terça-feira, 30 de junho de 2009

Começo do fim

Os pais de Patrícia tiravam uma sesta no seu quarto. O irmão dela havia saído para jogar fliperama no centro da pequena praia. Estávamos enfim sozinhas no seu quarto. Eu deitada no beliche de cima e ela no de baixo. Patrícia saiu do quarto, voltou em cerca de 5 minutos sorrindo. Passou pela porta e a trancou.
- Desce aqui - falou deitando-se na cama de baixo novamente.
Deitei ao seu lado.
- Estamos sozinhas - me beijou. Colocou sua mão debaixo da minha blusa, encostando na minha barriga. Me arrepiei.
- Eu queria perguntar uma coisa para você... - disse me dando mais um beijo.
- Pergunta depois - me virei ficando em cima dela. Beijei seu pescoço, descendo pelo seu colo.
- Vem cá - segurou levemente minha cabeça fazendo com que nossos olhos ficassem na mesma altura - É sério, queria muito falar com você.
- Não pode ser depois - dei um beijo longo em sua boca, segurando suas mãos que tentavam me impedir. Olhei-a nos olhos. Ela sorriu mordendo o canto da boca.
- Ta bom, fala - me deitei novamente ao seu lado.
Ela escorou sua cabeça na sua mão esquerda. Passou sua mão direita sobre meu rosto, minha boca.
- Eu gosto muito de você Manu - me deu mais um beijo.
- Eu também gosto de você, era isso? - perguntei enquanto ficava por cima dela novamente.
Ela riu passando suas mãos em volta da minha cintura me abraçando.
- A gente já ta ficando a bastante tempo né?!
- Sim - respondi já imaginando qual seria sua próxima frase. Provavelmente ela gostaria de ter um relacionamento mais sério. Não que o nosso não fosse, mas algo com pelo menos um nome. Queria talvez falar para mais pessoas que estávamos juntas, o único que sabia era o André. Mas só de pensar em firmar um relacionamento sentia calafrios estranhos, um medo e uma vontade de fugir. Não gostava da idéia de ficar presa a alguém, mesmo que esse alguém fosse a Patrícia, única pessoa do mundo em que eu confiava plenamente.
- Eu gosto de mais disso tudo que a gente tem - falou com seus olhos brilhando.
- Eu também gosto do jeito que as coisas estão agora - frisei o "agora".
Ela concordou com a cabeça. Ficou alguns instantes em silêncio. Percebia em seus olhos que ela queria falar alguma coisa, que estava tentando achar algum jeito de colocar tudo que tinha em mente para fora. Eu conhecia Patrícia. Sentia em sua expressão que seus pensamentos estavam a mil.
- Fala o que você quer falar linda, estou aqui - falei me arrependendo um pouco. Talvez eu não gostaria de ouvir o que ela tinha para falar. Se é que ela iria me pedir em namoro. Fazia dias que ela tocava nesse assunto, perguntava o que eu achava disso, me contava que não sei quem estava namorando. Um dia chegara a colocar o "também" depois de dizer que Rafaela e o Nando estavam namorando. Eu fingi não perceber nada. Não queria passar por isso, ter que me comprometer. A palavra comprometimento me dava náuseas. Eu não queria ficar com outras pessoas, mas só de pensar em ficar só com uma pessoa para sempre me angustiava. Eu gostava de ser livre, e gostava de ficar com ela quando sentia vontade. Tudo bem que desde que voltei do Rio tive vontade de ficar com ela todos os dias, mas em pensar que eu "deveria" ficar com ela pois ela era minha namorada me dava vontade de não ficar. Talvez ela tivesse percebido que eu estava pensando nisso, pois tentou cortar meus pensamentos falando um pouco devagar, como se medisse cada palavra que dizia.
- Falei com o André esses dias..
- Sobre o que vocês falaram?
- Sobre um monte de coisas, sobre eu e você.
- Sobre nós duas, porque?
- Perguntou se estávamos namorando.. - seus olhos encaravam agora a janela. Os pingos de chuva batiam forte contra o vidro. De vez em quando ouvia-se barulho de trovões. Ela esperou terminar o estrondo que vinha dos céus para continuar a falar. Percebi que no meio do estampido tentava acalmar seu coração.
- E eu não soube o que responder.
- A gente está juntas, não está? É isso que importa, ter o que a gente tem - sorri tentando persuadí-la de que isso só bastava.
- E o que a gente tem? - perguntou voltando-se enfim para mim.
- Isso - beijei-a com vontade. Quando abri os olhos vi que os seus permaneceram fechados por mais alguns segundos e sua boca revelava um sorriso.
- E o que é isso que a gente tem?
Tentei beijá-la novamente, mas ela segurou minha boca gentilmente.
- Não sei, isso é realmente importante? Dar nome as coisas?
- Você acha que não? Nem a gente sabe o que a gente tem... - seu semblante mostrava uma leve tristeza.
- Mas a gente tem uma coisa mágica, algo surreal, pós-perfeito. É isso que a gente tem. Desde quando voltei não teve um dia que a gente não se falou, que não ficamos juntas de alguma maneira.
- E que nome você dá pra isso? - ela insistia em dar nome aos bois.
- Amor? - sorri carinhosamente para ela. Ela retribuiu o sorriso.
- Também, mas quando as pessoas se amam.. elas..
- Elas se beijam - tentei novamente uma investida. Ela manteve sua mão em frente da minha boca, impedindo-a que a beijasse.
- Mas além disso elas..
- Elas?
- Elas têm compromissos, fazem sabe.. Essas coisas que pessoas normais fazem.
- Mas a gente faz tudo que as pessoas normais fazem Pati..
- Às vezes parece que não.
- Onde você quer chegar com isso?
- Não sei Manu..
Fiquei em silêncio, deitei novamente ao seu lado. Ambas olhavam para o estrado da cama de cima.
Patrícia tentava puxar uma felpa de madeira que não queria sair - Sabe, quando o André me perguntou se.. - fez uma pausa de alguns segundos, focou seus olhos apenas na felpa - se a gente tava.. sabe, namorando - seu rosto ficou levemente corado, continuou puxando a felpa - eu não soube o que responder.
Desta vez deixei-a falar. Ela queria namorar. Bem, ela queria travar compromisso sério, para ela aquilo que nós tínhamos não bastava. Bem coisa de mulher, pensei. André bem que havia me advertido que seria assim. Disse que via suas outras amigas lésbicas que namoravam, elas sempre queriam casar, mudar uma para o apartamento da outra, em menos de três meses já queriam comprar um cachorro e adotar uma criança. Ele dizia que nós éramos homens em corpo de mulheres, porque ainda não usávamos um anel de compromisso ou alguma outra coisa que simbolizasse um relacionamento monogâmico.
Resolvi falar - É, a gente não ta namorando... - falei em um tom que nem eu entendi.
- Não estamos - disse Patrícia com uma voz mais fraquinha.
- E qual o problema disso, a gente continua se gostando, continua se vendo sempre que podemos, eu não fico com ninguém - nesse momento senti uma pontada no coração, não havia contado que havia ficado com aquela menina no Rio - você também não fica com ninguém. Não sei que diferença faz dizer que isso é namoro ou não.
- É, vai ver que não faz mesmo.. - falou conseguindo enfim retirar a felpa da madeira.
Voltou-se para mim. - Pra você não faz diferença isso né?
- Não, eu continuo apaixonada por você - sorri abrançando-a. Deitei minha cabeça no seu colo.
- Mas eu também sou apaixonada por você.. É por isso que eu penso nessas coisas.
- Que coisas?
- Namorar..
Meu coração deu um pulo. Não sabia de onde viera aquela repulsão pela palavra namoro, mas eu sentia. Permaneci em silêncio. Sabia que qualquer coisa que eu dissesse poderia se voltar contra mim mesma.
- Manu.. Eu andei pensando, eu gosto muito de você, eu gosto muito de ficar com você. Eu sou louca por você.
- Eu também sou, você sabe disso.. Não sei qual é o problema disso - sorri suspirando.
- O problema é que.. Eu quero mais do que isso com você, não quero ser só uma amiga sua que você fica.
- Mas você sabe que não é só uma amiga com quem eu fico.
- Então eu sou o que?
- Você é a menina mais linda que eu conheço.
Ela fez que não com a cabeça. Acho que ela estava começando a perceber que eu havia entendido o que ela queria dizer e que não estava querendo parecer que sim.
- Manu, eu quero perguntar uma coisa.. Na verdade te pedir uma coisa. - respirou forte. Pareceu que sua respiração dera mais vigor a ela, pois falou com mais força que antes, com mais convicção e coragem.
- Manu.
- Fala..
- Quer namorar comigo?
Por sorte, daquela posição em que estávamos, eu com a cabeça escorada no seu colo olhando para baixo, ela não conseguiu enxergar minha cara de horror. Eu sabia que algum dia esse momento chegaria e eu precisaria responder alguma coisa. Qualquer coisa, mas deveria pronunciar alguma palavra. Mas não saia nada. Fiquei um longo tempo em silêncio. Como dizer para ela que eu não gostava dessa idéia de compromisso, e que assim como estávamos já bastava para mim sem magoá-la? Imaginei quanto tempo ela já não estava se preparando para me perguntar aquilo, mesmo ouvindo minhas respostas e sabendo da minha repulsa por relacionamentos. Ela tomara coragem e havia feito o pedido. Eu não queria perder aquela menina, eu gostava de ficar só com ela. Mas namorar parecia infringir meus direitos de liberdade, de um ser único. Parecia que seríamos obrigadas a ser duas pessoas em uma só. Não era isso que significava namorar? Aliás o que seria namorar se não era aquilo que tínhamos, então para que precisávamos dizer, com todas as vogais e consoantes que estávamos namorando? Mas eu tinha que responder aquilo, e precisava ser "sim". O não estava fora de cogitação, porque isso significaria magoá-la, significaria perdê-la por uma bobagem. Mas será que meu jeito de ser era uma bobagem a ser passada por cima? Meu pai já havia dito que sempre que eu acreditasse em alguma coisa eu deveria lutar por ela.
Eu não acreditava em namoros. Meu pai morrera acreditando que poderia salvar o mundo com suas próprias mãos. Sua ong ainda existia, talvez já tinham em seu histórico algumas dezenas de miliares de hectares salvos sem desmatamento. Mas ele estava morto, impossibilitado de ver tudo isso. Ou eu morria ou eu vivia, essa era a questão. E eu não queria morrer, não naquele momento em que cada dia que passava descobria mais coisas com Patrícia, sensações que nunca havia sentido antes, nem mesmo sozinha. E eu não estava disposta a morrer. E se para isso eu precisasse aceitar seu pedido mesmo sem acreditar nele, então eu o faria. Mesmo que para mim soasse como uma prisão, como algo contra a minha natureza, contra todas as minhas crenças que namoro só servia para estragar as pessoas. Que se prender com outra pessoa era assinar o óbito de qualquer relacionamento pré-existente. Mas eu queria viver, então já havia feito minha opção. Eu que arcasse com ela.
- Quero - falei ainda sem olhar nos seus olhos. Ela me abraçou, passamos o resto do dia namorando na cama. Me senti pela segunda vez uma cafageste com ela. A primeira fora quando fiquei com Cátia no Rio, agora aceitando algo sem certeza nenhuma de que isso era a coisa certa a se fazer.
Podia ter sido incerta a minha resposta, mas Patrícia havia ficado feliz. Era isso que importava, ela feliz me deixava feliz e me fazia esquecer os problemas que poderiam aparecer com esse acerto de compromisso. Mas isso ficaria para depois. O que mais me importava naquele instante era conseguir tirar o shorts que Patrícia insistia em mantê-lo no corpo.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Pensando bem...

Passei o primeiro dia inteiro pensando nas coisas que Déia havia me falado. Talvez eu devesse desencanar mesmo de Yumi. Mas perai, eu estava encanada por causa dela?
Sim, era fato que eu gostava muito dela, mas ela era minha amiga, certo? Só na quinta vez que me fiz essa pergunta, respondi com um pouco mais de convicção que ela era só minha amiga.
Só era uma amiga linda, que tinha um perfume viciante, um jeitinho de olhar para as pessoas com os olhinhos puxados e o cabelo caindo sobre o rosto que encantava qualquer um. Mas era isso, ela era minha amiga. Uma amiga linda e ponto.
E ela já havia esquecido que a gente quase havia se beijado. Talvez estivesse fazendo de conta que aquilo realmente não aconteceu, porque nunca havia tocado no assunto. Aliás, aquela noite para nós duas parecia que não havia acontecido. Talvez eu tivesse alucinado que a gente quase se beijou, comecei a acreditar que sim. Talvez fosse melhor assim. Afinal Jéssica estaria chegando no outro dia, enfim elas iriam se conhecer e se Yumi fosse mesmo lésbica, elas iriam ficar juntas e serem felizes para sempre. Era assim que era pra ser e eu não ia desfazer nada.
Então eu que aproveitasse minha vida. Seguisse o que Renata e Déia haviam me falado. Estávamos só Rê e eu na sala, cada uma atirada em um sofá. Leo, Paulinho, Carol e Má, se enfurnaram dentro de seus respectivos quartos. Déia e Yumi haviam ido ao mercado comprar comida, havíamos esquecido só desse pequeno detalhe.
Olhei com um pouco mais de atenção para Renata.
Ela estava deitada de barriga para cima jogando no seu PSP. Ela às vezes mordia a língua de uma maneira engraçada enquanto jogava. Ela tinha algumas sardinhas na cara. Seu olho era muito azul e seu cabelo muito liso e loiro. Era curtinho, muito lésbico, como ela mesma dizia. Ela era mais alta que eu mas parecia ser menor de tão magra que era. Sempre usava umas roupas meio pretas de mais, rock de mais, punk de mais. Hoje estava com um jeans rasgado nos joelhos, uma camiseta preta do ramones (a de sempre - me lembrei de Patrícia) e um moletom preto muito desbotado. A camiseta contrastava com sua barriga que timidamente aparecia conforme ela se mexia. Ela era bonita. Uma beleza diferente do que sempre estivemos acostumadas a ver em revistas e na televisão. Ela tinha um piercing ao lado da boca. Sua imagem soava um pouco agressiva talvez. Mas talvez esse fosse seu objetivo com tantos brincos na orelha e sua tatuagem em todo o braço direito e metade das costas. Usava um piercing no nariz também, uma argolinha preta que combinava com o da boca. Sua mão era muito magra e comprida, revelavam suas unhas curtinhas de tanto roer. Na mão direita haviam quatro anéis e no seu pulso a tão amada tatuagem de duas baquetas. Voltei meus olhos para o seu rosto. Sua boca era fina. Mais fina que a de Yumi. Mas não era feia, ela combinava com os traços finos de seu rosto. Seu nariz era tão fino que parecia desenho de mangá. Sim, ela parecia um mangá na vida real. Seus olhos azuis eram muito grandes. Talvez não fossem tão grandes assim, eu que estava acostumada com os olhinhos puxados de Yumi. Porque inferno eu não parava de pensar na Yumi, que saco! Suspirei um pouco alto de mais.
Ela se virou para mim ainda deitada.
- Que foi? - sorriu.
Seus dentes eram pequenos e quadradinhos. Combinavam com o seu rosto.
- Nada, tava pensando - falei me sentando no sofá.
- Pensando no que? - ela também sentara no seu sofá.
- Em um monte de coisas...
- Que coisas - largou o PSP de lado, dando toda sua atenção a mim.
- Nas coisas que vocês falaram, sei lá, um monte de coisas.
- Vocês quem?
- Você, eu quis dizer, o que você me disse sobre a - olhei para os lados para me assegurar que estávamos sozinhas - Yumi e afins.
- Ah - fez uma cara um pouco triste.
- O que você está jogando? - tentei mudar de assunto.
- Final Fantasy, não sei se você conhece.
- Claro que conheço, mas nunca vi alguém jogando no PSP - falei erguendo os ombros.
- Quer ver? - falou ela inclinando seu rosto para o lado me olhando com um estranho brilho nos olhos. - Senta aqui - apontou para o assento ao seu lado.
Sentei à sua direita.
Ela passou seu braço direito por cima do meu ombro, quase me abraçando. Com a outra mão pegou o PSP segurando-o com as duas mãos na minha frente. Meu corpo todo ficou encostado no dela e seu rosto ao lado do meu. Ficou jogando algum tempo assim, grudada em mim. Eu estática. Não sei também, enfim pensei, era bom ficar perto dela, sentindo seu calor em mim. Era inverno (que desculpinha...). Renata não era um bixo nem um monstro. Era uma menina. Não uma menina como Yumi, mas era uma menina. Às vezes ela fazia alguma cagada no jogo e ríamos, seu nariz encostava na minha bochecha. Tentei não olhar para ela pois naquela distância isso significaria um beijo.
O seu beijo não era ruim, era bom. Era diferente. Muito diferente de Patrícia ou de Luciana. Mas era um beijo comum. Me causava sensações boas sim, eu sou um ser humano afinal. Sou física também. Sinto as coisas. Tenho tato, tenho minhas necessidades. Ela respirava às vezes perto de mais do meu ouvido. Fechei por alguns segundos meus olhos, enfim que eu me deixasse levar um pouco. Estava muito presa a essa minha amizade por Yumi. Talvez devesse deixar isso para lá. A Jéssica estaria chegando no outro dia, por certo teria a minha certeza que queria ouvir a tanto tempo, Yumi de fato era gay. O que significaria também, ver as duas ficarem na minha frente. Aquilo estranhamente me deixava triste e com raiva.
Renata me cutucou largando o PSP no meu colo.
- Psiu - senti seus olhos sobre mim. Eu ainda olhava para frente. - Pare de ficar pensando nas coisas - senti seu sorriso com o canto do olho. - Apenas sinta essas coisas.
Passou sua mão delicadamente sobre meu rosto, fazendo eu me virar para ela. Com o braço e sua mão direita puxou o meu corpo mais para perto dela. Aproximou seus lábios dos meus. Senti seu hálito quente sobre meus lábios. Sua língua invadiu minha boca, que logo encontrou minha língua.
Foi um beijo calmo, mas muito gostoso. Ele tinha uma certa ternura. Sua mão esquerda acariciava meu rosto. Me virei toda para ela. Passei minha mão direita sobre sua cintura, puxando-a contra mim. Desci minha mão sobre sua perna. Sua coxa era muito fina, não parecia nem de longe com a de Patrícia. Porque estava lembrando de Patrícia naquele momento? Talvez fosse porque no caminho para casa de Carol havíamos passado pela entrada da praia onde os pais de Patrícia iam. Eles tinham uma pequena casinha lá. Fora lá que começamos a namorar, fora lá que naquele dia chuvoso Patrícia, depois de muito enrolar, me pediu em namoro, e que tudo começou a desandar.

sábado, 27 de junho de 2009

Só pra constar

- Eu queria era um pretexto para falar com você sozinha. O que ta acontecendo entre você e a Renata?
- Nada, oras - falei desviando o olhar.
- O que aconteceu entre vocês que você nem ela me contaram?
- Não aconteceu nada ué?! Da onde você tirou isso?
- Foi lá na casa do Maurício né? Claro que foi, como eu não tinha percebido isso antes?! Sou uma lerda mesmo, vocês duas sumiram durante um tempão, fala a verdade Manu, sou sua amiga.
- Ta, a gente ficou - falei sem grande animação.
- Ahh - fez cara de brava - então sua vaca você não me conta um negócio desses?
- É porque não foi nada de mais.
- Bem que eu percebi que Renata está falando de mais em você - Déia parecia ignorar o que eu falava.
- Não foi nada de mais Déia, sério.
- Vou dar um jeito de fazer com que vocês duas durmam juntas ta?
- Déia - segurei-a pelos ombros - não foi nada de mais, você sabe que eu não gosto dela. Não desse jeito.
- Ai, é a Yumi né? Você e esse amor platônico por ela, larga de ser tão besta e vai curtir com outras pessoas. Você precisa de sexo de verdade, não é possível!
Apenas ri.
- Não gosto da Yumi, não sei de onde você tira essas idéias malucas.
- Não gosta?
- Não - desviei novamente o olhar. Claro que gostava, gostava como amiga e outra, Jéssica estaria chegando na praia amanhã à noite, não haveria motivos para que eu fizesse qualquer coisa com Yumi.
- Então o que impede você de fazer qualquer coisa com Renata?
- Ela é minha amiga, assim como você!
- Eu já fiquei com ela se você quer saber, e ela continua sendo minha amiga.
- Já ficou?
- Claro né? Ela é linda, ela tem um charme todo especial, não resisti - falou sorrindo corando levemente.
- Então, também continuo amiga dela, não quero que ela pense coisas erradas a nosso respeito.
- Pode ter certeza de que ela não quer namorar com você, acho que só deve ter gostado de ficar com você. Também não me admira muito, você também é linda.
- Pára de bobagem - empurrei-a gentilmente.
- Você é linda sim, não sei porque dá tanto valor pra essa Yumi, se pelo menos você tivesse dito pra ela que ta afim dela, tudo bem, agora ficar perdendo tempo imagindo como seria se um dia vocês ficassem, e ficar perdendo oportunidade de ficar e encontrar outras pessoas por aí.
- Foi isso que a Rê me falou.
- Então menina, aproveita que a Rê é gente fina pra caramba. Não custa nada e faz bem para a pele fazer sexo de vez enquando, só para variar.
Voltamos para a casa rindo alto.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

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Não(sim)

A casa por dentro era maior do que parecia. A esquerda ficava uma sala enorme, com sofás rústicos cor de ferrugem, com uma televisão que ocupava um terço da parede, havia uma mesinha de centro enfeitada com uma caixinha que suspeitei ser de colocar cartas. Praia sem truco não é praia. A direita mais para o fundo ficava a cozinha. Tinha uma mesa enorme onde várias pessoas poderiam comer. Uma geladeira que com certeza caberiam todos nossos milhares de litros de cerveja para congelar. Havia uma escada feita de madeira que subia para o segundo andar. Avistei ainda no térreo um banheiro, que por cima percebi ser muito bem decorado.
- Subam por aqui - disse Carol passando por mim carregando três mochilas ao mesmo tempo - Temos quatro quartos, vocês se viram dividindo como fica melhor. Eu vou pra este - apontou para o do fundo a direita - com a minha mulher. Neste momento Má soltou seu primeiro sorriso do dia.
- Acho bom o Leo e o Paulinho ficarem nesse outro, em frente ao meu que tem cama de casal. Os outros tem beliche e colchões. Fiquem a vontade que eu vou namorar. Fez uma cara de safada que Má não havia visto e empurrou-a gentilmente para dentro do quarto, fechando a porta. Ouvi o clic da chave girando na fechadura. O quarto ao lado do de Carol era muito pequeno, havia um beliche e um enorme guarda-roupas.
Antes que alguém abrisse a boca, Luiz soltou.
- Como eu conheço a Carol a mais tempo, eu dormirei aqui. Tenho direito de escolher - falou sorrindo simpaticamente para todos.
- Já que é para segregar eu vou junto com você - falou Maurício piscando maliciosamente para mim.
No quarto que havia sobrado para as 4 meninas havia um único beliche, um colchão de casal e um colchão de solteiro no chão ao lado. Mais nenhuma cama.
- Eu durmo em cima - falou Déia subindo em cima da cama. Ergueu as mãos em gesto de vitória.
- Podemos colocar um colchão de casal no chão e duas dormem aqui - apontou para a pilha de colchões - e outra dorme na cama de baixo - concluiu Renata.
Quem dormiria na cama de casal?
- Eu durmo no chão, não tenho problemas com isso - falei dando com os ombros.
Vi que Renata já havia aberto a boca, mas Yumi falou primeiro.
- Não posso dormir embaixo no beliche, tenho rinite, vou passar o tempo inteiro espirrando - sorriu.
Renata fechou um pouco a cara, mas disse por fim - Ta eu durmo embaixo então.
Déia me olhou estranhamente, fazendo um gesto que não identifiquei.
Então teria que dividir a cama com Yumi? Isso era tortura de mais para uma pessoa só. Mas dividir uma cama com Renata era confusão na certa, porque percebi que suas intensões eram bem mais fortes do que eu estava pensando, quando ela depois de nos acomodarmos colocando as roupas no armário me puxou para um canto.
- Rinite é? - sorriu maldosamente.
- Ué, vai saber - olhei-a nos olhos.
- Eu ainda não desisti de dar mais um beijo em você, sem Yumi aparecer para atrapalhar - falou se aproximando de mim. Me encurralou contra o balcão da cozinha.
Déia acabara de descer as escadas falando. Nem percebera o que estava acontecendo. Me desvencilhei de Renata.
- e então você vai comigo Manu ou não?
Nem havia escutado o que ela dissera, mas concordei para sair de perto de Renata.
- Pra onde vamos mesmo? - perguntei quando começamos a descer a pequena ruazinha que ficava a direita da casa da Carol.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

E lá vamos nós

- Falta a mochila de você ainda Manu - falou Yumi fazendo força para colocar uma mala entre um engradado de cerveja e um saco com cobertores - me ajuda aqui.
Empurrei junto com ela a mala para dentro do espaço vazio. Coube sem nem meio milímetro de folga.
Peguei minha mochila e coloquei em cima do engradado. Yumi terminou de encher o porta-malas com outra bolsa muito grande, fechando todo o espaço do bagageiro.
- Nossa, coube exatamente tudo - disse ela satisfeita, dando a mão para eu bater - a gente forma uma boa dupla - falou animada.
- Parecem mais um casal - foi o que ouvi de um resmungo de Má.
Yumi fingiu que não ouviu, mas desviou seu olhar de mim, indo em direção ao carro de Maurício.
Enfim era quarta-feira e iríamos para a praia. Cássia e o namorado haviam desistido de ir conosco. No fim, íamos Yumi, eu, Carol, Má, Déia, Rê, Maurício, Paulinho e Leandro que haviam decidido ir de última hora e o Luiz. O negro lindo e modelo havia desistido de ir conosco porque iria fazer um teste para uma agência. Micheli havia mudado de idéia e iria só na outra semana de ônibus.
- Sorte a gente não precisar mais ir de busão né? - me cutucou Renata - imagina a gente ter que carregar essa minha mochila nas costas? - riu-se de si mesma. Apesar de que - se aproximou do meu ouvido - eu ia gostar de ficar só com você sozinha durante duas horas, sentada ao seu ladinho - sorriu maliciosamente e saiu.
Pqp, pensei suspirando inacreditada do que acabara de ouvir. Desde quando Rê me dava bola? Olhei para Yumi, ela havia escutado o que Renata me falara. Mas novamente fingiu que não, atirando uma mochila verde com força para dentro do carro de Maurício.
- Arruma você essa merda, não sou sua escrava - falou brava saindo da garagem.
- O que deu nela? - perguntou Maurício pegando novamente a mochila verde e ajeitando cuidadosamente dentro do bagageiro.
Estávamos na casa dele, saíriamos com dois carros dali. O combinado era ter saído às 6h30min, mas Carol ainda não havia chegado e o ponteiro já marcava 7 horas passada.
- Bom minha gente querida, enquanto a Carol não chega, como iremos dividir os carros? Eu acho que os homens vão em um e as mulheres no outro - e riu alto olhando para a cara de bravo de Leandro.
- Mas sobrará um lugar no nosso carro - falou Maurício - quem vem com os machos? - forçou o braço para mostrar seus músculos. Todos riram.
Nenhuma das meninas respondeu.
Carol chegou 15 minutos depois, muito suada.
- Nossa, meus queridos e amados amiguinhos, desculpem meu atraso - falou sorrindo. Aquele sorriso simpático e sincero que só ela conseguia dar. Todos desfizeram qualquer raiva possível de existir pelo fato dela ter chegado uma hora depois do combinado só com o efeito do seu sorriso. A única que não desfez a cara amarrada, e que muito pelo contrário, fechou mais ainda ao ver que todos não a reprovaram, foi Má.
- Então vamos? - perguntou Carol fingindo não perceber que sua namorada não respondera ao seu oi.
- Vamos! - disse Maurício e Luiz juntos. Estavam nitidamente animados.
- Tenho que ir ao banheiro - falei já saindo rapidamente em direção a ele.
Quando voltei todos já estavam no carro, exceto Renata.
- Vai com as meninas ou com os homens? - me perguntou sorrindo - escapou de ir comigo - falou muito baixo, que suspeitei só eu ter ouvido.
- Ela vem com a gente - disse Maurício.
Olhei por dentro da janela, Yumi apertou o canto da boca fazendo beicinho para mim. Deu com os ombros - entra Rê, estamos atrasadas, vamos pegar um trânsito da p.
Demoramos cerca de 4 horas para enfim chegar na casa de praia de Carol. Não que fosse tanto tempo, mas tinham tantas pessoas que saíram junto com a gente com o mesmo objetivo que ficamos, sem mentira, uma hora parados, literalmente parados durante um trecho. Um caminhão havia tombado no meio da pista, fazendo com que o fluxo de carros rapidamente formassem uma fila quilométrica de congestionamento.
Mas foi divertido ficarmos alí parados porque Luiz era um cara muito engraçado, contou histórias incríveis de pessoas que iam feridas para o hospital onde trabalhava. Ele era enfermeiro formado já, trabalhava no Pronto Socorro, falou de histórias bizarras que de vez enquando apareciam por lá.
Maurício dirigia muito mal, seguidamente ele passava com o carro por cima de buracos, fazendo com que a suspenção gemesse alto com o tranco. O carro também estava muito pesado. Havia bagagem e bebida dentro do porta-malas para cinco pessoas. Após duas horas, Maurício suava muito.
- Não gosto de andar assim, parando de 2 em 2 minutos. Me angustia. Quem quer dirigir pra mim?
Olhou para o lado, Luiz estava dormindo. Olhou para trás. Levantei a mão, passou os olhos sobre mim até pousar em Leandro e Paulinho. Ambos ressonavam abraçados.
Fizemos sinal para as meninas, enquanto trocávamos de motorista rapidamente.
Luiz reclamou alguma coisa que não entendemos, quando enfim sentou no banco de trás.
- Espero que você saiba dirigir bem Manuzinha - olhou para mim - Aliás, Yumi me contou que você sabe sim - e sorriu com um certo quê de mistério no olhar.
Então ela falara para ele que eu dirigia bem, não sei porque mas fiquei muito satisfeita.
Conversamos muito, os assuntos surgiam com uma facilidade incrível.
- A Yumi me contou de sábado de noite... Que horror tudo aquilo né?
- Sim, horrível.
Ficou um momento em silêncio.
- Posso fazer uma pergunta para você? - perguntou abruptamente.
- Claro.
- O que está rolando entre vocês?
Levei um susto.
- Entre vocês quem? - perguntei sem entender. Ou querendo não entender.
- Você e Renata!
- Ah, Renata - falei desanimando. Pensei que talvez Yumi tivesse falado alguma coisa sobre mim para ele.
- É, Renata né?! Esperava que eu falasse quem?
Sorri amarelo.
Olhou ressabiado para trás, conferindo se todos estavam dormindo, só então continuou.
- Eu vi vocês duas - sorriu ele colocando a mão na frente da boca.
- Viu o que seu doido?
- Não se faça de louca Manu.
Me fiz de desentendida. Será que ele tinha nos visto ficando aquele dia na sacada de sua casa? Era impossível, só estava a gente lá. A única pessoa que tinha aparecido fora Yumi, mas ela não parecia ter visto nada. Ou será que ela contou alguma coisa para ele? Será que todos já sabiam?
- Eu vi vocês duas se beijando, quer que eu desenhe ou coisa parecida?
Ri novamente.
- É, viu.
- Nossa, to chocado - colocou novamente a mão sobre a boca aberta - menina, não sabia que você curtia perseguitas.
- Que? - soltei uma gargalhada que fez com que Leandro acordasse e se mexesse. Mas assim como acordou, voltou a dormir.
- Desde quando você pega mulheres?
- Quem disse que eu pego mulheres?
Ele sacodiu a cabeça. - Não sou idiota, eu ainda ouvi uns comentários de Renata hoje, falando que queria ter ficado com você sozinha no ônibus.
- Nossa Maurício, você é um mexeriqueiro hein? Fica ouvindo a conversa dos outros.
- Ela que falou alto de mais, então vocês estão se pegando né?! É por isso que você nunca ficou com ninguém, segundo a Yumi me falou.
- Não, eu nunca tinha ficado com ela.
- Hmm, mas me conte tudo, quero saber. Tenho direito disso, sou ainda seu veterano.
- A gente ficou aquele dia e só. Ela é minha amiga. E quem mais sabe disso?
- Só eu - falou ficando sério - Queria ter certeza do que eu vi.
- Não fala pra ninguém ta?
- Porque? A maioria aqui é gay!
Maioria? Então tinha gente que não era? Yumi, ela não era gay.
Mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa chegamos na casa de Carol. Era uma casa muito grande, estilo cabana. Tinha dois andares, uma sacada enorme no segundo andar. Era feita de madeira, um chalé escuro com telhado verde musgo.
- A gente termina nossa conversa outra hora - disse Maurício abrindo o porta-malas - não pense que eu esqueci.
- Esqueceu do que? - perguntou Yumi se aproximando. Congelei. Não queria que ela ficasse sabendo de mim assim, desse jeito, que eu havia ficado com outra pessoa.
- De nada fofinha - falou ele, dando-me uma piscadela.

Violência gratuita, III

Quando acordei, o pacto feito em silêncio por nós duas foi quebrado por mim. Passei domingo inteiro refletindo sobre a noite anterior. Sobre a falta de segurança dessa cidade gigantesca. O fato das pessoas estarem se prendendo dentro de casa para os ladrões ficarem livres e impunes nas ruas. Era isso que acontecia. Nós, seres do bem, deixávamos de lado nossa liberdade, nosso direito de ir e vir para que os ladrões se apoderassem dele e fizessem o que bem entendessem com quem ainda insistia em andar a noite por aí.
A gente poderia ter sido assaltadas, pensei pela milésima vez. Eu poderia agora estar chorando no enterro de Yumi. E se aquilo fosse uma arma. Tinha formato de cano, talvez pudesse realmente ser uma arma. E se ele tivesse atirado quando Yumi arrancou o carro? Estaria eu agora chorando pela morte de Dani, uma das meninas mais interessantes que já havia conhecido desde que viera pra cá. Essa cidade-inferno, praguejei com medo.
Até eu poderia não estar mais aqui agora, pois poderíamos ter escapado da possível arma, mas ter sofrido um acidente de carro quando passamos no sinal vermelho a toda, e andamos em uma ruazinha a quase 80 por hora. E o que vai se dizer disso? Yumi fez errado de acelerar e não deixar que o cara abrisse o vidro e nos assaltasse? Então era assim que era pra sermos, pessoas vulneráveis que não reagem. Aposto que se tivesse acontecido alguma coisa conosco, falariam que deveríamos ter deixado ele levar tudo que quisesse. Mas como conseguimos escapar ilesas, somos imprudentes em sair assim com o carro.
Na verdade agora eu conseguia admirar Yumi mais ainda. Ela teve coragem. Enquanto eu pulava de susto, ela foi perspicaz e acelerou o carro. A chave estava na ignição. O carro não estava desligado, estava pronto para fugirmos. Talvez exista um cara lá de cima mesmo, pensei mais consolada. Ele que fez ela não desligar o carro. Nessas horas de pavor nos apegamos a qualquer possível manifestação de algo superior a nós. Então que eu me apegasse ao cara lá de cima. Sim, naquele momento estava agradecendo ao cara lá de cima por ter nos deixado escapar ilesas.
E se no fim tudo fosse uma brincadeira de mal gosto, e realmente fosse um canivete do Supercau? Estaríamos nós chorando, com medo, apavoradas e assustadas por um canivete de 1 cm?
Mesmo assim, ainda não me contentava o fato de que não podemos mais andar na rua tranquilas. Temos que ficar nos cuidando, olhando para todos os lados.
Agora, sozinha naquele quarto que estranhamente se tornara grande, fiquei com medo. Agora que toda a confusão passou pensei com mais cautela em tudo que aconteceu. E se aquele Giovani viesse brigar comigo ou batesse na Déia? Yumi estava dentro do carro nos esperando, talvez o cara lá de cima fez ela querer ficar dentro do carro justamente para que eu e Déia pudéssemos sair do apartamento dele mais rápido, para que no fim não desse tempo de Giovani nos acalçar. Que o cara lá de cima tenha colocado uma pedra no caminho de Giovani, literalmente uma pedra do meio do caminho, que descalço fez ele não conseguir correr com velocidade. É, começo a acreditar que talvez eu não estivesse tão sozinha no mundo assim como parecia. Talvez minha família estivesse me olhando lá de cima. Foi meu pai que me impulsionou para que fosse atrás de Déia e que não deixasse ela sozinha com aquele cafajeste do Giovani. Ele podia ter abusado dela e nunca ninguém ia saber.
Fazia poucos minutos que havia desligado o telefone. Falei por mais de duas hora com Déia. Ela me disse que Giovani levou-a a força para o seu apartamento. Eu disse que ela podia dar queixa a polícia, pois não havia acontecido só isto. Mas ela alegou que iria dizer o que? Que estava completamente bêbada e chapada? A razão poderia não estar com o Giovani, mas não estaria com ela também. Ela me prometeu que nunca mais faria isso, de ir para casa de outras pessoas que ela não conhecia muito bem. Ainda ecoava na minha cabeça o que Déia havia me contado.
- Ele arrancou minha camiseta, começou a me beijar toda. Tava com nojo - falou em meio a soluços - que nojo daquele cara. Tentou tirar minha calça, quando empurrei ele, ele me deu um tapa na cara. Vocês chegaram mais ou menos nessa hora. Nossa.. Manu não tenho como te agradecer por ter sido tão linda comigo. Nunca tive uma amiga assim.. Muito obrigada mesmo.
Talvez o Giovani poderia ter partido pra cima de mim e ter me espancado alí na frente de Déia, e ela não poderia fazer absolutamente nada para me ajudar. Giovani era mais baixo que eu, porém ainda assim era homem. Seu braço dava dois dos meus.
Cheguei a sonhar com a tatuagem que ele tinha no braço direito. Na verdade era um grande pesadelo.
Mas foi assim que passou meu domingo, mais parecido com um pesadelo do que com outra coisa. O quase beijo de Yumi e eu desaparecera da minha lembrança, dera lugar para todo aquele horror, aquela violência gratuita. Dormi muito mal a noite, acordei várias vezes sonhando com gritos de Déia. Às 5h da manhã desisti de dormir. Fiquei acordada o resto da noite até os primeiros raios de sol aparecerem por entre os vidros da minha janela anunciando que um novo dia chegara. Talvez um novo começo pra todos nós. Pelo menos foi assim que desejei.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Violência gratuita, II

Seguimos, eu sem acreditar, pelo caminho que Felipe havia falado. Por incrível que pareça chegamos no único prédio azul no fim da rua. Um morador já estava chegando, aproveitamos e entramos junto com ele. O dia estava amanhecendo já.
Bati na porta número 4 com força.
5 minutos depois, um cara meio baixo, só de cueca abriu a porta.
- Que porra é essa de bater na minha casa a essa hora?
- Giovani?
- Quem é você? Ah, você é a amiga da Déia, ela não vai embora, ela ta comigo hoje - falou alto.
Déia apareceu por trás dele. Seu rosto estava vermelho, sua blusa aberta, fazia força para puxar suas calças para cima.
- Quero ir embora - disse manhosamente.
- Você vai, dá licença Giovani.
- Vai nada!, eu cuidei dessa menina aqui a noite toda, e agora que eu vou ganhar minha recompensa você acha que vai levar ela embora, porra nenhuma!
Tentou fechar a porta, mas deixei meu pé impedindo-o que fechasse.
- Vem Déia, falei mais alto ainda.
Puxei-a com força, ela bateu em Giovani que cambaleou para o lado.
Yumi estava nos esperando dentro do carro. Coloquei Déia pra dentro do carro e saímos. Vi pelo retrovisor que Giovani veio de cueca tentar nos alcançar correndo descalço.
Déia resmungava qualquer coisa quando enfim chegamos em frente ao seu prédio.
- Vamo descer Déia, chegamos na sua casa.
Com esforço conseguimos entregar Déia para Renata que já estava preocupada nos esperando. No meio do caminho conseguimos contata-la, ligando a cobrar para o seu celular que finalmente estava ligado.
- Desculpa por tudo - disse Renata depois de ter colocado Déia para dormir na cama. - Sentem aí, apontou para o sofá preto, sentando-se num grande puffe ao lado.
Olhei para Yumi, entendi que ela queria ir embora.
- Não Rê, a gente ta podre de cansada, estamos nessa correria desde as 4 e tanto da madruga, sério, um role da porra - falei rindo afinal.
Rê ainda se desculpou algumas vezes e agradeceu por tudo, disse que aquele Giovani era um idiota que já tentara pegar a Déia várias vezes, mas que ela nunca queria.
Dentro do carro, eu ainda no volante, perguntei.
- E ai, vamos pra casa?
Yumi encostou-se no meu ombro - que loucura tudo isso né?!
Senti seu perfume. Soltei um suspiro cansada.
- To com fome, você não? - me olhou.
- Também to.
- Tem uma padaria que fica aqui perto, vamos?
Naquele instante as coisas que aconteceram naquela noite foram seladas, num pacto silêncioso, num acordo que nunca fora de fato dito, mas entendido assim que aceitei aquele convite. Algo além do que pudesse ser falado, algo que foi enfim sentido e entendido. Por mim e por ela. Talvez estivessemos precisando esquecer de tudo. E tudo me refiro principalmente a parte menos dolorosa da noite. O nosso quase beijo. Porque ele, mesmo não existindo, remetia à toda aquela violência, toda aquela correria. Ela que poderia até ter sido uma aventura para um dia contar aos filhos. Mas não, fora algo dramático. Dramático de mais para ser relembrado. Algo muito mais pesado do que poderia ter imaginado quando aconteceu. Ou quase aconteceu.
Fomos pra padaria, comemos, tudo isso num silêncio, vez ou outra interrompido para falar alguma coisa amena, sem muitas vogais e consoantes. Já passavam das 9h quando dei tchau para Yumi que seguiu a rua com o carro. Subi as escadas cansada.
Abri a porta do meu quarto e vi que Yumi havia esquecido seu casaco em cima da cama. Deitei com tênis e tudo, me aconcheguei no seu casaco e assim adormeci imediatamente.

Drogas, sexo e rock'n' roll

- A gente ia ser assaltadas - disse em meio aos soluços. Estava abraçada em mim. Estranhamente eu tinha ficado mais calma. Precisava acalmá-la também. O frentista do posto perguntou o que havia acontecido. Expliquei e ele nos trouxe um copo de água.
- Aquilo podia ter sido uma arma - falou ainda tremendo.
- Calma Yumi, acho que aquilo tava mais pra um canivete do supercau. Ela riu tossindo forte pelo soluço.
Passei meus dedos sobre seus cabelos, limpado o seu rosto das lágrimas.
- Caralho que susto da p. - falou gritando um pouco.
Em cerca de 10 minutos ela já estava mais calma, mas ainda permanecia abraçada em mim.
- Quer dirigir? - perguntou enfim voltando seus olhos para mim.
- Quer que eu dirija?
- Não to em condições para isso - falou com uma carinha tão triste que deu vontade de abraçá-la e não deixar ninguém fazer nada com ela. Me bateu uma ternura por ela, que não me contive, abracei-a de novo. Ela me abraçou forte.
Consegui as informações com o frentista, enfim achando a República.
Havia um porteiro, pedimos pela Malu.
- Não tem nenhuma Malu aqui, qual é o nome completo dela?
- Putaquepariu - falou Yumi virando-se para rua, passando a mão sobre seus cabelos.
- Moço não tenho idéia, minha amiga ta aqui, precisava falar com ela. Não sei o nome da Malu, só sei que é a Malu - sorri desacreditada, como eu poderia saber o nome completo da Malu se eu havia falado com ela só três vezes na vida. Nisso estava passando duas meninas, pareciam que haviam chegado de uma festa.
- Você conhece uma Malu? - perguntou Yumi em tom desesperado.
- Tem uma Malu aqui sim, é do 300 e ...
- 15? - falou a outra menina.
- Não era 407?
O porteiro disse que no 315 só moravam meninos e que no 407 morava Janaína e Rosana.
- Malu não combina nem com Janaina nem com Rosana - falei já rindo da situação.
- Mas é a Rosana, ela é a Malu. Malu é apelido - falou a primeira menina.
Yumi olhou para mim e começou a rir.
Subimos e aguardamos 10 minutos até que alguém abriu a porta do quarto de Rosana (??? ainda sem entender a relação do seu apelido).
- Malu, até que enfim! P. que pariu, cadê a Déia? - falei sem dar oi.
- Ela já foi embora!
- Como assim? - falei entrando dentro do apartamento, empurrando-a para entrar.
- Calma aí Manu, que que é isso, vai chegando assim?!
- Malu - falei irritadíssima - essa menina me ligou trezentas vezes pedindo para que eu viesse buscá-la, quase fomos assaltadas, andamos uma hora quase pra chegar aqui, cadê ela caralho! - falei muito brava.
- Calma Manu - disse Yumi se aproximando de mim.
- Calma o cacete, cadê ela?
- Já falei - Malu tinha olheiras muito fundas - ela foi embora.
- Embora pra onde? - meu coração voltara a bater muito forte.
- Não sei, um dos meninos levou ela pra casa.
- Que menino?
- Sei lá, Felipe, como é o nome daquele cara lá que levou ela?
Olhei em direção ao lugar para qual Malu havia falado. Percebi que o apartamento estava uma bagunça, havia muitas garrafas atiradas pelo chão, copos derramados, roupas atiradas.
- Sei lá meu, não me incomoda - com dificuldade consegui achar de onde vinha a voz. Era um cara muito barbudo, sem camisa, com o ziper da sua calça aberto deixando aparecer metade de sua cueca. Estava atirado no chão.
- Que merda vocês fizeram aqui Malu? - falei indo em sua direção - quem levou a Déia daquele estado embora?
Yumi me segurou, talvez temendo que eu batesse em Malu.
- Calma aí gata, calma aí, senta aí e relaxa - falou meio enrolada. Provavelmente estava mais fora do que imaginava, pensei muito brava.
- É o caralho - me soltei de Yumi. Segurei Malu pelos ombros chaqualhando-a.
- Presta atenção - falei olhando-a diretamente nos olhos - pra-on-de-le-va-ram-a-Dé-ia?
- Acho que pra casa dela, e não me aperta porra - tentou me empurrar.
Segurei-a firme - Descobre pra onde levaram a minha amiga - falei tão séria que até eu mesma me assustei.
Ela saiu e entrou num quarto, suspeitei.
3 minutos depois ela voltou com o celular na mão.
- Liga aqui, é o Giovani que levou a Déia pra casa.
Coloquei o telefone no ouvido, já estava chamando.
- Alô - atendeu uma voz muito grossa.
- A Déia ta aí com você - falei ríspida.
- Quem ta falando?
- Giovani?
- Sim, quem ta falando?
- Aqui é uma amiga da Déia, ela ta aí com você?
- Ela ta na minha casa, porque?
- Onde é a sua casa Giovani? - perguntei já sem pasciência - posso falar com ela?
- Ela ta dormindo eu acho - e soltou uma risada estranha.
- Deixa eu falar com ela - ornedei com raiva.
- Déia, alguém quer falar com você - disse rindo novamente.
- Alô? - perguntou com voz mais pastosa do que antes.
- Onde inferno você ta sua louca? Vim até o fim do mundo pra buscar você e você some com um tal de Giovani? - explodi.
- Manu, calma, ta tudo bem.
- Tudo bem o cacete, onde você ta?
- To sei lá onde eu to - falou bocejando - me busca? Não quero ficar aqui.
Déia estava louca, só podia ser isso.
- Me passa esse Giovani.
- Oi - mal acabara de falar.
- Onde você mora? - interrompi.
- Porque você quer saber, ela vai dormir aqui comigo hoje, né Déia?
- É a última vez que eu pergunto, onde você mora?
- Ah, vai a merda - desligou o telefone.
- Malu - me voltei para ela que estava deitada ao lado de Felipe no chão. Cena lamentável - Onde esse Giovani mora?
- É aqui perto - disse Felipe ressuscitando - você pega essa rua aqui - apontou para o nada - essa que a gente ta e você vira deixa eu ver, uma.. duas.. três, a quarta rua tem uma farmácia popular, vira a direita nela e vai até o fim da rua. É um prédio azul, o único prédio azul.
- Qual é o apartamento dele Felipe?
- Ah meu, você faz muitas perguntas... Acho que é o 4º.
- Vamos pra lá. - falei pegando a mão de Yumi e saindo do apartamento sem olhar para trás.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Violência gratuita, I

- Oi Déia - falei animada.
- Me busca aqui, nãotolegal - falou enrolada.
- Onde você ta? - perguntei preocupada.
- Nacasa da.. da...
- De quem?
- Não meu, não quero, to bem sai daqui.
- Déia?!
- Manuuuuuuuuuuuu me busca.
- Onde você ta? - já estava a essa altura com o coração a mil. Alguma coisa de errado estava acontecendo. A voz de Déia estava muito pastosa de bebida. Tinha um tom de medo também.
- To aqui na casa da.. porra como é seu nome mesmo? - ouvi alguma outra voz falar alguma coisa indecifrável.
- Onde?
- MALUU já falei!!
- Onde ela mora?
- Aqui, você viraadireita depoisvira lá também.. Não meu, não quero!!!!
- O que ta acontecendo Déia? Fala comigo.
- Me tira daqui!!!!!!!! - gritou. Ouvi soluços. Fiquei apavorada. Antes que pudesse falar mais alguma coisa ela havia desligado.
Pergunteii se Yumi tinha saldo, mas ela também não tinha. Tentei desesperadamente pensar em alguma coisa já que tentei ligar a cobrar para Déia e caia na caixa de mensagem.
- O que aconteceu Manu, parece que você viu um fantasma, ficou pálida.
- Aconteceu alguma coisa com a Déia, ela ta me pedindo pra buscá-la em algum lugar. Não sei onde a Malu mora.
- Quem é Malu?
- É uma menina aí que ficava com a Rê.
Rê, ela provavelmente tinha créditos no celular. Liguei mas caiu na caixa de mensagem.
Procurei nos meus contatos do celular se tinha o telefone da Fernanda, provavelmente ela saberia onde a Malu morava. Ela também não tinha créditos, pois tentei ligar a cobrar e deu serviço indisponível.
Já estava caminhando de um lado para o outro. Não conseguia pensar em nada.
- Manu, em primeiro lugar se acalma. Não adianta você ficar assim, não vai resolver. Entra no MSN e vê se não tem ninguém conhecido.
- Você é um anjo - falei sorrindo aliviada. Não havia pensado nisso ainda. Na verdade não havia pensado em nada, estava muito preocupada.
Procurei na lista de contatos. Poucas pessoas estavam online. Ninguém que pudesse ter o endereço da Malu.
- E agora? - perguntei para Yumi me sentindo extremamente impotente.
Subiu a plaquinha do MSN de uma menina que era colega da Déia. Perguntei se ela sabia onde a Malu morava, ela disse que era em uma república que ficava na zona sul. Procuramos todas as Repúblicas que poderiam existir na zona sul. Achamos e ela confirmou que era aquela.
- Como a gente vai até lá? Não tenho grana pra táxi! - falei desanimada e com o coração batendo muito forte.
- Daqui até minha casa deve da uns 40 reais, é bandeira dois a essa hora - falou Yumi - de lá a gente pega o carro e vai buscá-la.
Vai sair muito caro ir até lá de táxi e voltar.
Fui procurar na minha bolsa. Não tinha uma mísera nota de dez na carteira.
- Você tem esse dinheiro? Depois eu te devolvo sem falta.
- Aqui não, mas em casa eu tenho.
- Ain, mas eu não queria meter você nessa confusão, você mal conhece ela - falei parando para pensar por uns instantes.
- Mas eu conheço você - sorriu carinhosamente.
- Então vamos?!
Descemos as escadas rapidamente. Aquela hora quase não tinha táxi. Caminhamos quase correndo durante 10 minutos até conseguir parar um.
Conseguimos pexinxar com o taxista e ele fez por 30 reais redondo, nem ligou o taxímetro.
Em 25 minutos já estávamos dentro do carro de Yumi indo para a zona sul. Era longe, dava cerca de 30 minutos. Olhamos por cima o mapa para saber como chegar lá.
Já andávamos a 40 minutos e não conseguíamos encontrar a tal República.
- Estamos perdidas né? - falei com os olhos cheios de água. Nesse meio tempo Déia havia me ligado duas vezes, a última chorando.
- Calma Manu, disse ela colocando sua mão sobre meu ombro, - vai da tudo certo. Prometo. Desfaz essa cara de triste e pergunta pro cara alí naquele boteco se ele sabe onde fica essa merda de rua.
Perguntei pra um tiozinho que estava sentado numa mesinha que ficava na rua de um barzinho muito pequeno.
Ele tava bêbado. Quando terminou de explicar onde ficava, saimos andando um pouco devagar.
Yumi soltou uma gargalhada.
- Você acha que a gente deve seguir este caro senhor bêbado? - perguntou ainda em meio de riso.
- Não sei - tentava segurar um choro nervoso.
- Hei Manu - virou-se para mim. Parou o carro deixando-o ligado, passou sua mão sobre meu rosto - vai da tudo certo, confia em mim. Se eu não me engano deve ter algum posto aqui por perto, a gente para lá, compra uma água, por que provavelmente a Déia não deve ter bebido nada não-alcóolico né?!
Olhei-a ainda segurando o choro.
- Vem cá - se aproximou de mim e me deu um beijo na bochecha, me abraçando de lado. Me deu mais um beijo na bochecha, mais demorado que o outro. Tirou sua boca de minha bochecha vagarozamente, parando seu rosto de frente pro meu. Meu coração parou por alguns instantes e voltou a bater muito forte. Seus olhos estavam sobre os meus. Os meus foram descendo em direção a sua boca que estava muito próxima da minha. Me inclinei um pouco. Estávamos muito próximas. Passei minha mão direita sobre seu rosto. Ela fechou os olhos. Abriu levemente a boca. Aproximei minha boca da dela, senti sua respiração nos meus lábios. Já havia perdido o controle sobre meu coração. Sua boca estava talvez a 3 centímetros da minha e confessava um sorriso muito singelo.
Ouvi um estrondo no vidro. Pulei assustada. Havia um cara muito mal encarado nos olhando pelo vidro. Fazia sinal para que abríssemos o vidro apontando alguma coisa para Yumi por baixo do moletom.
Aconteceu tudo muito rápido, Yumi se desvencilhou de mim, acelerou cantando pneu, saímos em disparada, virou na primeira a direita, rapidamente o ponteiro marcava 55, 70, 85km/h, o semáfaro estava vermelho, passamos sem olhar para os lados, podíamos ter morrido, meu coração saindo pela boca, ainda andando muito rápido, avistamos um posto de gasolina aberto.
Quando enfim Yumi puxou o freio de mão desabou a chorar.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Mas fingiu que não era nada.

Uma hora (meia hora, sei) depois Yumi me deu um toque no celular. Era sinal de que ela estava chegando, havia combinado que buscaria ela na saída do trem.
Desci as escadas rapidamente, nem percebi quando já estava na estação.
Não foi difícil achá-la. Estava linda, como sempre.
- Oi Manu querida - disse me abraçando forte - hmm ta cheirosa - ainda com seus braços em volta de mim.
Fiquei constragida.
Sorri sem conseguir pronunciar palavra nenhuma.
- Enfim vou conhecer a sua casa - sorriu olhando para o prédio imensamente grande e velho.
- É, me acompanha? - ofereci meu braço.
Chegando ao quarto, falei antes de abrir a porta.
- Não repara, não é uma obra de arte, nem está tão arrumado quanto o seu - ri.
- Depois eu que sou fresca.
- E não tem tantos sapinhos enfeitando minha cama como a sua.
Sorriu.
Abri a porta, ela passou por mim encostando seu corpo em mim. Senti um frio na barriga.
- Ah, é bem maior do que eu imaginava.
- Nossa, você imaginava que eu morava onde? Que eu era uma fofolete e morava numa caixinha de fósforos?
Ela riu - Não né sua besta, mas não é tão pequeno.
- Experimenta ficar aqui durante uma semana sem sair de casa, te juro que você enlouquecer, só tenho meu computador aqui e essa geladeira.
- Nem televisão?
- Nada.
- Mas tem a sua guitarra - disse sentando-se na cama de Débora.
- É, tem minha guitarra...
- Que você vai tocar pra eu ver, afinal eu vim aqui para isso.
- Pensei que você veio pra me fazer companhia - resolvi encarar seus olhos, fazendo beiço.
Ela me olhou com um sorriso.
- Também.
Ficamos nos olhando por alguns segundos. Senti que meu coração dava saltos. Desviei meu olhar.
- Quer tomar alguma coisa?
- O que você tem aí?
- Deixa eu ver.
Abri a geladeira. Estava praticamente vazia. Tinha uma margarina no fim, um saco com duas maçãs (de validade suspeita), uma caixa de leite que ainda não havia posto no lixo por preguiça, uma jarra que era para ser de água mas estava vazia, uma vodka quase cheia - era de Débora - e uma coca dois litros.
- Tem refri - sorri voltando-se para ela.
- Pode ser.
Conversamos um pouco sobre a praia, sobre o final das aulas.
- Agora chega de enrolação, você vai tocar pra mim.
- Ah, tenho vergonha.
- Vergonha de mim?
- Não de você especificamente, mas de tocar pras pessoas.
- Ué, finge que eu não to aqui - sorriu.
- Que música você quer que eu toque? Exaltasamba?
- Nossa, você não esqueceu daquele CD? Faz tanto tempo!!
- É, eu lembro das coisas.
- Faz tempo que a gente já se conhece né?!
- É nem parece que você veio com os meninos pra cima de mim querendo me pintar.
- Mas aquela não foi a primeira vez que nos vimos.
- Não?
- Não, a primeira vez que nos vimos você praticamente me atropelou com suas bagagens.
- É verdade! Como você lembra disso? - perguntei espantada.
- Eu também me lembro das coisas.
Fez-se novamente um silêncio.
- Agora - Yumi sentou-se na mesma cama que a minha, ao meu lado - você vai me enrolar mais ou vai tocar pra eu ver?
Toquei umas do Frejat que sabia que ela gostava. Ela apenas ficou me olhando profundamente nos olhos enquanto tocava. Fiquei nervosa, senti que minhas mãos estavam suando de nervosismo. Ela estava muito perto de mim, isso me causava borboletas na barriga. Seus olhos não desgrudavam dos meus. Ela cantarolava baixinho junto comigo, me neguei a cantar em voz alta, até porque mal sai voz da minha boca.
- Que lindo - quando terminei de tocar "Túnel do tempo", sua música favorita.
Agradeci com a cabeça.
A segunda música seguiu, a terceira, na quarta ambas estavam cantando a plenos pulmões. No meio da quinta música, já estávamos em Legião Urbana, ela pousou sua mão sobre a minha coxa, cheguei a errar a nota, mas tentei camuflar com uma tossida forte (ah essa tosse). Se aproximou mais ainda de mim alegando que queria ver como eu conseguia fazer sair um som tão bonito sair de apenas seis cordas (hmm, pensei). Ela pareceu não ter percebido meu nervosismo com aquilo. Minha vontade era de tocar a guitarra para o lado e de dar um beijo naquela boca que estava tão próxima de mim. Se eu me esticasse para frente, calculei que chegaria na sua boca. Seu cabelo tinha um corte diferente, ele deixava aparecer às vezes uma franja que caia sobre seu rosto. Aquilo me facinava.
Toquei todo meu repertório pra ela. Ela gostou, cantava comigo, às vezes cantava sozinha porque eu esquecia da letra. Ela não cantava lá grandes coisas, mas era gostosinho de ouvir. Sei lá, ela estava alí do meu lado, tava valendo.
Chamamos uma pizza (até o final da faculdade tinha certeza que ganharia intolerância a pizzas, não erra possível).
Ficamos cantando noite a dentro, já era tarde quando meu celular tocou. Era a Déia. Eram 4h30min.

domingo, 21 de junho de 2009

MSN, sobe plaquinha, sobe!

Acordei domingo depois de um pesadelo com Patrícia. Fazia tempo que eu não pensava nela, sonhei que ela estava namorando com um cara. Que ela me abanava com a mão dizendo tchau para sempre. Que eu corria para outro lugar tentando me afastar dela e dava de cara com Luciana que também estava namorando, porém sua namorada era a Angela. Elas riam de mim que no fim eu tinha ficado sozinha. Quando finalmente avistava Yumi caminhando em minha direção. Eu ia dar um beijo nela, porém ela me empurrava dizendo que amava a Jéssica, que não queria nada comigo.
Estava suando. Esfreguei os olhos com força para aquelas imagens saírem da minha cabeça. Meu celular estava sem bateria, não tinha a menor idéia de que horas eram. Mas não estava muito interessada. Voltei a dormir.
Já estava escurecendo, ou talvez amanhecendo quando enfim me dei por vencida e levantei da cama.
Débora havia viajado, como estava de férias fora para casa de seus pais. Disse que só voltaria quando começassem as aulas de novo. Foi uma despedida bem singela, não nos dávamos mais bem quanto antes desde a primeira discussão sobre homossexuais. Até porque depois da primeira discussão veio a segunda, terceira até eu parar de querer mudar uma pessoa com a cabeça feita. Então ela que morresse com sua santa ignorância e eu parasse de querer fazer um mundo melhor. Foi isso que pensei quando deixei-a falar sozinha.
- Nossa Manu, até parece que você é uma sapatona falando desse jeito - falou Débora desacreditada levantando-se da cama.
Fiz um silêncio alto. Sai do quarto.
O quarto estava uma bagunça, tinha muitas roupas minhas jogadas pelo chão, afinal tinha me arrumado em poquíssimo tempo quando as meninas vieram me buscar para irmos para a tal festa do Maurício, e que festa estranha. Ainda sentia o cheiro de Yumi em mim. Durante as várias vezes que acordei e voltei a dormir, fiquei pensando porque ela havia ido lá para a sacada comigo e passara talvez uma ou duas horas abraçada comigo em completo silêncio. Fiquei imaginando se ela havia visto eu e a Renata ficando. Só de pensar em Renata me dava calafrios, eu não devia ter ficado com ela. Essas coisas só servem pra acabar com uma amizade, ou para fazê-la mais pesada e mais complicada do que um dia chegou a ser. Ou talvez não. Renata não era uma menina complicada, muito pelo contrário, prezava as coisas simples. Talvez ela fingisse que isso nunca aconteceu e ficaríamos bem como antes. Não que ficar com Renata me fizesse alguma diferença. Essa fora a maldição que Luciana havia me rogado. Não que ela tivessa importância e relevância na minha vida para fazer com que eu perdesse coisas importantes na minha vida. Mas desde que conheci Luciana deixei para trás uma Manuela que existia só enquanto estava com Patrícia. Uma Manuela mais correta, ou politicamente correta, mais centrada. Quando conheci Luciana me encantei logo de cara, deixei pra trás um sentimento que provavelmente nunca mais teria por ninguém como eu tinha por Patrícia. E quando esse encanto passou não tinha mais a Patrícia, não tinha ninguém, então nada me prendeu. Me tornei uma pessoa avulsa. Fiquei com tantas meninas que já não tinha mais como contar. Dormi com tantas meninas que no começo me fez sentir náuse de mim mesma. De me sentir suja, cafajeste. Prometer coisas para meninas que caíam na minha lábia, e sair assim, fechando o zíper da calça, fechando a porta de seus apartamentos, das suas vidas e nunca mais aparecendo.
Com Luciana eu me tornei uma pessoa fria e desapegada com tudo e qualquer coisa. Ou talvez eu fosse assim mesmo, ficar com Luciana apenas havia feito com que eu me redescobrisse.
Com enorme dificuldade consegui achar o carregador do meu celular. Pra minha insatisfação não havia nenhuma mensagem nem ligações perdidas. Eram 18h e pouco. Então estava anoitecendo, pensei.
Liguei o computador e fiquei algumas horas alí no ócio total, entre MSN com pessoas sem grande assunto (nenhuma das meninas estava on-line), Blog's, e-mails, notícias (afinal não tínhamos televisão, minha única forma de saber o que acontecia no mundo era por internet). Cada vez que subia a plaquinha do MSN eu esperava que fosse Yumi. Queria falar com ela, nem que fosse um oi. Estava me sentindo sozinha, estranhamente só falar com Yumi pelo MSN já me fazia bem. Querendo ou não quando eu morava com a minha falecida tia Med a gente fazia companhia uma a outra. Mesmo que ela ficasse no quarto dela olhando televisão e eu no meu, sabia que tinha alguém por perto. Ultimamente passava muito tempo sozinha. Só deixava de me sentir assim quando estava com a Yumi, não sei por que. Foi pensar nela (novamente) que sua plaquinha no MSN subiu.
Yumi falou antes que eu:
Oii....
Eu: Oi.. Tudo bem com você?
Yumi: Tudo.. Vocês chegaram bem?
Eu: Sim, Déia meio a contragosto, mas bem rs.
Y: Percebi que ela adorou a Micheli rs.
Eu: Pois é, ela gostou mesmo dela.
Y: Espero que ela saiba que a Micheli não tava querendo ser SÓ boa amiga dela..
Eu: Creio que Déia também não tava querendo ser SÓ uma boa amiga dela, rs.
Ela demorou um pouco pra responder.
Y: Ela é lés...?
Eu: Achei que você sabia...
Y: UAU, esse mundo é muito gay mesmo, né?!
Eu: (risos) muito mais do que a gente imagina...
Y: Manu, tem uma coisa que eu queria te perguntar faz tempo...
Pressenti que poderia ser algo como "você também é?", mas se fosse, era porque não tinha problema, então poderia responder sem problemas e me via livre desse fantasma que me perseguia a tanto tempo.
Eu: Ué, pergunta.
Y: .... ahh não sei, talvez você entenda errado.. Melhor deixar pra lá..
Eu: Ainnn que frescura, fala. Agora que começou termina né?!
Y: Eu não sou fresca, vai.. Você que sempre fica me tirando sarro...
Eu: Eu?? Que mentira..
Y: Você não gosta de mim, essa é a triste verdade snif...
Eu: [Mulheres pensei]... claro que gosto de você, de onde você tirou isso?
Y: Ontem me deixou ir sozinha com as duas malas [Carol e Má] que passaram o caminho inteiro brigando sei lá porque. Eu e a sua amiga ficamos sem saber o que fazer.
Eu: Mas a Carol e a Má são suas amigas a muito tempo, você já deveria saber como elas são.
Y: Por isso que nunca vou querer namorar de novo, é só enxeção de saco.
Eu: É que elas são duas meninas né?! Com homem é mais fácil.
Y: Você acha?
Eu: Eu não, você que me disse lembra? Quando terminou com aquele (idiota - escrevi e apaguei) cara lá.
Y: hmm..
Eu: Mas enfim, aquelas duas deviam dar um jeito, ou que terminassem de vez ou que ficassem bem, sério, namoro desse jeito eu também não gostaria de ter.
Y: Mas homens são mais fáceis.
Eu: Você acha?
Y: Foi o que eu disse né?!
Eu: Foi..
Y: Você não acha?
Eu: Eu não fico com pessoas por achar elas fáceis, rs.
Y: Lá vem você falar de mim de novo =(
Eu: Não to falando nada egocêntrica, to só dizendo como eu sou. Você é você, eu sou eu, rs.
Y: Mas eu até que gostava dele..
Eu: Eu nunca namorei alguém que "eu até que gostava". Taí, somos diferentes.
Y: Não sei porque você não gostava dele, ele era legalzinho.
Eu: Muito menos alguém "legalzinho".
Y: (risos)
Eu: Por isso não gostava dele, porque acho que você merece alguém mais do que legalzinho, alguém que você goste mesmo.
Y: Ah, não tem ninguém que preste por aí.
Eu: Sempre tem, você que precisa abrir esses olhinhos puxados e perceber.
Lembrei do que a Renata me falou na noite anterior.
Y: Será?
Eu: Olha Yumi, você é linda, pode ter qualquer pessoa que você quiser, não sei porque não se arranja com alguém que você goste.
Y: Ah nem sou não.
Sim, ela queria ouvir de novo que ela era linda, mas eu não ia ficar babando ovo pra ela. Esperei até que ela voltasse a falar.
Y: É que sabe o que que é?
Eu: hmm..
Y: Eu sou meio chata pra pessoas sabe? É difícil eu gostar de alguém por muito tempo. Aliás, começar a gostar.. Demora muito tempo, sempre acabo vendo mais defeitos do que qualidades.
Eu: Mas daí você estará sendo equivocada, porque você também tem defeitos, ninguém é perfeito, a gente tem que aprender a lidar com eles, se não você vai morrer sozinha.
Y: Olha quem falando, nunca vi você ficando com ninguém. Tirando aquele cara que apareceu lá no bar aquele dia, a meses atrás...
Eu: Quantas vezes eu vou ter que repetir que nunca fiquei com ele, que ele é meu amigo, que ele é gay, que ele tava pegando um cara...
Y: Então você ficou com outra pessoa, porque eu me lembro daquele chupão no seu pescoço.
Como ela ainda lembrava daquilo?
Eu: É fiquei...
Y: E nunca quis dizer quem era.. Se era bonito ou não... E depois dele nunca mais ficou com ninguém, ou está nos escondendo algo..
Eu: Eu nunca mais fiquei com ninguém porque to muito ocupada, estudando, trabalhando. Coisas mais importantes.
Y: Desde quando você é beata?
Sorri para mim mesma. Lembrei da noite anterior onde ficara com Renata.
Eu: Não sou, só sei lá, também sou um pouco difícil com as pessoas.
Y: Você deve ser frígida, não é possível rs.
Eu: Na real que eu tbm não to muito a fim de arranjar ninguém.
Menti um pouco.
Y: Relacionamentos sempre são dor de cabeça, brigas, cobranças, um saco.
Ficamos em silêncio por um momento.
Eu: Que domingo bem chato, não tem nada pra fazer - retomei a conversa.
Y: Nem me fale, ainda não saí do meu quarto, to até de pijama.
Eu: E vai ficar aí hoje?
Y: Acho que sim né? Não tem mais nada pra fazer.
Eu: Acho que vou tocar um pouco de guitarra... Sabe alguma música legal aí pra eu pegar?
Y: Porque eu não sabia que você toca?
Eu: Ué, pq você nunca me perguntou?
Y: Por que você nunca tocou pra mim?
Eu: Porque você nunca me pediu? rs.
Y: Então eu te peço agora, toca?
Eu: Como? Quer que eu vá voando prai tocar uma música?
Y: Você podia vir aqui pra casa, to sozinha...
Eu: Vem você aqui então, também to sozinha e abandonada nesse prédio gigante, a maioria já foi pra suas casas no interior.
Y: E você vai ficar por aí nas férias?
Eu: Pois é, não tenho pra onde ir...
Y: Isso deve ser chato né!?
Eu: O que?, estar sozinha e abandonada no mundo?
Y: Como assim sozinha, você tem suas amigas, sua faculdade.
Eu: é...
Y: Você tem a mim...
Meu coração pulou.
Eu: Então, você quer vir aqui pra minha humilde casa?
Y: Agora? Mas e a sua colega de quarto?
Eu: Ela foi pra casa dos pais dela.. To literalmente sozinha e abandonada nessas férias..
Y: ah, tadinha...
Eu: Isso quer dizer que você vem?
Y: Vou pensar no seu caso.
Eu: Sim?
Y: Me dá meia hora que eu chego aí.
Fiquei instantaneamente feliz. Fui correndo tomar um banho rápido. Demorei mais tempo do que previa para achar alguma roupa. Levei mais tempo do que o habitual para me arrumar. O que estava acontecendo comigo?

sábado, 20 de junho de 2009

Uma noite em branco (completa)

- Conversando é? - falou Yumi desconfiada.
- É conversando - olhei para a rua, não passava nenhum carro. Talvez estivessem todos já nas festas ou em casa dormindo. Era uma rua relativamente perto de uma avenida principal, mas era feita de paralelepípedo. Talvez fosse por isso que fazia um silêncio quase ensurdecedor. Estava acostumada com o barulho de carro 24 horas por dia, era estranho não ouvir uma buzina se quer.
- Sobre o que, posso saber? - falou me abraçando por trás. Escorou sua cabeça ao lado da minha. Fiquei nervosa, o que ela tava fazendo? Pra que ficar tão perto? A essa altura provavelmente ela sabia que eu sentia alguma coisa por ela, não era possível. Não que eu gostasse dela, afinal ela era minha amiga, mas coisas mais físicas, pensei perturbada com o seu perfume e sua respiração tão perto da minha.
- Ah, sobre a vida, essas coisas de bêbados - deixei escapar um riso estranho.
- Hmm, sei. - Suas mãos estavam sobre minha barriga, conforme me mexia nossa pele se encostava, me causava calafrios.
- Pronta pra nossa viagem então? - tentei puxar assunto.
- É, relativamente pronta - suspirou pertinho do meu ouvido. Estava enlouquecendo com tamanha aproximação.
- Não sei, mas ficar assim é bom - me abraçou mais forte - ficar sem pensar em nada, sentindo esse friozinho da madrugada. É bom esse silêncio né?!
- Engraçado que tava pensando nisso agora mesmo.. Chega até a ser estranho...
- É estranho mas é bom - se aconchegou mais perto de mim.
Mas que diabos essa menina tava fazendo? Pra que ficar tão abraçada em mim? Não, não era possível uma coisa dessas...
Ficamos assim até a escuridão do céu dar lugar à um azul marinho. Começara a aparecer alguns feixes de sol fazendo com que o céu assumisse uma cor alaranjada quando enfim ela voltou a falar.
- Acho que devemos ir né? Acho que o pessoal deve ter apagado lá na sala.
Ah, suspirei em pensamento, foi tão bom ficar aquele tempo sem falar absolutamente nada, só estando perto de Yumi. Senti o vento gelado bater nas minhas costas quando ela entrou no quarto e saiu de perto de mim. Estava tão confortável daquele jeito. Fiquei mais algum tempo olhando o céu ir mudando de cor conforme o tempo passava.
- Espero que você tenha ficado com ela - assustei-me com uma voz vindo atrás de mim. Era Renata.
Apenas sorri - aprendi com você mesma que existem coisas simples que podem ser mais importantes do que grandes acontecimentos.
E sai. Engraçado que enquanto estávamos abraçadas ali na sacada não senti um pingo de sono, mas foi eu ficar sozinha que meus olhos enfim sentiram o peso de uma noite em claro. Voltamos para casa todos em silêncio. Rê, Déia e eu de ônibus, que mesmo estando cedíssimo já estava lotado de pessoas. Várias voltando de festas talvez.
Cheguei em casa e só lembro de ter tirado meus tênis.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Quem avisa amigo (colorido) é.

- Cara, tá na cara que a Yumi é lésbica - falou Rê rindo um pouco alto de mais.
- Porque você tá me falando isso?
- Ué, porque você diz que não sabe se ela é ou não, porque você não chega nela, fica aí se amarrando, sem ficar com ninguém há séculos, reclamando da vida.. - senti um leve cheiro de álcool vindo dela enquanto falava.
- Mas não importa o que ela é ou deixa de ser, ela é minha amiga e pronto.
- Não é possível que você esteja tão amarrada nela a ponto de não perceber as outras pessoas a sua volta - falou ignorando o que eu havia dito.
- Que outras pessoas sua louca? - falei rindo.
- Todas as outras pessoas que não se chamam Yumi - falou ela chegando mais perto - A gente sempre sai, sempre tem meninas te dando bola e você simplesmente finge que não vê.
Não sabia o que dizer.
- Você é mulher, humana, precisa de pessoas físicas também - falou segurando no meu braço. - Sério gata, você precisa sair dessa, ou vai e fala de uma vez o que você acha que deve falar pra essa menina, ou desencana. E - falou interrompendo minha menção de abrir a boca - nem venha me dizer pela milésima vez que você ta de boa assim, sem ficar com ninguém. Você ta perdendo tempo achando coisas que não são. Eu sei que você é uma menina decidida, pude perceber isso em tantas coisas, porque com essa Yumi você também não é? O que realmente que te impede de falar com ela?
- Não sei - falei me assustando um pouco com o seu tom de voz, era sério de mais. Talvez porque estivesse meio bêbada.
- Olha - disse passando a mão pelo meu rosto - você é linda de mais pra ficar na barra da saia de uma menina que nem sabe que você gosta dela...
- Mas eu não gost... - e antes de terminar a frase ela se aproximou da minha boca, olhou nos meus olhos.
- Então não tem problema se eu te der um beijo? - falou sorrindo, ainda muito próxima de mim, senti sua respiração na minha boca.
O que tava acontecendo com ela? Provavelmente era a bebida, pensei.
- Rêzinha - falei tentando me desvencilhar de seus braços.
- Ah Manu, não quero ouvir essas besteiras que você fala.
E antes que pudesse fazer qualquer coisa me beijou, ali mesmo. Tirando o gosto de cigarro, que confesso não gostar, foi um beijo rápido, mas intenso. Fazia tempo que eu não sentia ninguém assim tão próximo de mim. Sua mão da minha cintura passou rapidamente para minha bunda, e a outra me puxava forte contra seu corpo.
- Ai Manu - disse após alguns segundos - desculpa, acho que to meio bêbada - falou sem soltar suas mãos de mim.
Eu sorri, não tinha porque não ficar com ela. Nunca tinha visto Rê por esse ângulo, sempre a via como uma amiga muito fechada para todas as meninas com quem ficava, que nunca abria seu coração para ninguém. Me sentia feliz de poder compartilhas algumas coisas com ela, e de começar, assim como Déia, uma boa amizade. Ela era uma molecona que no fundo escondia uma mulher com vergonha de sair para o mundo.
Nunca achei que poderia beijá-la. Talvez isso já tivesse passado pela minha cabeça, uma ou duas vezes, talvez só porque ela fosse muito bonita e acima disso, uma das pessoas mais inteligentes que já havia conhecido. Mas uma inteligência que não se contabiliza em notas ou conceitos de uma prova. Uma inteligência abrangente, um saber que não se ensina. Ela via o mundo numa simplicidade incrível, e estar ao seu lado era aprender a enxergar todas as coisas que sempre estiveram nos rondando mas que nunca percebemos. Renata era uma menina fácil de se lidar, não para relacionamentos, mas tendo-a como amiga era difícil não saber agradá-la. Eu a via quase como um menino, um amigo do peito, aqueles que você pode ligar às 4h da manhã e ficar chorando ao telefone que ele irá te entender, falar coisas positivas e se precisar, irá até a sua casa emprestar o seu ombro amigo para horas de lamentação.
Déia eu via como uma amiga completa, e Rê como uma parceira pra fazer as coisas. Não falava tanto com ela quanto falava com Déia, mas mesmo assim parecia que ficava subentendido nossa amizade. Por isso achei estranho ela vir me dar um beijo. Tudo isso pensei enquanto sorria, ela apenas me fitava tentando entender o significado do meu sorriso.
- Sério, desculpa - mas ainda estava com suas mãos em mim.
- Não tem o que desculpar - falei sorrindo passando minhas mãos pelo seu rosto - acontece, coisa de bêbado - tentei brincar.
- Mas eu gostei - riu - e agora?
Olhei para os lados, não estava esperando por isso. Senti uma leve excitação e um friozinho na barriga.
Ficamos novamente, não sei por quanto tempo até sermos interrompidas por um barulho que vinha das escadas. Alguém estava subindo. Nos desvencilhamos rapidamente como se estivéssemos fazendo algo proibido.
- Vocês sumiram meninas, ficamos preocupadas - falou Yumi aparecendo no meio da escuridão que estava o quarto - tavam fumando é? - sorriu.
- Não - disse Rê já saindo da sacada - a gente tava conversando. Manu, lembra do que eu te falei - virou as costas e sumiu.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Pré-praia

Já estava dormindo quando meu telefone me acordou. Com os olhos pesados de sono, a luz do celular me impediu de ver quem estava ligando, só pude reconhecer após ouvir o oi vindo do outro lado.
- Oi - respondi meio atordoada ainda de sono.
- Já ta chegando?
- Hãn?
- A gente não ia sair hoje?
- Hoje não, to muito cansada... - falei tentando pensar em outra desculpa.
- Poxa Manu, a gente ia lá na casa do Maurício, lembra? Ele tinha nos chamado...
Porque ela queria que eu fosse? Que saco, pensei suspirando alto.
- O que foi Manu?
- Nada - falei me calando.
Fez-se um silêncio que durou segundos que pareceram uma eternidade.
- Você não ia levar suas amigas, a Déia e a como que é o nome dela mesmo?
- Mas a gente.. - é, tinha me esquecido disso. - É que eu acabei capotando enquanto lia, que horas são?
- Já são quase meia noite Manu, você já tinha que estar aqui em casa pra irmos juntas.
Eu não estava muito a fim de sair junto com ela. Não sei, mas me irritava ela ficar falando que até que enfim iria conhecer essa Jéssica. Que fosse ciúmes, eu tenho direito de ter ciúmes das minhas amigas, não?! Ou agora ciúmes só pode ser relacionado com amantes? (drama, drama, drama)
- Ta Yumi, vo tomar um banho e vou.. - falei já me levantando da cama e esfregando os olhos.
- Ta, tchau - disse com uma voz de nítida insatisfação.
Ela queria que eu pulasse dizendo "Oba, vamos ficar escutando você falando da Jéssica a noite toda"? Será que era isso que ela queria? Pois ia ficar querendo. Mais uma vez anotei mentalmente, parar de ser criança.
Quando desliguei o telefone, Déia me mandou uma mensagem dizendo que elas estavam na frente da república.
Elas subiram e em menos de 15 minutos já estávamos descendo a ruazinha que dava para a estação de trem.
- Bem que essa sua amiga podia nos dar uma carona né?! - disse Déia, enquanto colocava sua cabeça sobre meu ombro - To tão cansada, aquela filha da mãe da professora fez a gente apresentar um trabalho mega gigante no último dia de aula, vê se eu posso com uma coisa dessas??
Ficamos esperando o trem com Déia reclamando de sua professora megera e Rê me enchendo o saco porque eu não ficava com a Yumi.
Chegamos na casa de Yumi a 1h da madrugada, após pegar mais um ônibus que demorou um tempo considerável para aparecer. Carol e Má estavam na frente do prédio nos esperando.
- Oi meninas, enfim vou conhecer a Déia e a Rê que você tanto fala Manu - disse Carol abrindo um largo sorriso, enquanto Má fechava sua cara.
Apresentei rapidamente as meninas (Má ainda de cara fechada), e não me contive perguntando onde estava a Dani.
- Ela tava discutindo com a mãe dela, a gente resolveu que seria melhor esperar vocês aqui embaixo - Carol deu com os ombros.
Conversamos uma ou outra coisa, Carol descobrira que Déia estudava com seu primo (também gay). Após isso ficamos sem assunto, fez-se um silêncio muito constrangedor. Ou talvez só eu tivesse percebido isso. Má puxara Carol para um lado e pelos seus gestos parecia xingar Carol por algum motivo, provavelmente ficara com ciúmes da Déia, sabe-se lá porque.
Já era quase duas horas da manhã quando Yumi apareceu no portão.
- Aquela fdp não vai me emprestar o carro! - falou bufando passando por mim e pelas meninas indo em direção a um poste, virando-se novamente para nós, escorando-se nele - A gente vai ter que ir de ônibus ou rachar um táxi, que saco.
- Não fica assim menina - falou Carol - ninguém aqui é menina de apartamento que não possa pegar um ônibus - Má fechara a cara mais ainda.
Fiquei pensando que Má tinha cara de nunca ter pegado um ônibus na vida.
Após novo momento de silêncio, foi decidido que Yumi, Carol (depois de muito brigar com Má que insistia a sua companhia), Má e Déia iriam de táxi, e que eu e a Rê iríamos de ônibus. Fomos todas até o terminal de ônibus que ficava duas quadras abaixo da casa de Yumi.
Chegamos depois das 3h na casa de Maurício. Demorou cerca de 15 minutos para abrirem a porta para nós.
Yumi que abriu.
- Nossa tava preocupada com vocês - disse enquanto me dava um abraço forte e demorado. Seu cheiro me dava borboletas na barriga.
Dando apenas um aceno com a cabeça para Rê, fez sinal para entrarmos.
Havia poucas pessoas, Paulinho e Leandro, Maurício e mais um rapaz loiro que nunca tinha visto, Cássia e o namorado (esta Cássia era uma amiga dos meninos), uma menina linda de cabelos muito negros, e olhos que pareciam ser duas jabuticabas que havia reconhecido da faculdade, se chamava Adriana, Thiago que parecia ser um modelo, alto, esguio, tinha um Black Power, e mais uma menina que eu não conhecia loira de cabelos encaracolados que parecia cochilar no sofá.
- Luiz, Cássia, Juliano, Adriana, Thiago e Michele que capotou faz alguns minutos - disse Paulinho nos apresentando para todos - esse é o pessoal que vai pra praia com a gente.
- A Michele é praticamente minha irmã - disse Carol cutucando-a para ver se ela acordava mas vendo que seu esforço só serviu para fazê-la resmungar algo inteligível, apenas sorriu.
Tivemos uma conversa amena sobre como iríamos para praia. Maurício e Yumi iriam de carro, como iriam 12 pessoas (suspeitei que Maurício e seu namorado haviam terminado, pois ele não estava presente e nem ele havia citado seu nome), duas pessoas precisariam ir de ônibus, Renata e eu apenas nos olhamos, ela concordou com a cabeça.
- Então eu e a Rê vamos - falei visto que ninguém havia se manifestado.
- Não, vocês vêm comigo - disse Yumi.
Se iniciou um leve burburinho entre todos.
- Não, sério - falei mais alto para pararem de falar - eu e a Rê vamos, não tem problema.
- É não tem problema - disse Rê tentando fazer com que nos ouvissem.
Ouvi Má dizendo que não iria por hipótese alguma de ônibus, que a gente que se virasse, afinal ela era a namorada da dona da casa.
Após terminarmos de combinar como faríamos, fui para a sacada do quarto de Maurício. Sua casa era enorme, ainda morava com os país, mas eles quase nunca estavam em casa. Seu quarto era maior do que a casa da tia Med, calculei, tinha muitos posters pelas paredes, um violão atirado num canto, muitas roupas jogadas pelo chão, a cama ainda estava desarrumada. Me escorei no parapeito da sacada e fiquei sentindo o ventinho gelado da madrugada no meu rosto. Senti alguém passar por trás de mim.