terça-feira, 31 de março de 2009

Pra onde?

- Oi meninas, vamos parar com o agarramento no meu carro? - dando um beijo na bochecha de cada uma.
- Vocês lembram da Manuela né?
- Claro, e aí menina, estou sabendo que você está adorando os trotes que ela e os meninos estão fazendo com você - disse a Carol, sempre sorridente e muito simpática, para compensar a Ma, que ainda estava com a mesma cara amarrada de sábado.
- Você viu? Agora até servente eu virei - falei enquanto deixava as caixas no chão.
- Hei, aqui no porta-malas - disse a japonesa abrindo-o.
Coloquei as caixas com muito esforço, pois meus braços já estavam moles de tanto carregar peso.
- Meninas, estamos indo nessa - falou Carol - foi um prazer te ver Manu, vê se dessa vez vai na festa com a gente.
- Que festa? - perguntei.
- A Mi não lhe contou?
Mi. Então esse era seu apelido, não sabia seu nome, mas pelo menos poderia chamá-la de Mi ao invés de "você". E por um segundo me perguntei como ainda não havia descoberto seu nome e pior, porque eu estava demorando tanto tempo para perguntá-lo.
Fiz que não com a cabeça.
- Eu não sei se ela gostaria de ir - falou a Mi.
- Você acha que só porque não sou daqui e moro em uma pequena cidadezinha eu não saiu?
Elas só se olharam.
- O que tem de mais a festa? - perguntei inocentemente.
- É em um barzinho, nada de mais. Vai com a gente que você descobre - disse a Mi olhando para as meninas e rindo.
- Amor, ta na hora - ouvi a Ma dizer no ouvido da Carol.
- Bem meninas, a gente vai lá mesmo - disse a Carol nos dando tchau - a mãe dela já deve estar brava com a gente.
- Tchau meninas - foi a única coisa que a Ma disse sem fazer cara feia.
- Simpática ela - falei ironicamente.
- Você está falando mal das minhas amigas?
- Não, estou fazendo um comentário. Acho que ela não gostou de mim - dei com os ombros.
- Ela não gosta de ninguém, acha que todos querem ficar com a Carol, só porque ela é extrovertida e fala com todo mundo.
- Eu sou todo mundo agora é?
- Não, você é apenas um bixo querendo se rebelar - riu.
Ela ficava especialmente bonita enquanto ria.
- Meu trabalho já foi feito, e já que você não quer me dizer que festa é essa eu vou embora - disse já acenando.
- Calma aí. Quero te fazer uma proposta.
- Lá vem - falei ficando um pouco ruborizada por pensar besteira.
- Você está vendo que meu braço está machucado né?
- Aham, e?
- E é o seguinte. Eu não sei por que estou te falando isso, mas como hoje está quente os meninos prepararam uma brincadeira especial pra vocês, bixos.
- Que brincadeira?
- Encheram bexiguinhas e vão fazer uma guerra. Adivinha quem vai ser o alvo especial?
- Puts! - soltei.
- Mas dessa vez eu, como sou muito boazinha, vou te dar uma opção.
- E qual é?
- Eu tenho que levar essas caixas para casa.
- E?
- Você podia ir comigo para me ajudar a subi-las.
Eu ri achando que era piada. Mas vendo sua cara séria falei:
- Você ta falando sério?
- Sim, eu moro no 9° andar.
- E lá não tem elevador? Porque percebi que nessa "capital" - sinalizei com os indicadores - não chegou esse tipo de tecnologia ainda né? No prédio de Artes nada né?
Ela riu - Tem, mas como que vou levar até lá? Eu moro aqui pertinho - me explicando onde era. Tive uma leve noção de onde ficava sua casa.
- Pede para o seu namorado levar para você - dessa vez tive vontade de me enfiar no primeiro buraco que aparecesse, porque estava insistindo em falar de namorado?
- Nossa, que má vontade. Não vê que sou uma pobre mocinha que se machucou?
- Eu nem sei o seu nome, pra começo de conversa.
- Se eu disser você vai? - disse ela fazendo uma carinha de criança - se ela não estava flertando comigo então eu realmente merecia ter nascido um homem pra falar tamanhas besteiras - os meninos que me perdoem - Prometo a você que não quero te seqüestrar, nem te fazer mal - riu - apenas preciso levar isso para casa.
- Com uma condição eu vou.
- Que condição?
- Diz para os meninos pararem com esses trotes - falei inocentemente.
- Combinado - esticou sua mão para apertar a minha - agora vamos?
- Ah, mais uma coisa - falei.
- Outra?
- Eu volto pra casa como? Não trouxe dinheiro nem para a passagem.
Ela riu. Eu até poderia ficar envergonhada por não ter dinheiro, mas afinal de contas, eu é que estava fazendo um favor a ela, pensei tentando me consolar por estar sendo tão pobretona.
- Você já sabe pedir esmolas na rua - ela riu e logo falou ao ver minha cara - to brincando, a gente dá um jeito.
- Sei..
- E pra não dizer que eu sou chata, até abro a porta para você - mas ela ficara ao lado da porta, e quando eu entrei nossos corpos se encostaram levemente. De propósito? Muito cedo para conclusões, mas já poderia abrir o bolão apostando que eu ainda ficaria com essa menina.
- Você pode dirigir com o braço assim?
Ela sorriu - eu vim pra cá dirigindo, e estou viva, não estou?
- Acho melhor eu apertar o cinto - falei rezando para que fosse apenas brincadeira.
- Relaxa menina - falou ela ao ver minha cara de preocupação.
Eu não sou tão paranóica, mas sofri um acidente muito feio há dois anos atrás, fiquei um dia no hospital em observação, quebrei o braço, fiquei enfaixada até a unha da mão direita. Lembrei da Patrícia e sua cara quando me viu deitada na cama daquele estado. Olhou para minha mão e sorriu dizendo baixinho no meu ouvido "ainda bem que você é canhota" e me dando um beijo rápido. Aquele dia ficara marcado pra sempre, como a primeira vez que ela me dera um beijo em público. Ta certo que não tinha ninguém no quarto de recuperação, mas ainda assim sabia o quanto tinha significado pra ela.
Meu telefone tocou. Era o Rogério confirmando que eu podia ficar curtindo minhas novas "férias" que ele estava resolvendo tudo. Mas tinha uma surpresa para mim. Quando perguntei sobre ela, ele disse que ia perder a graça se contasse antes da hora e que então na outra semana eu iria para lá.
- O namorado já está marcando em cima? - falou ela enquanto tentava tirar o carro do estacionamento. Com tantos estudantes caminhando sem olhar por onde, até uma pessoa com 5 braços não conseguiria sair assim tão fácil.
- Não, porque o seu marca?
- Não costumo deixar ninguém ficar marcando em cima de mim não - ela olhou para mim, mas eu desviei o olhar falando:
- Cuidado com o menino! - que estava quase em cima do carro.
Ela ligou o rádio, conversamos um pouco sobre as rádios de hoje em dia, que tudo virou jabá. Perguntou-me então se eu gostava de Megadeth, com um CD na mão.
- Você gosta de metal?
Rindo falou - Não, é do meu irmão. Acho que não tem nada que preste aí, da uma olhada dentro porta-luvas.
- Vejamos - disse eu, enquanto tirava um porta CDs preto. Virando os CDs fui lendo em voz alta - Olha, esse é do seu irmão também? CD da Malhação?
Riu alto - Isso é do meu sobrinho, ele gosta de uma música desse CD.
- Acredito - e continuando a olhar os CDs - Bethowen, clássico. De quem é esse?
- Meu pai.
- Não sabia que japoneses gostavam de música clássica.
- Japoneses também são gente, sabia?
- To percebendo pelo gosto musical que sim, Exaltasamba? - falei arregalando os olhos.
Ria-se mais ainda - Eu não faço idéia como isso foi parar aí.
- Bem eclética essa sua família, hein? O que mais temos aqui.. Ah, algo mais parecido com o que eu gosto, Legião, Titãs.. Cássia Eller, esse aposto que é seu.
- Por quê?
- Sua cara - e ri sem olhar para seus olhos.
- Você mora aonde? – perguntei depois de alguns minutos de silêncio.
- Ta tão ruim assim a minha companhia que você quer ir embora? Posso te deixar aqui na rua, e eu subo com tudo isso sozinha.
- Eu quase senti pena de você - sorri - Mas eu não posso aceitar descer aqui.
- Viu só, porque você não vai me deixar subir sozinha né?
- Não, é que eu realmente não sei onde estamos - e ri mais ainda com a cara de decepção dela.
- Então você é a Mi, a outra é a Ma. Vocês têm uma criatividade incrível para apelidos né?
- Você ta querendo apanhar? Primeiro chama a minha amiga de mal-humorada, depois vem nos criticar pelos nossos apelidos?
- Se vocês começarem a me chamar de Ma também, vou sim. E aliás, eu ainda não sei seu nome. Estou indo para um lugar que eu não conheço, para carregar duas caixas pesadíssimas, que eu também não sei o que tem dentro, e a pessoa que me faz passar por isso só sei que se chama Mi. Seu nome é tão feio assim?
Ela riu.
- Prometo que se seu nome for feio eu não vou rir.
- Promete?
- Prometo.
- É Isolina Yumi.
- Isolina?
- Sim - disse ela séria - não falei que você ia rir?
- Quem está rindo? - falei me contendo - bonito o nome, bem diferente.
Ela começou a rir - Você perdeu a sua cara! - falou sem parar de rir.
- Por quê?
- Não me chamo Isolina né?
- Por que não poderia se chamar assim? - falei rindo - achei só que não é um nome muito japonês, mas vai saber..
Entramos em uma rua com um pouco menos de movimento.
- É aqui - disse ela, mostrando o prédio.
Contornamos a quadra para entrar na garagem.
Estacionando ela disse:
- Você sabe puxar o freio de mão?
- Por que da pergunta?
- Hoje de manhã tentei puxá-lo, mas meu braço doeu muito. Até agora está doendo. Puxa? - já saindo do carro.
Puxei o freio de mão e permaneci sentada.
- Você não vai descer?
- Estou esperando você abrir a porta para mim de novo - sorri.
- Eu não vou abrir nada - disse ela.
- Então vamos ficar aqui até amanhã.
- Eu não vou abrir que você vai ficar muito mal acostumada.
- Eu vou carregar um chumbo nas costas que nem sei o que é e você não pode abrir a porta e me fazer essa gentileza? - era gostoso ficar nesse joguinho com ela.
- Não! - falou abrindo o porta-malas.
Permaneci sentada por mais 1 minuto, cronometrado pelo relógio, até que ela cedeu e veio abrir a porta para mim.
- Viu - falei enquanto saia - nem doeu ser um pouco legal, só para variar.
Dessa vez fiz questão de encostar nela na saída do carro.
Pegando as caixas segui pelo corredorzinho com ela. Enquanto ela segurava a porta para eu entrar no elevador, quase deixei cair uma das caixas.
- Cuidado que isso é muito importante!
- Vem levar isso então - falei bruscamente. Os meus braços estavam pedindo ajuda. E nem tinha espaço para colocar as caixas no chão. Maldita hora de aceitar esse convite.
9ª andar.
Eu ainda estava segurando as caixas quando ela tentou pegar as chaves mas não achava.
- Quem sabe você demora mais um pouco, porque ta tão legal ficar segurando isso.
- Quem sabe você larga isso e me ajuda a encontrá-las?
Quando coloquei com muito esforço as caixas no chão ela soltou um gritinho "achei".
Meu plano maquiavélico veio novamente a tona, mas dessa vez um pouco mais planejado. Aqui, com o andar sem ninguém seria mais fácil de matá-la com uma dessas caixas. Desceria pelos elevadores como quem não quer nada e ainda saia de carro novo. Que raiva que subiu pela minha cabeça. Talvez ela estivesse fazendo de propósito, deixar eu largar as caixas para dizer que tinha achado as chaves. Ta, não tenho culpa se sou um pouco paranóica de mais. Só valia a pena ficar carregando peso, porque era extremamente excitante conversar com ela e ficar nesse joguinho que recém tinha começado.
Entramos no seu apartamento, não era muito grande. Logo de cara uma sala, com sofás e uma televisão que segundo meus cálculos devia ter 30 polegadas. Entrando um pouco mais a direita tinha uma cozinha, que pela passada que dei era muito pequena, mais adiante um corredor em forma de "t". A esquerda um quarto, ao lado outra peça, que deduzi ser outro quarto, o banheiro e enfim o quarto dela a direta.
- Está um pouco bagunçado, mas hoje foi bem difícil colocar minhas roupas com o braço assim. Coloque as caixas aqui - apontou para o lado da mesinha do computador.
O quarto não era muito grande, nem muito pequeno. Um guarda-roupa bem grande, a mesa do computador e a cama. Em cima da cama vários bichinhos de pelúcia, muito deles eram sapinhos. Vendo o meu olhar sobre eles ela disse:
- Cada amiga minha que veio de fora me deu um de recordação - sorriu enquanto pegava um na mão - é uma tradição.
Nem dei muita atenção para o que ela falava. Estava cansada, aquelas caixas eram muito pesadas. O calor misturado com o esforço de carregá-las me fez suar. Provavelmente eu estava com uma cara péssima, parecendo um moleque depois do jogo de futebol. Avistei um espelho e confirmei minhas suspeitas. Pedi licença e fui ao banheiro.
O banheiro era pequeno, só de entrar consegui bater em duas coisas. Lavei meu rosto. A água gelada me deu um novo ânimo. Tentei arrumar o cabelo como pude. Estava com um rabinho, não tinha muito que fazer.
Voltando para o quarto vi que ela estava sentada na cama.
- Como eu já te fiz muitos favores - falei eu num tom de brincadeira - vou faltar um pouco com a educação e vou te pedir um copo de água, por gentileza.
- Pega lá! - disse ela sem me olhar.
- Como assim pega lá? Eu não sei o seu nome e vou entrar na sua cozinha e mexer nas suas coisas?
- Eu não sei por que o meu nome é tão importante assim. Se eu te falar meu nome você vai pegar a água? - riu ela, agora colocando seus olhos sobre mim.
- Você deve estar cansada né? - ri ironicamente.
- Vocês do interior são complicados! Meu braço está doendo, não tem erro, sai da porta, vira à esquerda e vai reto. Vai dar de cara com a geladeira. Deve ter água gelada lá.
Sai em busca da água. Menina folgada essa.
Abri a geladeira azul (porque mesmo que geladeira sempre tem que ter cor de calcinha?) e me deparei com um monte de coisas. Havia um vinho pela metade na porta, dois ovos e muita salada verde. Quase desistindo de achar a água, encontrei-a atrás de um pote transparente, que mostrava ter uma coisa bem estranha dentro dele. Olhando-o melhor percebi que era uma espécie de arroz.
Pensei em levar um copo para ela, pois estava muito quente. Mas se eu fizesse isso estaria "entregando" o jogo.
A água desceu cortando minha garganta, pois estava muito gelada.
- Manuela, você morreu? - gritou ela do quarto.
- É eu me perdi no meio de tanta alface e verdinhos - ri, e após ouvir seu riso do quarto falei antes de pensar - Já está com saudade de mim? Ao chegar no quarto me dei conta do que dissera ficando um pouco encabulada, tratei de voltar a minha atenção para um porta-retrato ao lado do computador.
- Isso aqui é você? - uma foto de duas crianças fantasiadas, uma de elefante e outra de zebra.
- Olha o jeito que você fala de mim - disse levemente sorrindo, ao pegar o retrato para ela.
Silêncio. Nossos olhares se cruzaram e senti meu coração bater um pouco mais rápido.
- Você vai me dizer o que tem dentro dessas caixas?
- Acho que você nem vai gostar de saber, vai achar bobo e vai ficar com raiva de mim.
- Porque raiva?
Ela então abriu uma caixa. Havia esculturas dentro. Eram várias esculturas de mulheres em diversas posições.
- Quem fez? - perguntei encantada com a riqueza dos detalhes de cada uma.
- Um amigo meu.
- E porque eu deveria ter raiva do seu amigo?
Olhei embaixo e estava escrito "Danielli Yumi".
- Seu amigo se chama Danielli?
Ela sorriu ficando completamente corada.
- Você que fez isso? Não acredito!
- São feias né? Pode falar!
- São lindas! Mas como elas estavam na faculdade de Artes se você faz arquitetura? - perguntei.
- É uma longa história.
- Se você não se importa de me contar, estou a ouvidos.
E assim passamos a tarde de sexta-feira. Ela me contou que sempre fez esculturas, desenhos, desde pequena. Ela tinha um tio que era artista plástico, ele havia ensinado muitas coisas a ela. Ficara na dúvida de fazer artes ou arquitetura e que optara por arquitetura na última hora. Um amigo seu que fazia Artes na faculdade havia lhe chamado para participar de uma exposição interna ano passado e ela havia feito essas esculturas de mulheres pois a exposição falava sobre a evolução, e sobre como as mulheres começaram a ganhar mais espaço na sociedade. Elas eram de uma espécie de barro, já que para mim não adiantava muito explicar o material que era feito. Disse que iam colocá-las fora, pois não tinha mais espaço para tantas obras dos alunos e como ela não era aluna do curso, precisariam se desfazer delas. Falou ainda que sua mãe não sabia que ela participara da exposição e que ainda estava pensando em uma forma de esconder as esculturas, pois se ela visse ia dar uma briga muito grande. Explicou-me que sua mãe não aprovava ela fazer arquitetura, que ela estava deixando seu talento para fazer casinhas por aí, já seu pai dizia que ela precisava ter uma profissão que desse dinheiro, que não fosse como o seu irmão – tio dela. Seus pais tinham uma pequena lojinha, onde vendiam de tudo.
- Daqui a pouco eles chegam - disse ela olhando para o relógio-despertador ao lado da cama - Você me ajuda a colocar essas caixas dentro do guarda-roupa?
Com um pouco de esforço e fazendo 2+2 caber em 3, conseguimos guardá-las.
- Nem sei como lhe agradecer Manuela.
- Pode começar me chamando só de Manu - falei.
- Manu - repetiu ela.
Silêncio, recheado de sorrisos. Tudo bem, posso ter parecido muito atirada e já entregando o ouro assim de bandeja, me entregando em sorrisos, mas estava lembrando como era flertar com meninas. Desde que parara de namorar com Luciana nunca mais havia ficado com ninguém.
- E a festa, você vai me contar agora onde é?
- Nossa, me esqueci completamente disso! Tenho que avisar o resto do pessoal ainda - falou enquanto ligava o computador.
- Senta aí - apontou para a cama.
- Já que você não vai me contar onde é a festa, então eu vou indo pra casa - disse me levantando.
- Espera Manu - segurou minha mão - você vai embora como? A pé? - riu.
- Puts, verdade! Você vai me levar então?
- Nem posso mais usar o carro, meu irmão vai chegar daqui a pouco também e nas sextas à noite o carro é dele.
- E o que você sugere?
- Que você espere até eu dar um jeito. Fica a vontade, pode ligar a TV se você quiser.
A raiva começou novamente, e ganhando cada vez mais força. Estava morrendo de fome, apenas com um pãozinho comido às 7:00 e ela ainda não queria me levar? Eu nem sabia direito onde eu estava.
- Danielli.. É sério, está ficando tarde, depois para eu ir embora vai ficar pior.
- Hei Manu, se acalma! Olha um pouco de TV que eu já resolvo isso, to falando sério!
- Hm - resmunguei enquanto deitava na cama.
Meus olhos estavam pesados, não havia conseguido dormir na noite anterior.
Acabei cochilando.

sexta-feira, 27 de março de 2009

São namoradas?

Sexta-feira acordei decidida a mandar a gangue do mal pro inferno. Tomei um bom banho, e parti para a última aula da semana.
Aula com um cara bem novo, devia estar beirando os 30. Muito comunicativo, fez a aula seguir sem nem percebermos. Olavo era o nome dele. Já deu uma série de livros para lermos. Enquanto estava anotando a lista deixei sem querer cair minha caneta no chão, perto de onde a loira punk/rock estava sentada.
Cutuquei ela timidamente. Não sei de onde veio essa timidez repentina. Depois que terminara com Patrícia havia me transformado em outra pessoa, alguém mais espontânea. Havia perdido certas coisas essenciais sobre mim ao vê-la partir [ou talvez fosse mais correto dizer, ao deixá-la partir].
Ela virou para traz.
- Ãhn?
- Me alcança a caneta, ali embaixo por favor? - sorri - Obrigada - sorri novamente quando ela me entregou a caneta.
- De nada - devolveu o sorriso. Percebi no seu pulso uma pulseirinha muito incomum. Feita de miçangas, formavam um arco-íris. Aumentei ainda mais o meu sorriso, era da parada gay do ano passado, eu também tinha uma dessas.
Existe aquela lei da atração, dos opostos, enfim. To começando a achar que ela não vale quando se está no universo paralelo dos gays. Ou eu estava vendo de mais, ou a população ativamente gay do estado estava aumentado.
No término da aula, topei com a punk/rock, e pedindo desculpas, ela puxou conversa:
- Legal essa aula né?
- É..
- Eu vi você ontem com um balde e uma vassoura, os caras não deixam escapar nada né?
-Não - sorri pensando que daqui a pouco algum apareceria.
- Boa sorte - disse ela entrando em outro corredor.
Segui andando sem olhar para os lados, caso o Paulinho ou o Magrelo me visse.
Ainda não acreditando que ninguém havia vindo falar comigo com mais surpresas, dei de cara com a japonesinha. Tentei dar meia volta, mas ela me chamou.
- E aí, pronta pra mais? - perguntou ela. Dessa vez ela estava sozinha. Pensamentos obscuros me passaram pela cabeça, eu poderia dar um chute nela e sair correndo. Mas ela era uma menina, né? E aprendemos na escola que em mulher não se bate nem com pétalas de rosas, blá blá blá.
- Que que é dessa vez?
- Calma lindinha - sorriu - O que você vai fazer hoje?
- Porque, querem me incumbir de mais alguma coisa? - perguntei rispidamente.
Ela apenas sorriu.
- Hoje você vai ter uma folga.
- Graças a Deus - falei levantando minhas mãos para o céu.
- Mas antes vai ter que me ajudar a carregar umas coisas.
- Que coisas? - já desfazendo o meu sorriso.
- Vem comigo.
- Você ta achando mesmo que eu agora virei serviçal?
Gargalhou gostosamente - Nunca disse isso, estou apenas pedindo um favor, não está vendo o meu braço machucado?
- Agora você se machuca brincando de pique - esconde e eu tenho culpa?
- Vai ter culpa se me deixar carregar coisas pesadas enquanto estou debilitada.
- Sei. Não tenho muita opção né?
- Eu acho que não - sorriu já começando a caminhar - Consegui te roubar dos meninos por enquanto, você decide se quer ir com eles ou comigo - sorriu agora com um ar que se não fosse pelo forte sol que batia em minha cabeça, diria que estava flertando comigo.
- Ta muito quente né? - tentei puxar assunto, já me arrependendo de ter falado tamanha besteira.
- É sim, ótimo pra tomar um banho de piscina.
- Quem me dera ter uma piscina agora.
- A Carol tem um tio que tem piscina, lembra da Carol né?
- Sim, sim. Que bom pra ela então né? Que pena que você não pode tomar banho com o braço assim - sorri ironicamente.
Ela riu.
- Como que tava a festa sábado?
- Que festa?
- Vocês não iam numa festa sábado, depois de me levarem pra minha casa, ou era só pretexto para não me fazer mais companhia?
- Ah é - disse ela colocando a mão na cabeça - verdade. Estava normal, bebida, amigos..
- Namorado.. - falei arriscando - e instantaneamente me senti um homem daqueles que chegam dizendo "e ai princesa, vem sempre aqui?".
Ela novamente apenas sorriu.
- Aqui - disse ela. Entramos no prédio de arquitetura. Muito bonito e grande ele. Subimos uma série de escadas até chegarmos a uma sala meio escondida no final do corredor.
- Onde você está me levando - falei brincando com um tom de medo.
Ela sorriu.
- Entra aí.
Entrei na sala. Era muito mal iluminada e cheirava a mofo.
- Você ta vendo essas caixas em cima da mesa? Me ajuda a carregá-las.
Aparentemente eram leves, mas com o passar do tempo estavam quase caindo de tão pesadas. Mais difícil ainda era descer as escadas com aquele peso, e as pessoas caminhando como se eu não estivesse ali, parecia até que achavam que poderiam passar por dentro de mim. Quando eu disse "Então derruba", a menina que trombou comigo ainda quis me chamar de "estúpida", vontade de tocar a caixa na cabeça dela não me faltou.
- O carro é perto - disse ela segurando duas chapas de isopor.
- Que bom, porque isso aqui nem ta pesado - falei sem fôlego - O que tem dentro? Corpos?
- Segredo.
Chegamos num corsa branco. Reconheci de cara as duas meninas que estavam se abraçando encostadas no carro. Carol e Má. Logo elas se beijaram, ali, no estacionamento, ao ar livre e todos ao seu redor nem fizeram cara de espanto ou coisa parecida. Realmente não estava mas na minha cidade. Respirei aliviada, senti um gosto de liberdade.
Antes de chegarmos perguntei:
- Elas são namoradas?
- Por quê? Na sua cidade não existe isso? - disse ela rindo, me olhando aguardando a minha resposta.
Arqueei minha sobrancelha e apenas devolvi um sorriso pra ela.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Dia vazio.

Quinta-feira passou e eu nem vi. As únicas coisas de interessante foram: descobrir que meu violão fora quebrado com a viagem e que eles não se responsabilizavam por isso, que o guarda-roupa cabia no quarto, mas precisaria escolher entre a escrivaninha ou a estante para deixar no quarto, o restante seria colocado não sei onde, que o Rogério estava acertando as últimas coisas com a imobiliária e que então eu não precisaria mais ir para lá na sexta, logo estaria com o meu final de semana livre. Ah! claro, outro acontecimento de quinta, e este até vale a pena reproduzi-lo.
Estava eu entrando na sala, quando a gangue do mal, dessa vez só os meninos me chamaram.
- A ham! Agora sabemos onde você está tendo aulas - disse o Magrelo.
- E temos mais surpresas para você - completou o Paulinho. Às vezes penso que eles decoram as frases para falar.
- Qual é a boa de hoje pessoal? - perguntei já conformada.
- Ta vendo esse balde e essa vassoura? - perguntou Paulinho.
- Então, você vindo do interior, deve estar se sentindo sozinha, abandonada. Eles vão lhe fazer companhia durante o dia de hoje.
- O que? - perguntei sem entender ou querendo não entender.
- É isso aí Manu, se é que eu posso lhe chamar de Manu - disse o Magrelo - pega o balde e a vassoura. Mas cuidado pra não derramar a água de dentro. Estamos de olho, hein?
Além de uma vassoura, o balde ainda tinha água até a borda.
- Vocês são osso, hein?
Sentei-me na primeira classe que estava livre. Quando a loira, meio punk/rock passou por mim, novamente atrasada, apenas me olhou e sorriu. Ela me lembrava alguém.

terça-feira, 17 de março de 2009

Primeira aula. Segundo trote.

Desculpem-me os ambientalistas e meu falecido pai, mas fiquei 30 minutos embaixo do chuveiro tentando tirar a sujeira e o cheiro de ovo que a "ganguezinha do mal" havia me deixado.
Entrando no quarto percebi que um pouco do cheiro ruim ainda permanecia. Coloquei minha blusa direto no lixo e a calça lavei no chuveiro mesmo.
Embaixo da porta do quarto havia vários flyers de baladas de todos os tipos, inclusive de uma que me parecia GLS.
- Tem de tudo por aqui - disse Débora ao passar por mim na porta, entrando no quarto. - Pelo visto você foi bem recepcionada hoje - rindo ao ver a calça estendida em um varal improvisado.
- Fui - olhei para ela - e como foi a sua aula? - disse, mas logo me arrependendo, provavelmente ela iria ficar até a noite contando do seu dia. E contou. Quarta-feira chegara rapidamente. Muitos na faculdade já estavam com clima para balada, rindo alto, se divertindo com os alunos que erravam suas salas, com os trotes dos outros bixos, havia um menino que estava vestindo apenas um biquíni rosa choque.
Entrei na minha sala, após confirmar o número 5 vezes. Não tinha muita gente ainda, desta vez decidi que não chegaria atrasada. Faltavam 15 minutos ainda para a aula começar. Sentei lá no fundo ao lado da grande janela que deixavam alguns raios tímidos de sol iluminarem o ambiente, tornando-o confortável. Em 10 minutos a sala ficara cheia de gente. Eis outro indício de calouros, sempre querendo chegar na hora certa. A professora, muito baixa e corpulenta demorou cerca de 20 minutos para se apresentar, contando desde a hora da chegada até que pronunciara a primeira palavra. Quando começara a falar, entrou uma menina pela sala pedindo desculpas por interromper. Era alta, talvez minha altura. Loira, muito magra, vestida com um bermudão xadrez largo, e uma blusa rasgada na gola, com uma estampa do Che Guevara. Com um All Star preto de meio cano, subiu as escadinhas da sala e como quase todos os lugares já estavam ocupados, sentou-se na classe na minha frente. A aula transcorreu normalmente, mas parecia que se passavam horas. A professora, me parecia ser muito gente boa, mas muito devagar. Todos seus movimentos eram feitos lentamente. Seus comentários, suas pausas duravam horas. Nem acreditei quando chegou o intervalo. Primeiro intervalo como universitária. Estava tremendamente feliz com essa situação. Nem acreditava que depois de tanto estudo estava ali, na federal, morando em uma republica, sozinha. Esta solidão não me era ruim. Era uma solidão de conquista, de independência.
Estava começando a ficar quente, fevereiro mais parecido com dezembro. Comprei um chá gelado e fui caminhar até o recomeço da aula. Vi dois meninos andando de mãos dadas. Olhei novamente para confirmar o que eu vira. Era o Paulo com um outro rapaz. Mas não era o magrelinho. Era um ainda mais alto que ele, também muito magro mas cheio de piercings espalhados pela sua boca, nariz e orelha. Tentei olhar para o lado para ele não me ver, mas não adiantou. Ao me ver, fez um gesto para o menino que o acompanhava, e deixando-o ali, veio em minha direção.
- Olá senhorita do interior - sorrindo e já me dando um beijo na bochecha - espero que não esteja chateada com a gente.
- Imagina - engoli minha raiva.
- Que bom, porque - olhando para os lados – Maurício veio com tudo hoje.
Maurício? Talvez ele estivesse falando do magrelo.
- Acho melhor você se preparar - e saiu rindo alto ao encontro do rapaz.
Procurei pelos murais, mas não encontrei o cartaz "colorido".
Voltando à sala de aula, uma professora mais baixa ainda estava aguardando os alunos. Apresentou-se como Cíntia. Falou sobre sua matéria, e a conversa durou até o término da aula.
A saída foi tumultuada, me remeteu ao colegial, quando todos saíam correndo pelo corredor, loucos por liberdade.
Sai ainda olhando para os lados, tentando ver se a japonesinha e os meninos estavam por perto. Respirando aliviada, fui em direção ao meu quarto, para poder esperar os caras do frete.
- Psiu - disse alguém.
Virando-me em direção a voz, estremeci. Era a japonesa e sua gangue.
Soltei um 'não' em forma de suspiro.
Paulinho e o Magrelo, cada um de um lado, colocaram seus braços em meu ombro me impedindo de continuar caminhando, enquanto a japonesa se parou na minha frente com uma camiseta em sua mão.
- O que você fez com a camiseta que customizamos para você ontem? - perguntou o Magrelo.
- Você sabe que eu acho que perdi ela? - sorri amarelo.
- Não acredito! Uma obra de arte daquelas. Sorte sua que fizemos outra para você.
Colocaram desajeitadamente ela em mim.
- Então, você deve estar com fome né? - perguntou ela, já com um sorriso no rosto.
- Não, não to não - disse eu já percebendo que boa coisa não ia ser.
- Engraçado, mas nós estamos. E acredita nisso? Não temos um puto no bolso.
- Que pena, eu também não tenho grana pra nada. Inclusive eu tenho que ir, que a minha mudança deve estar chegando logo mais. E é sério.
- Ela está menosprezando nossa fome, japa - disse o Magrelo.
- Não to não pessoal, estou falando sério, minha mudança..
- Ok, você precisa ir pegar sua mudança e nós precisamos comer. Como você nos conhece já, e já sabe que somos muito democráticos, vamos votar. Quem acha que a nossa fome é mais importante, levanta a mão - vendo que os três estavam de mãos erguidas, ainda disse - vencemos, 3 a 1 Manuela.
- E você sabe que nós da comunicação - continuou o Paulinho - devemos ousar em tudo que fazemos, né?
- E para isso, querida - disse o Magrelo - pensamos que você poderia conseguir dinheiro de uma maneira mais.. deixe-me pensar.. Humilde.
Lá vem bomba, pensei.
- Então queridinha, aqui temos, - tirando da mochila- uma canequinha, um óculos de sol, pois você precisa cuidar dos seus olhos, e um sombreiro. Vai a luta filha.
- O que, você quer que eu vá pedir esmolas no farol? - falei eu apavorada.
- No farol? - falou a japonesa - Boa idéia Manuela, ninguém havia falado isso, mas se você prefere assim, nós apoiamos você!
- Não, não, eu fico aqui pelo Campus mesmo.
- Que isso Manuela - falou Paulinho já me levando para a rua - vou lhe contar um segredo, no mundo da comunicação, nunca desperdice uma idéia.
- Bora lá - falou o Magrelo.
- Gente, eu estou falando sério, minha mudança está chegando e se não tiver ninguém para atendê-los? Eu fico dormindo no chão?
- Ah, gatinha, para tudo se da um jeito - falou Paulinho. Ele podia estar sendo um mala comigo, mas eu havia simpatizado com ele.
- Pense Manuela, quanto mais rápido você conseguir a grana, mais rápido acaba nossa fome, mais rápido você vai pra casa.
Fui para o farol pedir dinheiro ainda não acreditando. O chapéu tinha várias coisas penduradas, latas de cerveja, calcinhas, camisinhas, uma meia amarela, um absorvente pintado de vermelho. Eles ficaram me olhando e rindo no outro lado da rua, fazendo sinal para eu ir logo que eles estavam com fome. Queria mandar eles a merda, mas três contra uma era crueldade. O sol estava escaldante. A cada minuto que passava, ficava mais preocupada com o frete. Ninguém queria me ajudar, apenas uma velhinha havia aberto o vidro, mas quando leu minha camiseta e viu as coisas que estavam penduradas no sombreiro, fechou de novo.
Perguntei a eles se o trote já estava bom, estava suando muito e passando mal por causa do calor. Eles disseram que também estavam com calor e a fome ainda continuava.
Já perdendo a paciência quando o sinal fechou novamente, avistei um senhor dirigindo um Pálio azul petróleo. Bati insistentemente na janela até ele abrir.
- Eu sei que o senhor não me conhece, que o senhor pode estar achando que sou uma louca ou que quero lhe roubar. Deve estar com medo das coisas penduradas no meu chapéu, né? Eu também não estou gostando, e ainda lhe digo mais, estou morrendo de calor e de fome. Então pelo amor de Deus me ajuda a sair dessa? Eu preciso de qualquer trocado para dar para os meus colegas que estão me esperando no outro lado da rua, rindo da minha cara neste momento - disparei gritando.
O senhor assustado com a minha investida começou a tossir sem parar.
- Toma minha filha - disse enquanto me entregava uma nota amassada de 5 reais, sem parar de tossir.
- Me esculpe assustar o senhor - disse, mas foi abafado, pois ele fechara o vidro.
Fui correndo em direção a gangue do mal.
- Ó - disse eu entregando o dinheiro - agora chega, que eu vou perder o frete, e vou ser obrigada a ir dormir com um de vocês.
- Se for comigo eu topo - disse o Magrelo rindo compulsivamente.
Chegando no quarto, encontrei com 3 homens que me disseram estar esperando a 20 minutos, e que se eu demorasse mais 1 eu ia perder a viagem.
O restante do dia transcorreu assim, ajudando os caras do frete, e remoendo a raiva dos três chatos que não paravam de me perturbar.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Trotes: cara pintada e mais além.

Novamente acordei atrasada. Desta vez Débora não estava mais no quarto. Suas coisas estavam atiradas pela cama, chão e bidê. E eu que me achava desorganizada.
Cheguei em cima da hora. Fizeram a recepção, desejando um bom ano letivo e todas aquelas coisas de sempre. Na saída do salão esbarrei em uma pessoa. Não reparei quem era até ouvir:
- É esta aqui mesmo - disse a japonesa sem-nome - ela que vai ser pintada.
Eu ainda assustada com o grupo de pessoas que vinha em minha direção fiquei estática.
- Pintar o que? - perguntei com o pouco de voz que saía de mim.
- Aqui Manuela, bixo é pintado, e olha que estamos sendo bonzinhos com você - enquanto um dos meninos que a acompanhava passava o seu dedo grosso de tinta vermelha no meu rosto.
Tentando me esquivar do movimento, seu dedo passou em cima da minha sobrancelha, quase acertando o meu olho.
- É melhor você ficar parada - disse ele rindo, enquanto o resto dos meninos escreviam besteiras na minha blusa. Ok, eu fui esperta colocando uma roupa meio velhinha, ou talvez não esperta o bastante sendo uma vítima de fácil identificação com minhas roupas velhas.
- Mas você nem é do meu curso? - falei já desistindo de tentar me esquivar das várias mãos que vinham em minha direção.
- Eles são - sorriu ela.
- Muito prazer, senhorita - disse um rapaz com um pouco de barba na cara - segundo semestre de Publicidade. Sou o Paulo, mas você pode me chamar de Paulinho, a seu dispor.
- Paulinho, pára de me pintar? - falei em uma tentativa frustrada.
- Paulinho, não caia nos encantos dessa moça - interveio a japonesa - pessoas do interior não tem voz aqui.
- Ela é do interior? - falou outro menino que pintara meu rosto. Este era um pouco mais alto que eu, e vestia uma roupa justíssima. - Você deve tirar ovo de galinha né? - os três riram, o resto do grupo havia se dispersado pegando outras pobres pessoas para pintar e escrever pornografias nas suas roupas - Deve ser expert em ovos, vê se esse é do bom - atirando de uma só vez dois ovos na minha cabeça. Meu cabelo que estava tão cheiroso, agora virara uma papa nojenta.
Passaram por nós um grupo que levava um menino no colo. Vários gritavam "Privada!, Privada!" espero que eles não façam o que eu pensava que iriam fazer.
- Você como um bom bixo deve fazer algumas de nossas vontades - disse a japonesa.
- Que vontades?
Eles riram.
- Você vai ter que beijar o Marcão.
E as risadas ganhavam mais força.
- Quem é o Marcão? - perguntei já me arrependendo,
- Está ali do lado - apontando para um moço 2x2 com uma barba de meio metro.
- Ah minha gente, daí não né? - falei pedindo ajuda a japonesa sem-nome.
- Ela acha que pode escolher pessoal - disse ela - mais ovos para ela aprender que deve obediência a nós. Tocaram farinha também.
Estava prestes a chorar de raiva. Porque fazer trotes? Filhos de uma..
- Não quer beijar? Bebe isso então, como sua punição - oferecendo-me um copo com uma estranha gororoba dentro.
- Vocês só podem estar de brincadeira né? - estava pensado em correr, mas algo me dizia que não seria a melhor alternativa.
- Bebe! Bebe! Bebe! - os três gritavam em único som.
- Preciso saber o que tem dentro.
- Ela quer escolher o que vai dentro! Vê se pode uma coisa dessas.
- Você até pode escolher, mas vai ser entre o Marcão ou esse suquinho natural.
Olhei para o lado em busca de socorro, mas todos que ainda estavam na saída do salão, estavam tendo talvez piores trotes do que eu.
Meu telefone começara a tocar.
- Olha, meu telefone, preciso atender, é importante - disse mostrando a eles. A japonesa foi mais rápida e o pegou da minha mão.
- Eu acho que deveríamos atender, e vocês? - eles responderam que sim.
- Oi. A Manuela está muito ocupada no momento, ela não pode atender. Quem é você? Patrícia? Quem sou eu? Uma amiga dela.
- Quem é Patrícia, perguntou virando-se para mim.
- Ela é só uma amiga que está me ajudando com a mudança - disse com o coração batendo forte. Eu esperando tantas horas pela sua ligação e ela me liga justamente quando esses babacas estavam comigo.
- Ela não pode atender agora, está muito ocupada com.. certas coisas - disse a japonesa rindo com os meninos - Não tem de quê, tchau!
- O que vocês fizeram? - falei ainda tentando me desvencilhar dos braços dos meninos, mas apesar de magros, eles eram mais fortes do que eu - ela vai ficar puta comigo, eu não acredito. Vendo a minha raiva eles me soltaram. - Se vocês querem me pintar, tocar ovo, farinha e qualquer coisa a mais, toquem, mas não ... com ela não pessoal, vocês me meteram em uma confusão sem fim. Agora posso ir embora?
- Ainda tem o suquinho ou o Marcão - disse o menino magro rindo.
- Deixa ela - falou a japonesinha. E quando eu fui sorrir tentando agradecer, ela ainda completou - ela é bixo até o meio do ano. Ainda temos muito tempo pra ela tomar isso aqui. Mas para não ir fora - deixou o líquido viscoso escorrer pelos meus cabelos.
Eu podia bater nela. Quem que ela pensava que era? Nem fazíamos cursos iguais. Ok, não poderia reclamar para ninguém porque os meninos eram. Peguei meu celular e sai bufando de raiva. Estava toda suja com aquela meleca. Entrei no primeiro banheiro que vi. Olhei-me no espelho e não acreditei. Eu parecia um neném recém nascido. Soltei um riso meio nervoso. Estava horrorosa. Lavei minhas mãos e meu rosto. Precisava ligar para Patrícia. Ainda tinha 10 minutos para o horário do seu almoço terminar. Liguei para ela. Chamou, chamou, estava quase desistindo quando ela atendeu.
- Quem que ta falando?
- Ai Pati, desculpa - falei quase chorando tamanha era a minha raiva - hoje foi a recepção aos calouros, pintaram toda a minha roupa e estou cheia de ovo com algumas outras coisas.
- Então era isso? Quem que era aquela menina?
- Não sei - disse enquanto saia do banheiro - me escolheram, fazer o que. Disseram que ainda tem muito tempo para fazer trotes comigo. Desculpa?
- Você não tem culpa - disse ela ríspida - só queria lhe avisar que os móveis vão chegar amanhã às 12:30. Disse essa hora porque você não havia falado nada comigo. Achei que nesse horário você não teria aula.
- Muito obrigada Pati, eu não sei nem como...
- Eu tenho que ir, tchau - desligou o telefone.
Olhei para os lados querendo chorar, as pessoas continuavam em festa, pulando, gritando, pintando tudo e a todos. As lágrimas insistiam em querer cair, até que não consegui mais detê-las e elas escorreram pelo meu rosto fazendo marcas em meio a gosma que ainda estava insistia em permanecer sobre minhas bochechas.