quinta-feira, 30 de abril de 2009

De volta ao passado

Com a janela aberta, me acordei com o sol no meu rosto. Percebi que havia um peso diferente em cima de mim, era a perna direita de Yumi sobre as minhas e o braço direito com a tala estava em cima da minha barriga. Fiquei pensando que horas ela havia se deitado ao meu lado. E jurei que nunca mais beberia novamente, apesar de que se sempre fosse assim, acordando ao lado de uma mulher bonita...
Quando me levantei senti uma pontada forte na cabeça. Fui ao banheiro e ouvi conversas na sala, deveriam ser os pais de Yumi. Mas provavelmente eu não estava apropriadamente arrumada para me apresentar a eles. Escovei meus dentes com pasta e dedo e lavei meu rosto com água gelada. Voltando ao quarto senti o cheiro forte de cerveja pairando pelo ar. Recolhi algumas latinhas que estavam espalhadas pelo quarto. Precisava ir para casa, estava faminta e precisava começar a ler os livros da lista do Professor Olavo, mas sem dinheiro seria difícil chegar. Aproveitando que o computador estava ligado, verifiquei meus e-mails. Nada. Entrei no meu orkut e os recados eram aqueles de mulheres semi-nuas, propagandas e mais propagandas. Só um me chamou atenção, que era do André. "Eii meniinaa. Você não faz idéia de como estão as coisas aqui. Em uma semana que você está fora, várias coisas aconteceram. Sexta que vem eu vou ir praí. Me avise como faço para te encontrar. Bjs srta Manuelita".
Provavelmente os acontecimentos que ele estava se referindo era entre ele e o Beto. Estava impaciente e com uma forte dor de cabeça que ligeiramente me deixava enjoada. Após quase uma hora de espera Carol foi a primeira a acordar. Deitada no chão, me tocou um dos vários ursinhos (sapinhos) que estavam ao seu lado para me chamar.
- Já de pé Manu? Você é acostumada a acordar com as galinhas, né?
- Perdi o sono..
- Que horas já são?
- 12:58 - respondi.
- Daqui a pouco temos que ir, tenho uma trabalho para terça, é muito grande.
- Por mim, a hora que você quiser ir eu vou. E como foi a conversa com a Ma?
- Nem me fale - disse passando as mãos pelos seus cabelos - vocês duas dormiram e eu fiquei até às 4:30 brigando com ela.
- Mas resolveram alguma coisa?
- Nada. Disse que era melhor darmos um tempo, ela aceitou e saiu do MSN me deixando falando sozinha.
- Ah, que chato isso!
- Chata é ela - riu - Eu sei que hoje eu vou para balada, com ou sem ninguém. To precisando espairecer.
- Sei. Nós poderíamos ir lá no tal bar que vocês tanto falaram né? Estou curiosa.
- Pode ser, hoje a festa lá é melhor ainda!
- Opa! Já estão planejando um festa sem mim? - perguntou Yumi enquanto se espreguiçava.
- Você não vai sair com a Jéssica hoje?
- Que sair nada, Carol. Ela está me enrolando para nos encontrarmos.
- Então ela é para ser a sua namorada virtual Danielli? - perguntei não contendo um sorriso.
- Não Manu, já disse que namoro não existe no meu vocabulário! Ela é uma amiga.
Carol e eu rimos.
- Bom, eu tenho que ir nessa Mi, que tenho muita coisa para fazer e ainda quero sair hoje à noite. Vamos Manu?
Fui apresentada rapidamente aos pais de Yumi, enquanto saíamos do apartamento.
Nossa ida até a faculdade foi engraçada, Carol era muito divertida. Não sabia como ela conseguia ser assim depois de ter brigado com a namorada dela. Talvez estivesse querendo fingir que estava tudo bem para não ficar triste. Não era só ela que estava fazendo isso. Eu também estava. Nessa semana procurei não pensar em Patrícia, muitas vezes consegui, mas enquanto falávamos sobre namoro e meninas, lembrei-me dela com mais intensidade. Ela ainda não viera falar comigo, nem André falara nada sobre ela para mim.
Fui o caminho todo em silêncio, me lembrando de como tudo havia começado. De como era bom quando tinha mais do que lembranças de Patrícia.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Um cerveja, duas cervejas, trê-s cer-v-e-jas.

Abri meus olhos não reconhecendo onde estava, mas vi que estava sozinha no quarto e já havia ficado escuro. Peguei meu celular, eram 21:30. Havia uma chamada não atendida. Era a Débora. Então me lembrei que havíamos combinado de almoçarmos juntas. Olhei a hora da chamada, ela tinha ligado às 18h.
- Oi Débora.
- Menina onde você se meteu? Te esperamos até às 14h para almoçar.
- Me desculpe, é que encontrei - Danielli entrou no quarto - encontrei uma amiga e ficamos conversando.
Danielli arrumada já, com os cabelos preto liso soltos, pouca maquiagem, calça jeans, uma sandália rasteira e uma blusa. Ficou me olhando enquanto falava com Débora.
- Ficamos preocupada com você! Não vi você com aqueles dois meninos e a japonesinha de sempre.
- Então, dessa vez me safei do trote - sorri olhando para Danielli.
- Você vem quando? As meninas e eu estávamos pensando em ir para algum barzinho, tomar alguma coisa por aí.
- Eu não sei ainda para onde eu vou - dessa vez Danielli sorriu de volta - to esperando a boa vontade da minha amiga para me levar em casa.
- Se você mudar de idéia me avisa ok?
- Beleza - e virando-se para Danielli fale - Não acredito que dormi aqui.
- Você estava dormindo, eu não ia te acordar.
- E conseguiu arranjar um jeito para eu voltar?
- Sim madame, falei com a Carol, ela vai passar aqui daqui a pouco. A Ma ainda quer tomar banho e se arrumar.
- Que bom - falei mais aliviada.
- E aí, vai querer ir para a festa com a gente?
- Eu topo, mas também não vou poder ir assim né? Estou suada, suja, fedendo.
- Nem se preocupa que a Ma demora horas para se arrumar.
Vendo meu olhar sobre sua blusa perguntou:
- E eu, to bem assim?
- Está ótima! - sorri olhando para o lado. Fazia realmente muito tempo que eu não fazia isso.
- E seus pais já chegaram? - rapidamente ainda falei.
- Chegaram e já saíram. Hoje terá um jantar de uns amigos deles.
- E seu irmão?
- Já saiu para a casa da sua namorada.
- Mas e minha mochila que ficou lá?
- Nossa! Esqueci completamente disso. Mas não se preocupa que segunda eu te devolvo.
Danielli era levemente magra. Seus cabelos passavam um pouco dos ombros. Tinha um certo quê de moleca.
- Essa minha sandália está machucando - disse enquanto tirava-as de seu pé. Me alcança ali, meus tênis. Aonde nós vamos todo mundo vai sem se importar muito com as roupas - sorriu.
- Que bom, até porque não gosto muito de saltos e super vestidos.
- Ah, mas de vez em quando tem que usar né?
- Mas isso não quer dizer que eu goste né?
- Você deve ficar engraçada de salto.
- Por quê?
- Porque você não tem cara de quem usa salto.
Nos 20 minutos que ficamos esperando a Carol ela trocou de roupa 5 vezes, tirando a blusa que não estava passada, a outra que era muito grande e a que ela queria usar mas estava suja. Resultado, ficou com a mesma que saíra do banho. E eu não pude deixar de reparar que seu corpo, ou o pedaço que eu vi dele, pois estava tentando não dar tanto na cara assim, era absolutamente lindo. Ela tinha uma tatuagem que ia do ombro esquerdo até a metade do braço, outra nas costas na altura do umbigo que descia até encostar na sua calcinha. Era um dragão, meio clichê pensei, mas vai saber.
O interfone tocou, era a Carol. Pela expressão do rosto de Danielli alguma coisa ruim acontecera. Ela estava subindo. Danielli foi abrir a porta, enquanto vinham para o quarto ouvi:
- Ela sempre faz esse tipo de coisa, sempre! Eu podia me bater nela, de tanta raiva. Eu não tenho culpa, mas que merda! - gritava Carol. Quando entrou no quarto vi que seus olhos estavam vermelhos, talvez de chorar.
- Eu tenho culpa que aquela filha de uma égua tem 15 anos e porque agora virou modinha ela acha que gosta de meninas e fica se vestindo de Avril Lavigne? Querendo provocar a Maria, só ela que não entende isso, que é só provocação. Briga de primas, e ela cai!
- Calma Carolzinha, calma - dizia Danielli enquanto tentava inutilmente fazê-la parar de andar de um lado para o outro.
- Calma o cacete! Você quer que eu vá lá bater nas duas? Não, né? Então deixa eu falar.
Eu tentava entender o que estava acontecendo e para tentar ajudar fui à cozinha buscar um copo de água.
- Eu não quero água Manu, eu quero bater em alguém - mas em seguida tomou o copo da minha mão e em um só gole esvaziou-o.
- Foi a Adriana de novo?
- Ela, sempre ela e sempre sou eu que me ferro.
- Mas isso já não tinha acabado?
- Essa vez não fico só no papo, ela veio pra cima de mim.
- Carol, eu não to entendendo.
- Foi assim Mi, estávamos lá na casa da mãe da Ma, como fazemos sempre, só que a prima dela tava lá. Eu mal tinha chegado e ela já começou a ficar brava comigo porque a prima dela tava lá, como se eu tivesse alguma culpa nisso. - Sentou-se na cama, suas mãos tremiam. Fiquei em pé do lado de Danielli. Ambas estavam paradas olhando-a sem saber o que fazer.
- O almoço já começou uma merda, a mãe dela percebeu que a Ma estava grossa comigo, perguntou o que aconteceu, ela ficava dizendo que nada. Beleza, até aí era a Ma de sempre. Mas depois do almoço ficamos nós três no quarto da Ma, conversando e olhando tv. A Maria foi se arrumar para sairmos e, a menininha e eu ficamos sozinhas no quarto, ela veio falando que eu estava muito bonita, que fazia tempo que nós não conversávamos, se eu tinha reparado na saia dela, já fazendo uma voltinha na minha frente. A menina não é bonita cara.. Se ainda fosse - nessa hora soltou um sorriso nervoso - mas ela não é. Eu comecei a desconversar, mas ela continuou falando e deitou do meu lado, eu me levantei, perguntei se ela não tinha vergonha na cara, ela disse que não tinha vergonha de nada, filha da mãe - gritou - não tem vergonha de ouvir essas merda de música? E veio querer deitar em cima de mim, eu empurrei ela, ela sorria mais ainda Mi e Manu, eu podia bater nela, por muito pouco. Poxa eu só me ferro por causa dela, e o clima entre a Ma e eu tava tão gostoso antes, tava tudo indo tão bem. Aí ela veio perto de mim de novo, e tentou me beijar, e claro que a Ma tinha que aparecer nessa hora. Sério que me senti na Malhação, só faltou a porra da música do Charlie Brown tocar e aparecer os comerciais. Deu um escândalo muito foda. A Ma começou a gritar, e ao invés de ir tirar satisfação comigo, ela foi pra cima da Adriana, gritando, chamando ela de tudo, e eu tentando separar as duas,e a Ma começava a me dar tapas também, subiu mãe, tia, pai, vô lá pra cima pra ver o que tava acontecendo. Um fiasco, que raiva! - bateu com a mão em cima da cama - que raiva. Hei, Manu, lá na sua terra não tem remédio contra raiva?
Fiquei quieta sem saber se era pra responder ou não. Por sorte não falei nada, ela continuava a falar:
- Um fiasco, um fiasco, já não era mais malhação, era digno de novela das 8. O pessoal acreditou em quem? Na pobre mocinha de 15 anos que foi assediada pela namorada da prima, ou pela namorada da prima que já é maior de idade, que faz curso de louco? Fui expulsa de lá com a ameaça ainda da mãe da menina dizendo que ia me denunciar na polícia, acredita que chegou a esse ponto? Só o pai da Ma que acreditou em mim, quando a mãe da menina veio querer apontar o dedo na minha cara e vir pra cima de mim, o pai da Ma me pegou e me levou para a rua. Disse que só ia me perguntar uma vez o que tinha acontecido, eu expliquei, ele disse que sabia como era a sobrinha dele, todo mundo passava a mão por cima da cabeça dela. Disse que era segredo, mas que ela já viera pra cima dele também, querendo provocá-lo. Ele disse que era por isso que não gostava da irmã da mulher dele. Porque todos paparicavam aquela pivetinha! Quem diria hein Yumi? O véio ficou do meu lado, depois de tudo...
- Mas se ele sabe como é a sobrinha não te estressa, Carol!
Mas a Carol ainda precisava exorcizar mais coisas.
- Mas vocês acreditam numa coisa dessas? Diz Yumi, diz se alguma vez eu dei margem pra qualquer coisa?
- Não..
- Nunca! Nunca Manuela - voltando-se para mim - eu nunca trai ela, apesar dela já ter ficado com uma menina aí, nunca! Deixei de ir em muito show legal, em muita festa por causa dela. É assim, a gente só se foda quando gosta de mulher. Só se fode!
- Carol, não adianta ficar assim agora. Se o pai da Ma sabe, ele vai conseguir desdobrar todo mundo. Sempre foi assim, até ele aceitar vocês, ninguém podia nem tocar no seu nome. Foi ele começar a entender que você virou da família, com direito a passeio no fim do ano.
- E aquelas férias foram ótimas! - sorriu olhando para o nada.
- Então, vamos parar de se estressar né garota?
- Me desculpem meninas, mas eu perdi o clima pra festa. Se eu fosse pra uma agora não ia sobrar nem uma menininha pra contar história - sorriu ela novamente.
- E como você não quer mais confusão, vamos ficar aqui por casa mesmo né?
- Não, eu levo vocês lá, você já esta toda arrumada, toda linda - brincou ela tentando puxar Danielli para perto.
- Eu não me importo, assim nós podemos ficar conversando, tem um mercadinho perto aqui, compramos umas cervejas e fazemos a festa aqui, o que você acha? Ou vai querer ir para casa ficar sozinha pensando besteira? - perguntou Danielli.
- Pode ser - disse Carol ainda triste. - Mas depende da Manu, e aí topa? Se você não topar eu também não topo.
Carol tinha algo muito especial. Seu sorriso era franco, verdadeiro. Seus dentes quadrados e perfeitos o faziam ficar mais radiante ainda. Dizer que Carol era simpática, era pouco.
- Eu topo, tudo pra ninguém ficar sozinha em casa triste - sorri.
- Final de semana que vem nós vamos lá, aí você conhece o bar mais top da cidade. Eu só tenho que ir ao banheiro, daí nós vamos ao mercado - disse, saindo do quarto.
Quando ela entrou no banheiro nos olhamos e ao mesmo tempo rimos.
- Que situação hein? - falei - O que você vai dizer numa hora dessas?
Fomos ao mercado, e após uma árdua discussão sobre qual comprar, compramos um engradado de Skol, falta de dinheiro é fogo. Subindo o elevador meu celular tocou. Era a Luciana. Pensei em não atender, mas as duas estavam me olhando.
- Oi - falei.
- Então você começou a atender os meus telefonemas? Se eu soubesse disso, teria te ligado antes.
- Não faz eu me arrepender por ter atendido.
- Mas continua a mesma.
Fiquei em silêncio.
Entramos no apartamento.
- Eu fiquei sabendo que você está aqui né? E nem me avisou?
- Eu nem fui, o Rogério combinou comigo que vou semana que.. - pensei - que eu vou quando precisar, ele ainda não resolveu tudo.
- Que pena, queria te visitar.
- É..
- Eu estou com saudade, não paro de pensar na nossa despedida.
As meninas ainda estavam me olhando, quando foram colocar a cerveja na geladeira, fui para a sacada que ficava depois da sala. A noite estava quente, nem uma planta se mexia.
- Nós já conversamos sobre isso Lu.. Não vamos começar a brigar de novo, né?
- Eu não me recordo de ter conversado com você sobre isso não.
- Você quer conversar sobre o que então?
- O que eu te fiz pra você me tratar desse jeito? Eu não mordo, nem tenho como te morder pelo telefone - riu baixinho - mas se você estivesse aqui..
- Eu to meio ocupada agora Lu, outro dia nós conversamos...
- Você está sozinha?
- Eu to na casa de uma amiga.
- Já arranjou outra é?
- Lu.. não começa, por favor.
- Eu não falei nada de mais, estou te perguntando, você que está alterada.
- Desculpa Lu. É que eu não sei o que você quer de mim.
- Quero você Manu. Esse mês que ficamos longe.. Foi tão ruim para mim.
- Não deu certo né Lu, e isso não é assunto pra conversarmos pelo telefone...
- Então quando você vier para cá de novo, você vem na minha casa pra nós resolvermos, sim?
Respondi que sim mesmo entendendo o seu "resolvermos".
Entrando no quarto percebi que as duas pararam de falar e ficaram me olhando. Vendo que eu não ia falar nada, voltaram a conversar.
- E a Cássia..., avisou ela que você não vai mais lá?
- Nossa, esqueci completamente falou Yumi pegando o telefone que estava ao lado da cama. Será que Cássia era a sua namorada?
Ficamos conversando sobre a faculdade, sobre futuro, sobre a violência na cidade, enfim sobre tudo. Ou quase tudo, não tocamos em nenhum momento sobre homens ou mulheres, talvez para evitar que a Carol se lembrasse da Maria.
Já passava da meia-noite quando a cerveja gelou. Naquela noite abafada e quente, qualquer coisa gelada cairia bem. Mas como estava sem comer a muitas horas, com os primeiros goles já me sentia mais alegre, e tudo rapidamente a minha volta ficou mais brilhante. Talvez estivesse achado uma boa definição para ficar bêbado, as coisas ficam brilhantes.
Nós três estávamos em um clima de festa, conversando, rindo, falando besteira. Carol nem parecia mais a mesma que chegara há horas atrás chorando de raiva. Danielli já estava de pés descalços, e havia trocado, mais uma vez, a blusa. Colocara uma camiseta do The Strokes, e lá se foram mais meia hora conversando sobre música, clipes, discutindo sobre o que era música boa ou não. Conclusão que chegamos: nunca tente chegar a conclusões depois de tomar cerveja.
Era 1 hora da manhã quando os pais de Yumi chegaram. Ela disse que éramos para esconder as latinhas, crente de que eles não iriam sentir o cheiro. Mas eles nem entraram no quarto, apenas perguntaram do outro lado da porta, se estava tudo bem e se ela não sairia hoje.
- Vocês não estão com fome? Eu estou. Mi arruma lá uma coisa pra nós comermos - disse a Carol.
- Ah, você já é de casa, vai lá pegar.
- Então pede você Manu, já que você ainda não é de casa - riu Carol.
- Não sou? Então porque ela não buscou água para mim hoje à tarde? - perguntei.
- Então ela já te considera de casa, vai lá pegar pra nós Manu.
Ambas já estavam falando mole.
- Eu que vim lá da p. que pariu estudar, deixando meus amigos lá, deixando as pessoas que eu gostava lá, e eu tenho que vir pra cá passar fome? - nessa altura as três riam.
- Você deixou quem que você gostava lá Manu? - perguntou Carol, mas os olhos curiosos de Yumi também estavam sobre mim.
- Meus amigos, oras.
- Só amigos?
A imagem de Patrícia veio em minha mente. Depois do telefonema sobre o frete, não havíamos mais conversado. Queria que ela... Não sei o que queria. Eu sentia apenas que o álcool já estava tomando grandes proporções sobre meu ser. Lembrei de quando saíamos e ela acabava bebendo de mais, queria seguir meu ritmo e sempre dormia no meu ombro. Lembrei de todas as vezes que saímos e que fizemos mil e um esquemas para que seus pais, muito severos, não percebessem nada. Pensei que eu havia deixado sim alguém, mas que não fora pra vir pra faculdade, fora muito antes, quando conheci Lu, ou quando coloquei a culpa em Luciana pelo meu namoro não dar certo com Patrícia. Também já havia colocado a culpa no namoro com a Patrícia, por não darmos certo. Era fácil pra mim, sempre colocava a culpa nos outros, no mundo e não em mim. A verdade era essa, eu não sabia namorar. Eu não queria compromisso, eu não queria nada, mas queria tudo. Esse era meu lema. Minha expressão automaticamente se fechou. Nostalgia. Eu fui uma canalha com a Patrícia. Eu fui uma canalha com a Luciana. E agora. Bem, agora pelo menos eu estava sozinha sem magoar mais ninguém.
- Pelo visto não - riu Dani.
- Eu tava pensando longe mesmo... – mas como sempre fazia, deixei isso pra lá. Não iria pensar mais no que já tinha ido, só no que estava sendo. Era isso, esse seria meu novo lema, o agora. Já que o ontem.. bem, o ontem não voltaria mais, e eu faria questão de que não voltasse.
- Aonde?
Sorri.
- Deixa para lá, eu to com fome - falei indo para a cozinha.
Demorei cerca de 10 minutos para achar a cozinha e mais 5 para localizar o interruptor atrás de um balcão. Quem havia tido essa idéia brilhante?
Abrindo a geladeira não vi nada comestível. Só verdes e mais verdes. Talvez estivessem de dieta. Procurei pelo balcão e vi um pacote de bolachas doce pela metade. Peguei-o e fui para o quarto. Na saída bati na mesa, no armário, na porta, no sofá, na estante da sala, na parede, na porta, até enfim chegar ao quarto.
- Achei isso - e já abri o pacote pegando 4 bolachas de uma só vez - quer Carol?
- Manda.
Comemos aquelas bolachas, mas na verdade ele serviu só para enjoar.
- Você é uma anfitriã maravilhosa, Mi - falou Carol - enquanto suas visitas passam fome, você fica na frente desse computador falando com a Cássia.
Mas ela nem se mexera, continuava a teclar.
- Quem é a Cássia - perguntei.
Carol riu - É a namorada da Mi.
Yumi virou-se rapidamente - Não fale palavrões na minha casa, Carol - e rindo-se continuou - Manu não dê ouvidos a ela, a Cássia é apenas uma amiga.
- Amiga? - e olhando para a Carol - amiga como a Ma e a Carol?
Mas me arrependi de ter falado isso. Carol voltou a ficar com a expressão fechada.
- Desculpa Carol - falei sem jeito.
- Não estressa Manuzinha, não estressa. Eu to ficando brava, pois to com fome, deixa eu ir lá achar alguma coisa para comermos, Manu, pois se ficarmos esperando pela Danielli Yumi, todo mundo morre de fome.
Acompanhei-a até a cozinha. Dessa vez foi mais fácil ir até lá. Surpreendi-me com a rapidez com que Carol acendeu a luz. Realmente o álcool tem poderes mágicos. Estava na hora de parar com a bebida, pensei.
- Então Manu, o que você fazia da vida antes de vir para cá? - perguntou Carol abrindo a geladeira.
- Depois do cursinho, vejamos. Nada? - ri alto.
Yumi gritou do quarto que era pra cuidar com o barulho. Muito esperta ela.
- Nada?
- Nada. E você?
- Calma, ainda estamos falando de você - e revirando a geladeira exclamou - não tem nada comestível aqui! Já sei, é que o irmão dela está de dieta, então todos resolveram encarar junto.
- E quem paga o pato somos nós, as visitas desavisadas.
- Mas aqui tem tele-entrega, conhece? - riu Carol - Você gosta de pizza?
- Quem não gosta?
- Vamos chamar então - falou encostando-se no balcão e virando para mim.
- Vamos, mas eu não tenho grana nenhuma aqui. To desde aquela hora lá na faculdade que nos vimos aqui.
- Não acredito que a Yumi fez isso com você?
E riu durante 1 minuto.
- O que você está rindo?
- Ela é assim sempre assim. Quer dizer, quase sempre.
- Assim como?
- Ah, deixa para lá Manuzinha, você é muito nova para isso.
- Agora você vai falar.
- Outro dia. - e ficou olhando para mim, mas sentia que seu pensamento estava em outro lugar.
- Você ta triste né?
- Estou.. Não sei, sinto um vazio, porque nós estamos namorando há tanto tempo, faz quase 3 anos.
- Nossa, tudo isso?
- Sim, e ela nunca acreditou em mim, nunca confiou.
- E porque você ainda está com ela?
- Porque eu gosto dela Manu, gosto muito.
- Mas namorar sem confiar?
- É.. Você não deve entender - riu ela.
Apenas fitei-a.
- Ou entende?
- Entende o que? Em uma relação, independente de como o casal seja, hetero ou não, precisa de confiança. Eu penso assim.
- Então você já namorou?
- No "interior" meninas já podem namorar antes do casamento, sabia?
Eu ri.
- E agora, ta namorando ainda?
Ri novamente.
- Deus me livre! To fora dessa.
- Nossa, o namoro foi tão ruim assim?
- Digamos que não terminou da melhor forma possível. Mas não vamos falar sobre mim, né? Essa pizza, sai ou não sai?
Fomos para o quarto e enquanto esperávamos Yumi chamar a pizza ficamos conversando sem parar sentadas na cama.
- Ela é a namorada da Mi - falou Carol vendo que Yumi ainda não havia ligado para a tele-entrega, pegando o telefone.
- Já disse para não falar em namorada, Deus me livre.
- Ela tem medo de namorar, acredita Manu? Depois que...
- Nem me venha falar sobre isso Carol, você é mala pra caramba né?
Em cerca de 30 minutos a pizza chegara.
- Ela namorou durante uns 7 meses eu acho - falou Carol com a boca cheia.
- 5 - falou Yumi.
- 5 meses - continuou Carol - e era um saco porque ela estava proibida de sair com a gente.
- Pelo menos eu dei fim àquela bagaça né? Você que ainda não teve coragem pra terminar com a Ma.
Começaram uma leve discussão, mas rapidamente já estavam rindo.
- Ela - apontou para a Yumi - ficou traumatizada com namoros.
Minha visão já estava embaçada, era o sinal de que se tivesse "mais um copo" coisa boa não daria.
- É Manu, se a Carol te disse pra não se envolver com mulheres, te digo, nunca se envolva com homens!
Me desapontei, então ela namorava com um cara?
- Carol, a Ma entrou no MSN, ela quer falar com você - e olhando para o último pedaço de pizza gritou - hei suas comilonas, não deixaram quase nada para mim? Egoístas!! - Deixando a Carol sentar em frente ao computador.
Me estiquei na cama me espreguiçando. Meus olhos de repente ficaram pesadíssimos.
- Hei Manu, você não acha que vai dormir na minha cama, né?
- Você quer que eu durma onde? - já com os olhos fechados.
- Tem um colchão no quarto do meu irmão, pega lá.
- Pega você - falei quase dormindo.
Ela tentou me sacudir.
- Manu eu estou com o braço machucado..
- E eu estou cansada de ficar carregando caixas pra cima e pra baixo.
Mas a última coisa que ela disse quase não foi ouvida. Tudo a minha volta girava, mas tão logo começou, parou e adormeci.