelho tentando fazer aquela nuvenzinha que pairava por cima de mim sair para longe. O que estava me dando afinal?
Quando sai do banheiro dei de cara com Yumi escorada na porta.
- Oi - sorri ainda tomada pelo susto de sua súbita aparição.
- Oi - continuou parada na minha frente.
- Vem sempre aqui? - sorri.
- Se você vier eu venho - sorriu também ainda parada.
- Então vou começar a vir sempre - imitei-a.
Sorrimos juntas.
Fui em sua direção, mais para passar do que para qualquer outra coisa. Ela talvez entendendo errado meu sinal, foi para trás assustada, como se tivesse medo de que eu tentasse beijá-la naquele momento.
- Manu...
- Sim? - falei parecendo (ou tentando) ser displicente.
- Eu queria falar uma coisa com você.
- Pode falar - tentei transparecer calma, apesar do meu coração ter dado um salto ao ouvir estas últimas palavras.
- Aqui não dá.
- Então aonde?
- Vem cá.
A segui. Saímos do apartamento, ninguém nos viu. A segui pelo corredor, encaramos um jogo de escadas, ela abriu uma porta que dava para o terraço.
- Como você sabia da existência daqui? - perguntei surpresa.
- Ah, eu tenho meus contatos - sorriu, indo em direção ao peitoral que dava direto para a imensidão da cidade.
- Bonito aqui né?! - tentei parecer casual.
- Sim - concordou.
- O que queria falar comigo? - falei antes que ficássemos em silêncio.
- Ahm, queria te pedir desculpas – falou pausadamente.
- A gente veio até aqui pra você me pedir desculpas? Estava esperando um pedido de casamento depois de tanto suspense - falei brincando. Ela riu me empurrando gentilmente.
- Como você é besta.
- Ué, to tentando entender por que você está me pedindo desculpas.
- To te pedindo desculpas por essas coisas todas.
- Que coisas todas?
- Todas as coisas.
- Que coisas?
- Essas que tão acontecendo.
- Que coisas que estão acontecendo? Por enquanto não ta acontecendo nada - sorri mais para mim mesma do que pra ela.
- Pois é. Então que seja por isso.
- Isso o que?
- Essas coisas que não estão acontecendo.
- Hm - interroguei-a - o que têm elas?
- Então você sabe do que eu estou falando?
- Claro - respondi tentando entender o porquê daquela conversa.
- Então peço desculpa por essas coisas que não estão acontecendo.
- Não precisa pedir desculpa por nada - falei um pouco mais fria do que gostaria, mas no fundo do jeito que queria.
- Claro que preciso.
- Não precisa mesmo - retruquei ficando com um pouco de raiva daquele acesso de piedade dela para comigo.
- É que eu não entendo o que ta acontecendo.
- Mas a gente não acabou de dizer que não está acontecendo nada?
Ela me lançou um olhar de descrença.
- Olha Yumi, somos bem grandinhas, não precisa me pedir desculpa por nada. Você não me deve absolutamente nada.
- Eu sei.
- Então pra que pedir desculpas?
- É verdade né? Eu que sou uma besta por vir te chamar aqui e tentar entender o que está acontecendo - olhou triste para os pés.
Me senti um pouco deslocada com aquela constatação.
- Não ta acontecendo nada Yumi.
- É por isso que eu to aqui.
- Porque não ta acontecendo nada? - sorri daquele diálogo de loucas.
- Sim e não. Sim porque não está acontecendo nada. E não porque é por não estar acontecendo que eu to te pedindo desculpa.
- Agora eu que te peço desculpas, não to entendendo nada - ri sincera.
- Olha Manu eu devo ta enxergando coisas de mais, é isso. Esquece o que eu falei ta?
- Não, eu to aqui pra tentar entender - permaneci parada.
Ela olhou profundamente para o infinito daqueles prédios que nos rodeavam. Respirou fundo.
- Eu confio em você Manu.
- E isso é um problema? - me escorei ao seu lado.
- Você é minha amiga.
- E?
- E amigas não ficam - soltou.
- Mas a gente não ficou - comecei a ficar nervosa com aquilo tudo.
Ela me olhou ainda escorada.
- E porque a gente não ficou?
- Porque somos amigas?
- Você acredita mesmo que é por causa disso?
- Não, eu acho que é porque você tem namorada e gosta dela - falei olhando para os lados, com medo de que ela percebesse a mentira que neles refletia.
Ela riu.
- É mesmo que você acredita nessa viagem que você está me dizendo?
- Mas você não gosta da sua namorada?
- Claro que gosto.
- Então pra mim basta.
- Pra mim também.
- Então pronto, não tem nada que me pedir desculpas.
- Mas eu me sinto culpada.
- Não se sinta, você não fez nada, aliás a gente nunca fez nada e nunca vai fazer - falei irritada - não tem porque pedir desculpas. Peça desculpas à Jéssica por namorar com ela sem gostar dela.
- Quem disse que eu não gosto dela.
- Olha Yumi, como eu sou sua amiga eu acho que posso te dizer que você só namora com as pessoas porque elas são fáceis. E eu sinceramente não acredito que algo que comece desse jeito possa dar certo.
- Mas quem disse isso?
- Você mesma disse isso.
- Você está louca Manu.
- Não estou, olha o jeito que você trata a Jéssica, por mais que eu não goste dela, eu acho que ela não merecia essa tua falta de interesse por ela.
- Quando que eu não demonstrei interesse por ela?
- Você nunca demonstra.
- Me diz uma vez.
- Todas as vezes que eu to com você eu nunca vejo você tratando ela bem.
- Mas é que... - calou-se.
- Ontem mesmo.
- Pois é, ontem. Era sobre isso que eu queria falar também... - voltou novamente seu olhar para o horizonte.
- Não temos nada para falar sobre ontem Yumi. Aconteceu e não aconteceu. Eu também não estou facilitando.
- Não, eu que estou fazendo tudo errado.
Era a minha deixa para concordar com tudo aquilo e tentar entender o que estava acontecendo. Acompanhei o seu silêncio.
- Eu só queria te pedir desculpas ta Manu?! Será que é tão difícil de aceitar isso?
- Posso aceitar, mas queria entender porque você está me pedindo desculpas.
- Porque eu... - ela olhava agora para os lados, talvez pedindo apoio a um dos tantos edifícios que nos olhavam mudos e cinzas - você não entende.
- Se você me explicasse eu poderia entender.
Ela parecia nervosa, balançava seus dedos freneticamente.
- Yumi, eu to aqui com você, não precisa ficar assim, outra hora a gente conversa, ta legal?
- Ok.
- Não precisa se estressar, eu sei entender quando as coisas não são pra ser.
- Mas não é isso.
- Enquanto você não tem outra explicação melhor pra me dar, ficamos entendidas que é isso sim - sorri tentando parecer amigável. Me aproximei mais dela. Meu braço tocou no seu. Empurrei-a com o ombro, com meu sorriso demonstrando um ato de paz entre nós.
Ela sorriu de volta. Me virei em sua direção, passando minha mão sobre seu rosto. Ela por alguns segundos fechou os olhos, mas logo os tornou atentamente para os meus.
- Você é linda... - falei olhando para seus olhinhos puxados que sorriram ao me ouvir. Passava meus dedos lenta e delicadamente sobre a sua maçã do rosto, descendo em direção aos seus lábios semi-abertos. Revelavam um sorriso.
- Desculpa se eu não soube me conter... - continuei pousando meu indicador sobre sua boca. Olhei-a mais uma vez, agora diretamente para sua boca - mas prometo que isso não vai se repetir.
Sai de perto dela, aquilo era tortura de mais.
Antes de fechar a porta atrás de mim ainda ouvi um resmungo dela de "você não entende". Não tinha nada o que não entender. Era aquilo. Ela tinha as coisas dela, ela tinha a sua namorada, tinha a sua vida, suas facilidades e vantagens ao namorar Jéssica. Tinha feito suas escolhas e dizer que eu "não entendia" era mais fácil. Tudo bem, eu sabia perder, não iria ser aquilo que me faria estragar a noite.
Juntei-me aos solteiros. Eles sim saberiam curtir a vida sem confusão alguma. Sem dramas! Era isso.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Problemas técnicos

Amanhã às 20h as postagens voltam ao normal.

domingo, 9 de agosto de 2009

Feliz dia do desnamoro

- Como vocês demoraram hein?
- Ah, a gente ainda passou pra buscar as meninas.
Depois de um breve oi para todo mundo, Luiz, Leandro, Paulinho e Maurício já nos esperavam, de um largo sorriso de Marta quando nos viu, enfim sentamos na sala.
Marta nos serviu de uma cerveja argentina muito boa e tão logo começamos a beber e a conversar, meu constrangimento pelo que havia acontecido (ou não acontecido) entre Yumi e eu desaparecera. Paulinho e Leandro estavam estranhos, nunca os vira sendo tão ríspidos um com o outro como daquela maneira. Brigavam por qualquer coisa, pairava um clima muito pesado entre eles. Percebia que Carol com sua enorme simpatia tentava amenizar as coisas, mas seu esforço era praticamente em vão.
Luiz na volta do banheiro sentou-se ao meu lado.
- E aí Manu, quanto tempo que não nos víamos né?!
- É verdade - concordei não sentindo mais tanta felicidade assim.
Como vai a faculdade, o papagaio e as coisas em geral, esse foi o máximo de diálogo entre nós. Novamente Luiz tentava aos pouquinhos inserir o assunto que não havíamos nos conhecido muito bem naquelas férias, que poderíamos nos conhecer agora, que tinha assistido a um filme e lembrado de mim, que achava uma pena nossas férias terem acabado daquela maneira. Fiz um sinal estranho para que Renata me tirasse dali, e ela mais estranhamente ainda, entendeu, me chamando. Fomos para a enorme sacada. Marta morava num apartamento muito grande e bem arrumado. Fiquei pensando se era ali que ela morava com a sua ex-esposa.
- O cara já tava te enchendo o saco é?
- Sim, ele não entende que eu gosto de mulher - sorri olhando para aquela selva de pedras. Parecia que os prédios disputavam entre si quem seria o mais alto e feio. Quase não dava para enxergar o vazio do céu.
Déia se aproximou de nós.
- Sobre o que vocês estão conversando?
- Sobre o que mais seria?, mulheres - respondeu Renata satisfeita.
- Que mulher em específico?
- A Manu nesse primeiro momento - riu olhando para mim.
- Você vai nos contar o que pegou com a Yumi ontem né?! - Déia escorara-se ficando de frente para mim.
- Não aconteceu nada e esse é o problema.
- Você que não sabe chegar em mulher Manu - falou Renata.
- Sei sim! Ela que é muito fresca.
Conteve brevemente sobre a noite, o pouco que tinha pra contar.
- Ela está se fazendo.
- Sim eu sei, mas e aí, o que eu faço?
- Vira a página e passa pra próxima da fila.
Fiz que não com a cabeça.
- Ah Manu, você é muito retrô. Já deu tempo suficiente pra você chorar pela Patrícia, já deu tempo suficiente para você chegar na Yumi, agora game over, começa outro jogo.
- Como se fosse assim.
- É assim sim Manu, você que está complicando coisas de mais. A vida é simples.
- Também acho Manu - Renata também voltou-se para mim - você é jovem, tem muita coisa pra viver além de uma orientalzinha fazida.
Sorri.
- É Manu, vamo sair hoje?!
- Sair pra onde?
- Pode ser pra qualquer lugar, desde que você não leve a Yumi consigo.
- Nem em pensamento - completou Renata.
Sorri para as duas. Talvez fosse o melhor a fazer. Yumi não queria nada, sabe-se-lá por que. Talvez porque estivesse namorando, talvez porque não gostava de mim, talvez por tudo isso e mais. Então chega desse assunto, pensei anotando mentalmente. Que fosse feliz de outras maneiras.
Paulinho juntou-se a nós cabisbaixo.
- Que foi meu lindo?
- Ah, homens.
Rimos as três.
- Cansei de homens, de verdade!
- O que aconteceu? - perguntei tentando conter meu riso.
- O Leandro é um animal insensível.
- E nós aqui reclamando que mulheres são sensíveis até de mais - falou Déia abraçando-o.
- Mas cadê ele?
- Eu terminei com ele.
- Como assim?
- Ah, cansei desse cara. Ele é grosso de mais, ele me ignora na frente dos outros, me trata mal, não me dá atenção, é um ogro.
Maurício também juntou-se a nós.
- Ele já foi - olhou-o ternamente.
- Que bom, espero nunca mais ver aquele miserável!
Paulinho parecia estar mais brabo do que triste. Mais irritado do que sentido pelo término do seu namoro.
- Sabe Paulinho, a gente mesmo tava planejando uma noite dos solteiros, pra curtir a vida mesmo, vem com a gente?
- Aonde que vocês pensam em ir suas loucas? - falou com os olhos vermelhos, como se estivesse prestes a chorar.
- Em qualquer lugar que casados não entrem - sorriu amigavelmente.
- A situação ta feia hein? - Maurício escorou-se ao lado de Renata.
- Feia não, isso sim que é bom! - falou Déia erguendo seu copo de cerveja para que pudéssemos brindar.
- Um brinde aos solteiros!
Todos fizeram um mesmo movimento em direção ao céu. Que brindássemos então aos solteiros, à falta de compromisso com os outros, a uma nova vida, mais uma vez.

sábado, 8 de agosto de 2009

Pizza

- A Marta nos chamou pra almoçar na casa dela, a Carol me ligou antes... - ela falava olhando para o guarda-roupas.
- Eu acho que vou pra casa - eu olhava para ela.
- Não... Quer dizer, a Carol queria que todos estivessem juntos.
- Quem mais vai?
- Ah, não sei. O Luiz, os meninos, ela disse pra você chamar a Déia e a Renata também - fora para frente do guarda-roupas abrindo as portas em busca de alguma coisa com os olhos.
- Não sei, estou meio cansada, tenho umas coisas pra fazer ainda, semana que vem tenho que entregar um relatório ainda.
Preferia que não tivesse sonhado nada.
- Bom, você quem sabe... Acho que ela ficaria feliz se você fosse ela parecia bem animada.
- Se todo mundo vai eu não vou fazer falta - sorri sem graça.
- Claro que vai - disse muito rápido, talvez mais rápido do que pode refletir.
Sentei na cama ainda com os olhos sobre ela. Queria dizer alguma coisa, nem que fosse desculpa. Mas seria um pedido de desculpas pelo que? Ela que deveria me explicar alguma coisa, não eu.
- Vai você lá, eu sinceramente prefiro ir pra casa.
- Por quê? - não olhava pra mim.
- Porque tenho outras coisas pra fazer.
- Que coisas?
- Estudar.
- Até parece...
- Olha pra mim - falei segurando sua mão.
- To olhando - virou-se.
- Nós somos amigas.
- Eu sei.
Concordei com a cabeça.
- Vô pra casa.
Me levantei.
- Por favor, vai lá com a gente.
- Pra que?
- Porque elas são tuas amigas, a Carol ta toda animada, só Deus sabe o quanto ela sofreu por causa da Maria. Acho que é importante a gente dar apoio a ela.
Seu celular tocou. Rapidamente ela atendeu.
- Que bom que você ligou a Manu não ta querendo ir, diz que vai estudar, vê se pode. Sim eu sei, peraí - virou-se para mim - ela quer falar com você - me entregou seu celular.
- Oi.
- Cara, claro que você vem almoçar com a gente, Marta me ensinou a fazer pizza.
Pouts, pizza de novo não, pensei cansada.
- Ah que legal Carol.
- Sim é muito legal, eu que fiz, queria que vocês experimentassem.
- É que to um pouco cansada, sério... Acho que é tpm - inventei.
- Ah pára Manu, que frescura é essa? É por causa da Marta né?
- O que? Não! - ri.
- Ah, pode parar, é por causa dela né? Você queria ter ficado com ela e eu fiquei, e eu que te apresentei né?! Sacanagem minha, poxa Manu desculpa.
- Não fala besteira - interrompi.
- Tem certeza?
- Claro que não é por causa da Marta – sorri de sua ingenuidade.
- Então é por causa de quem?
- Quem disse que era por causa de alguém que eu não vou? - nesse momento Yumi virou-se novamente para mim, mas disfarçou indo pegar um casaco sobre a cadeira em frente ao computador.
- Então é por causa do que?
- Porque tenho que estudar.
- Ai que mania que vocês têm de estudar quando começa a faculdade, é só um almoço tá? Não vamos ficar até amanhã aqui, é só almoçar daí eu mesma te levo em casa, fechado?
- Fechado - não resistia à simpatia de Carol.
- Chama as meninas também, beijos.
- Tchau - falei ficando um pouco mais animada, mas não o suficiente para deixar de me sentir extremamente constrangida por aquela situação. Há poucos minutos atrás tudo aquilo estava acontecendo com Yumi e agora parecia que nada havia acontecido. Aquilo me irritava, me lembrava nos tempos em que Patrícia e eu queríamos ficar a sós e não conseguíamos por que sempre havia alguém para nos atrapalhar. Me irritava tantas coisas para acontecer mas que nunca chegavam de fato a existir. Me irritava mais ainda a displicência de Yumi que fazia de conta que realmente tudo era só coisa da minha cabeça. Como se eu fosse uma qualquer.
- Então você vai?
- Vou né, fazer o que?
Entramos no carro em silêncio indo em direção ao apartamento das meninas. Elas já nos esperavam na frente, Déia muito animada como sempre, Renata com cara de sono. O restante do caminho foi em silêncio, tirando alguns comentários de Déia sobre as roupas das pessoas pela rua, de como o dia estava agradável, de como o mundo era bonito.
- O que você fez ontem Déia?
- Por quê?
- Porque você ta toda feliz?!
- Minha noite foi maravilhosa!
- Conta.
- Ah...
Renata fez um muxoxo.
- Ela se encontrou com a Micheli.
- Aff... Só o que me faltava vocês começarem a namorar agora.
Ela ficou em silêncio.
- Não acredito que vocês estão namorando!
Renata e Déia riram juntas.
- Sério?
- Claro que não! - falou me deixando aliviada.
- Ah, já pensei que havia perdido mais uma amiga para o namoro.
- Jamais.
- E porque você ta assim radiante?
- Porque a gente conversou sobre isso, e eu deixei bem claro que a gente não está e nem estará juntas.
- Nossa!
- E ela concordou feliz, porque achava que eu pensava que a gente tava namorando.
- Que confusão.
- Confusão não, tudo fica mais fácil quando a gente conversa. Ainda mais quando se tem duas meninas - sorria de orelha a orelha.
- Fico feliz por você.
- E vocês o que fizeram ontem?
Instintivamente Yumi e eu nos olhamos demoradamente. Déia nos olhou quieta. Renata cochilava no banco de trás. Permaneceu tudo como antes, no mais absoluto silêncio.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sonhos

Acordei no meio da noite com frio. Havíamos dormido daquele jeito, deitadas de barriga pra cima. Olhei para o lado e lá estava Yumi. Ali na verdade. Parecia que mesmo dormindo em sua boca ainda havia vestígios de sorriso. Parecia que ela continuava com aquele ar enigmático me convidando. Com delicadeza consegui puxar o colcha onde estávamos deitadas em cima para nos cobrir. Ela se mexeu um pouco, meio que protelando por quase acordá-la. Quando passei a colcha por cima de nós ela se encolheu um pouco, aproximando todo seu corpo contra o meu. Colocou sua cabeça um pouco abaixo da minha, encaixando-se entre meu peito e meu pescoço, passando seu braço por cima de mim me abraçando. Ou eu estava sonhando ou ela também não estava dormindo. Pousei o meu braço sobre ela na expectativa de a qualquer momento abortar. Mas ela só fez aproximar-se mais ainda de mim. Era mais fácil voltar a dormir assim.

***

- Que horas é pra ir? Sei... - riu - Não eu não sei. Tudo bem, marcado então. Certo. Doze? Mas que horas é? Ok, então estaremos aí.
Era a voz de Yumi muito perto de mim. Ainda estava com os olhos fechados. Talvez aquilo fosse mesmo um sonho. Havia imaginado enquanto dormia que estava deitada junto dela, abraçada, na mesma cama aquela.
Permaneci de olhos fechados, esperando a qualquer momento que abortassem meu sonho, que acordaria sozinha numa cama qualquer. Sentia seu corpo quente encostado no meu. Meus olhos estavam fechados, mas ainda sentia seu cheiro, seu calor, sua vida ao meu lado. Meu braço ainda estava sobre ela, e ele ainda assim permaneceu quando Yumi se mexeu encaixando-se mais em mim. Talvez estivesse mesmo sonhando. Talvez estivesse mesmo imaginando coisas de mais. Mas se fosse sonho não haveria problema algum em eu encenar e ensaiar as tantas coisas que desejava fazer com Yumi. Pois se estivesse sonhando, que fosse o sonho mais belo, para que quando acordasse não restassem dúvidas de que aquilo era de fato um sonho. O melhor sonho.
Abaixei minha cabeça sentindo seu rosto mais próximo do meu. Parei ainda de olhos fechados. Aguardando. Tudo permaneceu igual. Continuei. Com meu braço busquei-a mais para perto de mim. Com o seu braço senti seu abraço apertado, escorregando por minhas costas até chegar a minha cintura. Sua perna ficou sobre a minha. Meu rosto ficou mais próximo do seu. Seu rosto subiu na altura para que nossas bocas pudessem se olhar. Mas eu continuava de olhos fechados, com medo de abri-los e acordar, dando fim aquele sonho. Sentia a sua respiração acelerar junto com a minha. Senti que meu corpo não aguentaria ficar por muito mais tempo de olhos fechados. Sua mão escorreu por baixo da minha blusa chegando a minha pele. Minha mão subiu até chegar à sua nuca, sentindo por entre meus dedos seus fios de cabelos. Nossos narizes se encostaram. Estava com medo de abrir meus olhos e acordar daquele sonho.
- Manu...
Aproximei minha boca da sua, não era a hora certa de acordar. Sua respiração encontrava minha boca, que queria a todo o custo encontrar a sua boca. Sua mão ainda por baixo da minha blusa me puxou forte contra si. Porém seu rosto se distanciou de mim.
- Manu, eu não posso.
Abri os olhos, o sonho acabara.
Ela ainda permanecia na minha frente, sua mão continuava embaixo da minha blusa, sua boca ainda estava olhando para a minha. Consenti com os olhos, ela não podia, mas fazia de tudo para parecer que sim, que estava ali, que aquilo era mais que um sonho. Então pra que insistir em fazê-lo existir, mas não acontecer?
Encostou sua testa na minha, me olhando nos olhos. O que outrora era enigmático se tornara claro. Mas na verdade deixava-se entender até um certo ponto, o ponto mais preciso, porém o resto ainda estava obscuro. Ela deixou tudo acontecer até este ponto, o resto só descobrindo.
Fez um gesto negativo com a cabeça, e murmurou algo como desculpa. Demorou ainda um tempo até tirar todo seu corpo que estava colado no meu de mim. Antes de levantar da cama ainda me lançou novamente aquele olhar que deixava transparecer poucas coisas ou quase nada.
Eu permaneci na cama ainda tentando entender estas tais poucas coisas que podia compreender. Olhava para todos os lados entanto encontrar alguma coisa, qualquer coisa que fizesse eu ter acordado daquele sonho em outro lugar, não ali, não ao seu lado. Antes fosse outra coisa. Mas ainda continuava na cama de Yumi, porém naquele momento completamente sozinha.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Se

Estávamos deitadas de barriga pra cima. Já era setembro, algumas provas em vista e uma bela tarde de sol. Um sábado. Uma pizza requentada. Uma cama. Nós duas.
- O que a gente vai fazer hoje?
- Não sei, o que você quer fazer?
- Nada, é bom ficar assim deitada depois de comer.
- Você é uma bela de uma velha que só pensar em dormir.
- Tem coisa melhor pra se fazer?
- E a Jéssica?
- O que tem ela?
- Ela não vem?
- Nesse final de semana não.
- Por quê?
- Porque eu precisava estudar, tenho um trabalho super gigante pra fazer.
- E porque você não está fazendo?
- Porque eu to aqui com você - sorriu. Senti com o canto do olho que ela olhava para cima curtindo aquele momento.
- Mas a gente não ta fazendo nada.
- Eu sei. E por isso que é bom!
Escorei minha cabeça com a mão deitando-me de lado ficando de frente para ela.
Deixei escapar um olhar de relance sobre seu corpo tão perto de mim. Agora ela sorria mais, talvez por sentir todo meu olhar sobre ela. Talvez até satisfeita.
- E a Marta?
- Pois é, perdi.
- Perdeu mesmo um mulherão!
- Engraçado que você não parecia querer que eu ficasse com ela, nem ontem, nem nas outras vezes.
- Eu não tenho nada o que querer ou não querer.
- Não tem.
- Não tenho.
- Mas fala.
Ela tentou esconder seu sorriso virando-se para mim.
- Não posso falar?
- Pode.
- Hmm - continuava sorrindo. Cada vez que sorria, ou se mexia, encostava-se em mim, até assim permanecer - bom saber.
Eu sorri de volta. Permanecemos assim sem falar absolutamente nada, apenas sorrindo. Olho no olho. Não havíamos mais tocado no assunto do nosso quase-beijo. Em nenhum dos tantos que não aconteceram pra falar a verdade. Talvez por nunca terem saído do projeto. Mas eu havia tentado ao menos uma vez fazer daquele quase beijo algo real. E era como se nada tivesse feito, afinal continuava no zero a zero.
- Mas a Carol ta se dando bem agora, fico feliz por ela.
- Eu também fico.
- Você acha que elas não voltam?
- Não sei, mas tomara que não né? - olhava de vez em quando nos meus olhos, de vez em quando pra minha boca. Começava a ficar nervosa com aquela situação.
- Por quê? - não conseguia conter aquele sorriso no canto da boca.
- Porque eu quero que a minha amiga seja feliz.
- Mas a Má não é tua amiga também?
- Sim, quero que as duas sejam felizes.
- Mas você acha que elas separadas serão mais felizes do que juntas?
- Tenho certeza absoluta. Sabe fico pensando - agora fora a sua vez de virar-se para mim por completo - às vezes fico viajando...
- Sobre?
- Ah, às vezes penso que tem certas pessoas que não nasceram pra ficar juntas?
- Você acredita no destino? - ri.
- Não besta, não to falando disso. To falando de coisas além de qualquer história que inventem pra dar desculpas sobre amores que não dão certo. To falando que existem pessoas que se dão tão bem como amigas que se um dia virarem namoradas é provável que não dêem certo.
Tentei fazer de conta que aquilo não poderia ser uma indireta.
- Mas elas eram amigas antes?
- Até onde eu sei mais ou menos.
Ri de sua incerteza.
- Mas sei lá. Às vezes a gente confunde amor com amizade, o fato de você se dar super bem com uma pessoa, ter várias coisas em comum, às vezes mais até do que você esperava quando conhece a pessoa, e por isso acha que pode namorar. Aliás, pode não, deve.
- Interessante essa tua teoria, é isso que você aprende na escolinha?
- Não - riu me empurrando - não é isso que eu aprendo na escolinha, é isso que eu vejo acontecer.
- Hmm.
Ela revirou os olhos.
- Eu já encontrei uma pessoa que parecia ter saído da mesma forma que eu, gostávamos das mesmas músicas, lugares, cores, roupas, livros, textos, momentos, tudo era compartilhado e mútuo.
- E aí?
- E aí que não deu certo, obviamente.
- A é? Mas justamente por ter tantas coisas em comum é mais fácil de lidar com a pessoa, não?
- Não, eu gosto quando as pessoas são diferentes de mim.
- É, eu também gosto.
- Pois então, como você pode namorar alguém tão parecido com você? Você nunca vai ter uma surpresa, porque tudo que vocês fazem já é premeditado, pois vocês compartilham os mesmos gostos.
- Continuo achando interessante - sorri.
- É interessante sim - sorriu de volta.
Trocamos um longo olhar sem dizer nada. Seus olhos fecharam e abriram com calma, muito devagar, como se soubesse que eu os cuidava com toda atenção.
- Sabe, eu prezo muito meus amigos.
- Eu continuo concordando - sorri tentando novamente não encarar aquilo como indireta.
- Você não acha que pode estragar uma amizade ficando com uma amiga?
- Acho que vai depender do que você sente e do que ela sente. Do valor que você dá pra amizade e da maneira como você vê ficar com a pessoa.
Sorriu concordando com a cabeça.
- Mas você já ficou com suas amigas né?!
- Já.
- E nunca estragou a amizade?
- Até onde eu sei não.
- Você já ficou com a Déia né?!
- Como você sabe disso?
- Os boatos rolam por aí. Mas vocês continuam amigas né?!
- Sim, muito amigas. O fato de eu ter ficado com ela parece que passou batido na nossa amizade, e é disso que eu falo. Depende da maneira como você vê essa amiga, e a amizade.
- Mas com a Renata também foi assim?
- Não sei, com a Renata por incrível que pareça as coisas são mais complicadas.
- Pois é, esse sempre foi meu medo de ficar com alguma amiga minha.
Esperei que dessa vez isso fosse uma indireta.
Ela se calou me olhando e com aquele sorrisinho quase imperceptível. Me deu vontade de lhe dar um beijo e tocar um dane-se pra tudo. Dessa vez eu ia ficar em silêncio para ver até aonde seu olhar e aquele sorriso iriam.
Ela por sua vez pareceu ter a mesma ideia que eu. Ficamos assim um longo período em silêncio apenas nos olhando nos olhos. E era difícil mantê-los parados, fixos numa única posição. Queria olhar para ela toda, sua boca, seu sorriso. Mas sentia com os olhos seu sorriso. Sentia na minha perna a sua encostando em mim. Ela olhou para o lado, ainda com seu rosto virado pra mim. Depois calmamente voltou-se de barriga para cima. Sempre acompanhada daquele sorriso. Pousou suas mãos por cima de sua barriga e assim ficou.
Continuei olhando-a, agora vencida pela sua beleza, pela sua boca, pelo seu corpo.
Ela sabia que eu estava assim, olhando-a mesmo. E ela continuava sorrindo, sem falar nada, apenas sorrindo. Um sorriso diferente de todos os sorrisos que eu já vira. Era um sorriso que eu conseguia sentir o gosto. Do que exatamente eu não sei, mas sentia. E ao mesmo tempo que ele me dizia tantas coisas, ele era enigmático. Como se estivesse a minha espera para desvendá-lo. Me convidando, me provocando.
Foi a minha vez de novamente me deitar de barriga pra cima. Inevitavelmente nossas pernas se tocaram, e assim permaneceram. Eu não conseguia esconder aquilo tudo que eu estava sentindo apenas pelo seu sorriso. Nunca tinha imaginado que o seu silêncio pudesse me fazer tão bem. E aquele sorrisinho no canto da boca.
Quando me dei conta eu estava sorrindo ainda, com muito menos timidez que outrora, chegava até a mostrar os dentes. Senti com o olho que ela virara para mim. Olhei para ela na hora em que abrira a boca para falar alguma coisa. Mas parou, com a boca semi-aberta. Olhou profundamente para minha boca. Sorriu. Olhou pra meus olhos. Continuou a sorrir. Para a minha boca. Eu sorri. Para os seus olhos.
Assim ficamos pelo resto da noite. Naquele momento percebi que nada além de olhos e sorrisos importava.