sexta-feira, 31 de julho de 2009

Estranhas coincidências

Chegamos ao bar e como sempre estava muito lotado. Muita gente bonita, mas em compensação, muita gente estranha também. Normal, mais uma sexta-feira à noite. Enquanto aguardávamos na fila, Yumi e Jéssica não se desgrudando, Carol e Má sem parar de discutir, Déia ainda arrumando a maquiagem, e Renata sumindo em meio à multidão, pois encontrara pessoas conhecidas, percebi um rosto passando por mim. Olhei mais atentamente, sorrindo para mim mesma. Era uma menina muito bonita que havia descido do ônibus junto com Micheli, lá na praia. Aquela que pensei ser a tal amiga de Micheli e que no fim era apenas mais uma passageira do ônibus. Forcei um pouco os olhos para ter certeza de quem era. Anotei mentalmente que precisava descobrir o seu nome, e quem sabe seu endereço futuramente. Sorri - cafajeste. Sim, as coisas poderiam voltar à sua normalidade. Assim esperei.
- Pra quem você ta olhando com essa cara de cobiça? - senti Déia me perguntando ao pé do ouvido.
- Eu? - me fiz de desentendida.
- Você - sorriu gentilmente.
- Cinco da tarde - falei tentando não mexer a minha boca.
- Que?
- Cinco da tarde.
- Que porcaria é essa de cinco da tarde?
- Você não conhece? - perguntou Jéssica se intrometendo na conversa após sair de um longo beijo com Yumi.
- Que? - voltou-se para ela ainda sem entender.
Após explicar que isto era uma maneira de mostrar alguém ou alguma coisa a partir dos ponteiros do relógio, Déia enfim olhou em direção à menina, porém ela já não estava mais lá.
- Você achou que ela ia ficar te esperando? - falei um pouco braba - tenho que falar com essa menina, eu a vi lá na praia, sério, muito linda!
- É?
- Sim, perfeita - falei me animando um pouco.
- Quem? - foi a vez de Yumi se intrometer.
- Não sei, a Déia é pamonha de mais, me fez perder a menina de vista.
- Uma menina?
- Sim!
- Onde?
Déia e eu rimos, parecíamos loucas.
Entramos com certa dificuldade. Muita gente bêbada, muita gente fumando, muita gente se pegando, tudo impedia qualquer tentativa de caminhada. Pedimos uma cerveja bem gelada, que apesar do frio na rua, estávamos morrendo de calor. Novamente avistei a menina-bonita-da-praia passando. Desta vez não iria perdê-la de vista.
- Manu - senti uma mão me puxando - essa aqui é a Marta, minha colega da psico - sorriu Carol me dando uma piscadela.
- Oi, Marta - dei um beijo em sua bochecha.
Voltei rapidamente meus olhos para a direção da menina-bonita-da-praia, porém novamente ela havia sumido do meu campo de visão.
- Oi Manu - sorriu. Ela não me era estranha. Fiquei pensando de onde eu conhecia aquela menina.
Marta ficara sem assunto, e Carol logo tratou de falar qualquer coisa sobre como o bar estava cheio, que a música tava ruim, se nós não estávamos a fim de subir e ir a um lugar um pouco mais reservado. Fui empurrada gentilmente por ela para que saíssemos dali. No caminho fui procurando com os olhos qualquer vestígio da menina-da-praia, mas nada. Quando achava que estava vendo, Carol me puxava com um pouco mais de força, me empurrando para que ficasse mais perto de Marta.
- E aí, o que você achou dela?
- Mas Carol, eu nem conversei com ela, como vou saber?
- Mas ela é gata né?!
- Sim, ela é bonita.
Era ruiva, tinha cabelos encaracolados bem compridos. Tinha olhos claros, e seus lábios eram muito grossos. Era no mínimo diferente. Só que havia alguma coisa de errada no seu sorriso, alguma tristeza encravada, quase distante.
Sentamos em uma das poucas mesinhas que estava livre.
- Vou buscar uma cerveja pra você Marta - disse, pegando a Má pela mão e levando-a consigo nos deixando sozinhas.
Ambas perceberam a jogada de Carol. Ela riu encabulada, eu ri ainda com o canto do olho tentando encontrar a menina-da-praia.
- Então você faz publicidade...
- É - falei meio desatenta. Seria sacanagem com a menina não lhe dar atenção. Postei meus olhos novamente para os dela. Ela tinha alguma coisa muito profunda escondida, talvez alguma tristeza. Só podia ser isso.
- E você é colega da Carol?
- Não, quer dizer, mais ou menos, eu sou veterana dela.
- Ah, que legal.
- Sim, gosto muito delas... - ela hesitou nesse momento.
- Eu também acho que a Má é meio inoportuna às vezes - soltei rindo.
Ela concordou rindo também.
- Eu conheço a Carol há um bom tempo, nunca vi as duas sem brigar, juro para você - ainda completou vendo minha cara de descrença.
- Eu não sei como conseguem namorar desse jeito.
- Mas elas se gostam, isso que é o mais louco de tudo.
- Sim, só com muito amor pra aturar a Má - ela riu.
- Pelo visto você não acredita muito em namoros né?! – me perguntou.
- Ta tão na cara assim?
- Mais ou menos - sorriu.
- E você acredita?
- Mais ou menos - continuou a sorrir.
- Acredito no amor, não no namoro.
- E você acha que eles conseguem se distanciar tanto assim?
- O amor e o namoro?
- Sim.
- Eles por si só não...
- Mas...?
- Mas quando você namora e ama sim.
Ela me olhou enigmática.
- Não vai querer me analisar agora né? - falei brincando.
- Você deixaria eu te analisar agora? - falou se aproximando de mim.
Inevitavelmente eu ri. Ela sorriu de volta. Olhei para os lados em busca de qualquer coisa, dei de cara com Yumi e Jéssica que se aproximavam trazendo duas cadeiras consigo.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

De volta a volta

- Então ta tudo bem com vocês agora?
- Agora sim, conversamos um pouco.
- Um pouco? Pelo que eu entendi vocês passaram a noite toda juntas.
- Sim.
- E não fizeram nada?
- Como nada? A gente ficou conversando.
- Não te faça de bobinha Manu, pegou ou não pegou?
- Ai como você fala dela desse jeito, como se fosse uma coisa qualquer.
- Sim ou não Manuela?
- Claro que não né Déia!
Renata apenas acompanhava nossa conversa pelos seus olhos que condenavam estar prestando atenção.
- Não entendo porque você é tão fresca e demorada Manu, você já ficou com todo mundo menos com ela, não sei o que tanto espera.
- Mas ela tem namorada.
- E que importa?
- Importa que ela gosta dela.
- Gosta? Duvido muito.
- Você acha?
- Não interessa o que eu acho, me ajuda a fechar aqui - virou-se de costas para mim para eu fechar sua blusa - o que interessa hoje é que você vai sair desse zero a zero.
- Quem disse que eu to no zero a zero?
Déia voltara-se para Renata, ainda em silêncio.
- Você precisa conhecer pessoas novas Manu.
- Eu sei - falei me arrependendo, talvez eu estivesse sendo um pouco rude falando essas coisas com a Renata ali na minha frente. Mas ela parecia não se importar muito com isso.
- Hoje eu não vou dormir em casa - falou surpreendentemente Renata.
- Vai dormir onde, posso saber? - perguntou Déia passando lápis no seu olho.
- Ainda não sei - riu-se de si mesma.
- E a Malu?
- O que tem ela?
- Ela vem?
- Sei lá, ela ta namorando uma menina aí.
- Ta todo mundo namorando ou é impressão minha?
- Não querida Manuzinha, só nós três estamos encalhadas.
- Mas você quer namorar? - perguntei incrédula.
- Claro que não - sorriu. Rimos as três. Enfim tudo aos poucos voltava ao normal.
Tocou a campainha, era Yumi e as meninas - Jéssica, Carol e a cara fechada de Má.
- E ai meninas mais lindas deste país, prontas? - falou Carol com um sorriso sempre muito simpático para todas.
- Carol, agora que está tudo muito bem resolvido e informado, você bem que podia me apresentar alguma amiguinha né? - falei me aproximando dela com um sorriso - ouvi dizer que as meninas da psico são as melhores - olhei para a Má brincando. Como se fosse possível ela conseguiu fechar mais um pouco sua cara.
- E são mesmo, pena que não são todas que dão o seu devido valor a elas - olhou cansada pra Má - mas eu tenho uma amiga sim pra te apresentar.
- Sério? - Yumi perguntou se intrometendo.
- Sim! - se aproximou de mim - eu mesmo ia dizer isso, a chameiela pra ir lá com a gente, ela disse que vai aparecer. Mostrei o teu orkut pra ela, ela te achou bem gatinha.
- Ah!, mas não era pra ser assim tão milimetricamente calculado.
- Mas não foi você que disse que é um jogo de estratégia? - Yumi voltou-se para mim.
- É, mas quando eu dito as regras.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Xadrez

- Desculpa - quebrou o silêncio.
- Pelo que?
- Por tudo, eu sei, eu fui uma idiota, é que sei lá, não sei o que me deu, e quando vi foi tudo aquilo, desculpa mesmo - falou muito rápido, sem ousar a me olhar nos olhos. Mexia no cadarço do tênis.
Sorri satisfeita.
- Tudo bem, eu também fui muito idiota com você.
- Foi mesmo.
- Brigada, pisa em mim, aproveita que eu to impotente mesmo - falei fazendo beiço.
- Ah, olha o drama Manu.
- Drama?
- Não... Eu sei que isso é importante pra você, mas drama por você achar que eu to... enfim, você entendeu - se enrolou. Era engraçado vê-la assim, novamente perto de mim, tentando se explicar.
- Eu só não entendo porque nunca havíamos conversado sobre isso antes.
- Eu também não.
- Mas você achava que eu...
- Sim, sempre achei.
- E porque nunca me perguntou nada?
- Porque eu não acho que isso seja coisa a ser perguntado, não é como você perguntar qual é a comida preferida da pessoa... - sorriu ainda olhando para os seus pés.
- Eu sei, mas me pergunto como a gente nunca chegou nesse assunto.
- Eu nunca cheguei nesse assunto com você porque não quis, porque pensei que talvez você fosse se sentir invadida, sei lá, você é do interior.
- Mas eu sempre andei com vocês.
- Ué, mas isso não quer dizer né?!, não foi você mesma que me falou do Luiz... Aliás, o Luiz - sorriu enfim voltando seus olhos para mim.
- O que tem ele? - perguntei já imaginando sua resposta.
- Ele ficou muito triste, coitado, não dá uma dentro.
- Como assim?
- Ah, sempre que chega uma menina nova para o grupo ele acha que ela vai ser diferente, que ele vai ter chance, coitado.
Ri.
- Mas ele realmente achou que eu ia gostar dele?
- Nossa que maldade.
- Não... To falando porque sei lá, nunca demonstrei nada, de onde ele tirou isso?
- Ué, você era a única menina que poderia ficar com ele, ele era o único menino que poderia ficar com você, ele usou a lógica.
- A lógica dele tava errada.
- Que bom - falou baixinho.
- Que bom por quê?
- Ah - ela ficara constrangida - sei lá.
- Hm - fiquei olhando-a sem falar mais nada. Me divertia com o seu constrangimento.
- Enfim, eu sei que no final do ano tem praia de novo, e eu vou estar lá e você também, né?!
- Vou?
- Claro.
- Mas isso é um convite?
- Não, é uma intimação!
- Então eu vou...
Ficamos novamente em silêncio. Não queria pensar em Patrícia, tentei puxar um assunto qualquer, mas como sempre, o primeiro que me viera à cabeça foi Jéssica.
- E como vai o seu namoro?
- Ah, como eu te disse no carro, ta indo.
- Mas vocês tão se vendo sempre?
- O suficiente pra minha mãe começar a suspeitar.
- Mas suspeitar de que?
- Ah, não sei, ela é louca. É que a gente se fala todos os dias no telefone.
- Mas eu também falo todos os dias com você no telefone e a tua mãe nunca achou que eu fosse alguma coisa tua.
- É, mas ela dorme na minha casa direto.
- Mas eu também dormia direto lá na tua casa e ela nunca falou nada.
- Eu sei, mas é diferente.
Sim, pensei, era diferente, eu não era nada de Yumi. Aliás, eu era, eu era uma amiga qualquer que lhe dava atenção quando precisava, triste constatação.
- Eu sei.
- Pois é.
- Enfim...
- É... Mas e você e a Renata?
Soltei uma risada involuntária.
- Eu e a Renata?
- Sim, não sei pra que esse riso.
- Porque não existe eu e a Renata.
- Como não? - deixou escapar um sorriso.
- Não existindo, simples assim.
- Mas vocês não tão ficando?
- Ficamos, sei lá, mas não ficando no sentido ficar.
- Então o que?
- Eu dei uns beijinhos nela, só isso.
- Mas não ta dando mais?
- Ah, não sei, não posso prever o futuro né?!
- Hmm - desfez um pouco o sorriso.
- E outra, eu não sou muito de ficar só com uma pessoa assim, me sinto meio presa.
- Então você ta ficando com outras pessoas, é isso?
- Não!
- Porque você não me conta as coisas?
- Mas que coisas que eu tenho pra te contar?
- Não sei, que coisas você tem pra me contar?
- Sei lá.
- Porque tudo bem que você não me contava nada porque achava sei lá porque que eu não entenderia se você me dissesse que gostava de meninas... Mas agora que eu sei, me conta tudo que eu não sei - sorriu.
- Bom vamos ver... Não tenho nada pra contar, minha vida ultimamente anda meio assim mesmo, sem muitas cores.
- Mas não é possível que você não esteja interessada em ninguém.
Tive medo que meu sorriso me delatasse.
- Ué, eu fiquei com a Renata.
- Então você gosta dela.
- Não! Mulheres são muito complicadas pra se gostar.
- Mas como você faz então?
- Não sei, não faço nada - sorri. Realmente eu precisava conhecer pessoas novas - não apareceu ninguém que me fizesse ver cores – menti um pouco desolada. Ela concordou em silêncio, voltando a olhar para seus tênis.
- Mas enfim, eu sei que final de semana que vem vou me acabar - tentei forçar mais um sorriso, inevitavelmente lembrando de Patrícia.
- A Jéssica vem pra cá final de semana que vem.
- Mas ela não tava vindo direto pra cá? Porque ela não ta aqui hoje?
- Ah, sei lá.
- Você é muito estranha...
E linda. A sua simplicidade era bonita. Era uma beleza simples, assim como Patrícia.
Estávamos sentadas ainda na praça de alimentação, com os pratos vazios a nossa frente.
- Às vezes eu penso que não sou uma pessoa para namorar também - falou.
- Por quê?
- Porque encho o saco das pessoas muito rápido.
Apenas ri.
- E sei lá, não sinto aquela coisa sabe? Eu esperei de mais pra ficar com ela e agora nem é tudo isso.
- E eu continuo me perguntando por que você ainda está namorando com ela.
- Porque é fácil.
- Que mania que você tem, não acho que seja fácil namorar com uma pessoa que mora em outra cidade.
- É mais fácil do que você imagina... Só que mesmo de longe ela consegue me sufocar e isso me irrita.
- E você já falou alguma coisa com ela?
- Claro que não né?!
- Porque não?
- Porque ela é minha namorada, acho que ela não gostaria de ouvir isso.
- Mas justamente por ela ser a tua namorada que você deve falar as coisas.
Inevitavelmente a Patrícia aparecia em minha mente. Yumi cortou meus pensamentos.
- Mas não é assim que se trata mulher.
- Você fala como se eu não soubesse tratar bem uma mulher.
- E não sabe mesmo.
- Como não?
- Ué, não sabendo.
- Claro que sei, eu sempre te tratei bem.
- Ah, mas eu sou tua amiga.
- Sim, mas ainda assim uma mulher.
- Mas namoradas querem flores, amor, carinho, amigas querem um ombro e um par de ouvidos à disposição.
Sorri.
- Na verdade que namorar é tudo um jogo de estratégia. E quando se namora com uma menina então, você precisa planejar cada jogada, porque se não, bum, cheque mate. Ela descobre alguma coisa, ela encobre alguma coisa. Cada palavra que você diz precisa ser muito bem pensada, porque se não ela vira o tabuleiro, atira tudo pro alto, acaba com você ali mesmo, com as tuas próprias peças do jogo. É por isso que eu não entendo como pode ser fácil namorar Jéssica.
- É fácil porque ela me entende.
- Por enquanto...
- Mas é por enquanto que eu to namorando né?!

terça-feira, 28 de julho de 2009

O crime

Cheguei com certa dificuldade na casa de André, nunca havia ido a pé para sua casa. Foi difícil encontrar o número de seu prédio, mas quando o avistei reconheci algumas pessoas ali na frente, mas nada de Patrícia. Beto estava ansioso.
- Até que enfim você chegou, cadê a sua mulher? - disse isso muito rápido, entre dois beijos na bochecha, me levando pela mão para dentro do prédio - vamos todos, ele já deve estar chegando.
- A Pati ainda não chegou?
- Não, eu pensei que ela viria junto com você! - abriu a porta do apartamento, muito bem decorado, deixando que todos os convidados entrassem. Já havia algumas pessoas esperando, havia uma mesinha com um bolo em cima e alguns salgadinhos. Fizeram uma espécie de festinha de criança, com balões, faixas, pomponzinhos. Tudo muito André.
- Ela viria, mas a mãe dela... - me calei. Ele consentiu.
Dei oi para o Marcelo e para a Cláudia, eram os únicos na verdade que eu conhecia. Ajudei ainda a colocar os copinhos da Barbie (sim!) na mesa, deu o tempo do porteiro avisar que o André estava subindo. Todos se esconderam. Nada de Patrícia. Apagamos a luz. Aguardávamos em silêncio qualquer manifestação de barulho de André. Ele demorou mais do que o esperado. Abriu a porta. Quando acendeu a luz todos cantaram aquela maldita musiquinha "parabéns a você tra lá lá". Foi engraçado porque ele interpretou muito bem que estava surpreso de verdade com aquela festa. Depois de canto, ele disse que já sabia de tudo, mas que não ia deixar seu amor, o Beto, triste. Já o meu amor, a Patrícia, ainda não havia dado nenhum sinal de vida. Já passava muito tempo depois da meia noite quando enfim tocaram a campainha novamente. Meu coração pulou forte, esperava (e muito) que fosse Patrícia, afinal já fazia um dia (inteiro) que não nos víamos, estava preocupada e mais do que isso, com muita saudade. Era estranho sentir tanta saudade e tanta vontade de ficar com uma única pessoa. Aquela coisa que vinha de dentro de não querer desligar o telefone, de nunca ser a hora certa de dar tchau, de querer estar sempre junto dela. Era estranho me sentir tão presa a sua presença. Mas era assim que eu me sentia, presa. Completamente presa pela pessoa Patrícia. Independente do que ou onde, precisava estar perto dela, nem que fosse para ficar olhando-a. Isso era estranho, pois não gostava de me sentir presa em nada, gostava muito daquela sensação de liberdade, por isso que nas tantas vezes que Patrícia tocava no assunto "namoro", eu mudava rapidamente para esportes, televisão, último filme em cartaz, qualquer coisa que me livrasse daquela quebra de liberdade. Mas naquele instante eu não estava nem aí para minha tal liberdade, para a prisão que eu estava entrando cada dia que ficava mais um pouco com Patrícia. Eu queria justamente aquela prisão, aquele se perder olhando para uma pessoa, aquilo que só aquilo já bastava. A porta demorou para ser aberta, talvez André não tivesse ouvido tocar. Talvez ele estivesse fazendo de propósito abrir tão devagar, pois sabia da minha angústia. Quando enfim a porta se abrira avistei Patrícia sorrindo, com seus cabelos esvoaçantes, quase uma propaganda de Shampoo. Sorri satisfeita, era minha. Ela dera oi para todo mundo antes de vir em minha direção, quando enfim chegou perto de mim pude sentir seu perfume vindo junto com ela. Cheguei a fechar os olhos de êxtase. Ela estava simplesmente linda. Nunca havia visto de vestido e salto alto, parecia uma princesa. Ela mal abrira a boca para se explicar pelo atraso, logo se calara em meio aos meus beijos. Estava fascinada.
No final da festa estávamos só nós quatro, os de sempre, Beto e André num sofá, e Patrícia e eu no outro, olhávamos qualquer coisa na televisão. Eles bebiam um vinho que Beto havia trazido da Itália, quando fora na semana passada, nós uma batida estranha que André havia preparado que tinha mais gosto de tudo do que de abacaxi que de fato era. André estava radiante com aquela noite, por mais que já tivesse suspeitado da surpresa, no fim ele confessara ao Beto que ficara por alguns segundos triste, aquilo fora a coisa mais maravilhosa que já haviam feito pra ele.
- Eu nunca ganhei uma festa surpresa também - falei, engolindo mais um gole daquela bebida estranha.
- No seu aniversário a gente faz uma festa surpresa então - riu-se André.
- Mocinhas, vocês vão dormir aqui?
Nos olhamos, já era tarde, provavelmente pegaríamos um táxi para ir para casa, mas aquela hipótese de dormir com ela sem Tia Med e Dona Amélia por perto era tentadora de mais.
- Não, que isso... Não queremos atrapalhar vocês.
- Imagina, coloquem um colchão aqui na sala, fiquem a vontade.
- Não, não... - falava sem vontade Patrícia.
- Claro que sim! - afirmou André - está muito tarde para vocês irem.
- A gente pega táxi - já estava me irritando por Patrícia querer ir para casa.
- Que táxi o que menina, você está louca? Gastar dinheiro a toa se pode ficar aqui de boa com a sua namorada?
Houve alguns minutos de silêncio. De onde André tirara a ideia de que éramos namoradas? Beto o olhou rapidamente tentando entender aquele comentário. Beto na verdade era o único que parecia entender a minha posição, pois inacreditavelmente ele nunca tocara nesse assunto comigo, mesmo quando todos estávamos falando sobre relacionamento. Talvez ele não falasse, pois não tinha tanta intimidade comigo, mas achava que não. André sempre nos dava indiretas e eu sempre saia pela tangente. Desta vez não ia ser diferente.
- Não posso Dé, minha mãe pensaria que eu estou dormindo na casa do meu namorado - frisou o último o do namorado. Me olhou pelo canto do olho, talvez se deliciando com o meu pânico da palavra namoro.
- E o que tem?
- O que que tem é que ela vai achar que eu e você realmente estamos namorando.
- Mas qual é o problema nisso, assim a sua vida e a da Manu, né Manu - se virou para mim - vai ficar muito mais fácil.
- Você acha?
- Tenho certeza, assim vocês podem vir dormir aqui em casa quando quiserem.
- Mas tem um problema.
- Qual?
- Ela vai querer te conhecer, querer te apresentar para toda a família, afinal você é o homem que está tirando minha virgindade - sorriu ficando levemente corada.
- Que nojo - brincou rindo - e qual é o problema? - falou levantando parando-se na nossa frente erguendo sua mão em direção à Patrícia - venha comigo madame - curvou-se fazendo uma reverência muito exagerada.
- Para com bobice Dé, to falando sério,
- Eu sei me comportar como um hetero querida.
- To vendo pela sua voz - deliciou-se.
- Menina, você acha que eu não consigo, aposto o que você quiser que eu consigo.
- Nossa, isso é uma posta muito boa para ser negada assim - falou levantando e ficando ao seu lado. Saíram caminhando levantando as pernas muito altas, como se estivesse marchando em um casamento. Todos riram um tanto quanto embriagados.
Por mais que fosse engraçado tudo aquilo, os pensamentos de outrora voltaram. Eu é que deveria estar indo na casa de Patrícia para apresentar-me para a sua família como sua namorada, e não o André. Era para minha casa que ela deveria estar indo agora depois da festa, e não ficar clandestinamente, como se novamente estivéssemos cometendo um delito. Era triste pensar nisso. Enquanto eles brincavam que eram um casal "normal", eu desejava por tudo que aquilo que a gente tinha pudesse um dia ser visto assim, com tanta normalidade, com indiferença. Mas era trágico de mais, era pecaminoso de mais, era proibido, era escondido, era um delito de fato. Patrícia vendo o meu silêncio se aproximou novamente de mim. Me perguntou baixinho, perto do meu ouvido se estava tudo bem. Sorri meio sem força e disse que sim.
- Bom meninas, a gente vai dormir - disse André se desvencilhando das várias mãos de Beto, ele parecia um polvo.
Patrícia sorrira maliciosamente para ele. Entendi. Foram para o quarto e nos deixaram em um colchãozinho na sala. A sala era grande, suas janelas era de vidro muito grande, o que fazia com que toda a luz da rua entrasse no cômodo. A lua iluminava o ambiente. Conseguia ver todos os seus traços de seu corpo perto do meu. Nos olhamos por longos minutos do mais puro silêncio. O silêncio que precede o crime. Que cometêssemos então o crime da qual éramos culpadas. Que cometêssemos o amor.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Feliz aniversário

- To pronta, cadê você meu amor?
- To quase, em 15 minutinhos eu chego aí.
- Você me disse isso faz meia hora Pati.
Riu um pouco nervosa - é que minha mãe - abaixou a voz - ta me enchendo o saco, porque ela acha que o André, sabe?
- Sei amor.
- Pois é, ela quer que eu me arrume toda, e você sabe que eu não gosto dessas coisas - riu novamente.
- Sei.
- Ela quer que eu use vestido Manu - falou manhosamente.
- Eu nunca vi você de vestido, deve ficar linda - sorri para mim mesma.
- E salto alto.
Soltei uma risada gostosa. Não cabia a imagem de Patrícia, uma menina que jogava futebol com os meninos, que andava de calça jeans surrada, pudesse usar um vestido e salto alto.
- Vai ficar linda, só anda logo que a festa dele é pra ser surpresa, fica chato nós chegarmos depois dele né?!
- Eu sei, mas esse vestido ta justo de mais - continuou rindo - ai, minha mãe, tchau.
- Tchau.
Depois de mais vinte minutos de espera, o telefone novamente tocou. Ouvi algum resmungo da minha tia, subi o quarto para poder falar melhor com Patrícia.
- Você está vindo? - perguntei.
- Como você sabia que era eu?
- Porque você já deveria estar aqui.
- Acho melhor nos encontrarmos na casa dele mesmo, vou me atrasar mais um pouco, minha mãe...
- Não acredito, eu estou te esperando faz um tempão pra isso? Você ir sozinha?
- Manui... - abaixou a voz - desculpa, mas minha mãe ainda está me enchendo o saco... Sabe como é, faz parte do jogo né?!
Sim fazia parte do jogo. Esse jogo sujo que jogávamos. Esse jogo que nenhuma das duas gostava, mas que éramos obrigadas a jogar. Obrigadas no sentido de que eu não tinha nada a perder em expor nossa relação, minha tia não dava a mínima para o que eu fazia ou deixasse de fazer. Para ela eu era apenas alguém que coabitava a sua casa, pois assim que eu fizesse 18 anos (coitada) eu iria sair e viver a minha vida bem longe dela. Já Patrícia tinha todo o apoio de sua família abalado se no fim eles ficassem sabendo de nós. Pelo menos era isso que achávamos que aconteceria quando descobrissem nosso crime. Fui pensando em todas essas coisas a caminho da casa de André, o tal namorado da minha menina. No fim éramos nós que deveríamos estar ganhando parabéns, afinal nos escondíamos com unhas e dentes de todos e de tudo, entranhadas apenas com o nosso amor, aquele amor puro e sujo ao mesmo tempo. Que merda de vida era aquela que vivíamos, tendo que usar o André para ilustrar o nosso relacionamento ao invés de simplesmente chegar na casa de Dona Amélia, e ir buscar a sua querida filha pela mão, levando-a para a festa.
Doce ilusão. Que seja doce então. A ilusão, o André, o nosso amor, enfim que seja um parabéns para nós.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Mais uma vez afim

- Mas a gente precisa mesmo ir?
- Claro né Manu, é o aniversário dele!
- Mas... queria ficar com você.. - tentei puxá-la inutilmente.
- Pára, Manu - ela não conseguia desfazer seu sorriso.
- Ok, ok. Mas é amanhã, não sei por que você não vem e deita aqui ao meu ladinho - bati com a mão no colchão, acenando com a cabeça.
Ela sorriu.
Já estávamos a duas horas naquele impasse. Quando a coisa ia, aquela coisa que não acontecia, mas que a todo momento voltava e pedia para que acontecesse, alguém chegava, ou acontecia outra coisa, mas acontecia alguma coisa. Várias coisas.
- Não! Você vai ficar bem longe de mim, precisamos estudar Manu.
- Vem estudar aqui ao meu ladinho, vem? - tentei novamente pegar sua mão, mas ela foi mais rápida e se desvencilhou de mim mais uma vez.
- Não Manu - no canto de sua boca havia um sorriso tímido. - Nós precisamos estudar meu amor, agora fique quieta aí, matemática.
- Eu não quero saber de matemática, quero saber de você.
Me levantei da cama e fui em sua direção decidida. Passei meus braços sobre os seus que tentavam inutilmente me empurrar para longe, ela rapidamente se deixou levar pelo meu abraço e meus beijos. Empurrei-a contra a cama, seus joelhos se dobraram, caímos deitando. Ela tentava me empurrar com suas mãos, apesar do seu sorriso inevitável entre nossos beijos. Segurei seus braços acima de sua cabeça, o peso do meu corpo sobre nossas mãos a imobilizava. Ela sorriu vencida me olhando nos olhos.
- O que você quer Manuela? - seus olhos eram cúmplices da nossa vontade mútua.
Olhei para sua boca, seus lábios tão ali para mim, seu pescoço que descendo chegavam à sua blusa, seu decote, seu tudo. Agora era eu que estava vencida pela sua beleza e pela minha vontade. Ela sorriu de volta, se entregando para mim. Mas nada disso foi dito, nada disso poderia se quer ser dito. Mas tudo, tudo mesmo, era sentido. No seu sentido mais puro que poderia ser. Mas como sempre era, também era impossível que qualquer coisa acontecesse. Pois foi assim que não aconteceu então, mais uma vez para a tristeza e irritação de ambas. Ela saiu pelo lado da cama, me olhando com um ar de raiva, como se eu tivesse culpa que sua mãe batia vorazmente a porta.
- O que vocês estavam fazendo meninas? - perguntou nos olhando atenta.
- Estudando mãe, como sempre estudando - mas Patrícia não ousava a olhar para sua mãe, ela voltava a sentar na sua mesinha, onde lá estavam pousados vários livros de matemática.
- Hmm - desconfiou. Não sei precisamente do que, pois ela não poderia saber que éramos namoradas, ou sei lá-o-que. Que tínhamos enfim alguma coisa, pois para ela... Ah sim, o André.
- Tia, amanhã é aniversário do André - falei tentando desfazer aquele olhar severo de Dona Amélia sobre nós. Instantaneamente ela abrira um sorriso satisfeito.
- Aé Patizinha (era assim que ela a chamava quando queria alguma coisa), você nem me contou que seu namoradinho estava de aniversário.
- Mãe, ele não... - mas Patrícia se calara. Era melhor deixar que sua mãe continuasse achando que eles estavam juntos, pelo menos assim não corria o risco dela descobrir qualquer coisa sobre nós. Vi que seus olhos estavam tristes, era ruim negar para sua mãe, a pessoa mais importante da sua vida, tudo que tínhamos. Era triste negar o que tínhamos, uma das coisas mais importantes que existia na nossa vida, para a pessoa mais importante da sua vida. Era triste no fim. E era irremediável por enquanto. Então que André fosse seu namorado, pois seria pior se Dona Amélia descobrisse qualquer coisa, (falsa) puritana do jeito que era, religiosa do jeito que era, não, sua filha não poderia ser por hipótese alguma lésbica. Ou os tais nomes feios que ela falava quando surgia esse assunto na mesa, ou na sala olhando televisão.
- Você vai ir né?!
- Claro mãe - falou com um sorriso chocho.
- Que bom minha filha, e você nem tem uma roupa bonita para ir, o que os pais dele vão pensar?
- Vão pensar que eu sou assim e que não tenho porque ficar me enfeitando para estar junto dele - ela me lançou um olhar baixo. Via essa sua tristeza, e essa tristeza me deixava triste. Não gostava de vê-la assim, tendo que inventar histórias em cima de histórias para esconder nosso relacionamento. Esconder. Me sentia como uma fugitiva, como se tivesse cometido o pior erro que alguém poderia cometer. Esse crime que era amar. Então nos escondíamos atrás de um cara, o André. O cara mais gay que a gente já havia conhecido. Mas que fosse ele o seu namorado. E era isso que Amélia acreditava. Era isso que ela queria, era isso que a gente então confirmava.

Os outros

Já estávamos em meados de março. Fazia força para esquecer Cátia e qualquer coisa que pudesse remeter a ela. Chegara a um ponto que havia pensado em deletar meu orkut, pois a menina insistentemente queria falar comigo. Apaixonara-se por mim, coitada, pensava triste. Eu no fim era cafajeste em dose tripla. Com Patrícia, com Cátia e (principalmente) comigo mesma.
- Oi meu amor - ouvi bem pertinho do meu ouvido. Era Patrícia. Ela especialmente linda naquele dia. Seus olhos brilhavam fundo, lá no fundinho. Era especial, era isso. Linda e especial. Me apaixonei naquele momento por ela novamente. Como era bom quando isso acontecia, redescobrir aquela mesma pessoa de um nova maneira, se encantar pelas mesmas coisas que conseguem magicamente se transformar nas ainda mesmas coisas, só que mais belas. Era assim que eu me sentia, mais apaixonada ainda, pela menina que cada dia ficava mais bela. Talvez ela estivesse mesmo ficando mais bela, afinal estávamos crescendo. Depois daquela fatídico janeiro do Rio, não desgrudávamos mais. E aqueles episódios como no cinema, no escuro, começavam a se repetir com maior frequência. A segunda vez que aquilo acontecera estávamos no seu quarto, como de costume depois do almoço no restaurante de sua tia, esperando a vida passar (ou o irmão de Patrícia sumir para que pudéssemos ficar a sós). Vinícius enfim decidira incomodar outra pessoa. Patrícia rapidamente trancara a porta atrás dele. Após alguns gritos, batinas na porta e mãe-elas-não-querem-abrir-a-porta-me-deixa-entrar-que-eu-sou-chato (ok, essa eu adicionei), enfim chegara o momento que tanto esperávamos durante a semana. Totalmente a sós. Com porta trancada, sem irmão caçula, sem tia para incomodar, sem pai, sem mãe, só nós. Ela me olhava condenando um sorriso no canto da boca. Seu olhar era quase malicioso, se não a conhecesse diria ser sim e assim, malicioso.
Ela se deitara ao meu lado na cama. Ficou me olhando durante um longo tempo. Passou seus dedos levemente sobre meu rosto. Sorri.
- Que foi?
- Nada não.
- Fala...
- Você é linda.
- Que besteira.
- É sim.
Ficamos naquela história eu-te-amo-não-eu-que-te-amo-mais e breguices a parte durante um bom tempo. Eu sentia que aquilo era só enrolação para algo que viria depois. Como se soubéssemos que precisávamos daquela encheção só para o gran finale. Que viesse logo o que tinha que vir. A parte mais esperada do nosso encontro. Quando as coisas começavam a ficar desconhecidas, mas que era tão bom ir descobrindo. E era assim que começava. Alguém tomava a iniciativa. Por vezes eu, por vezes Patrícia. Mais eu do que Patrícia. Mas quando começava não havia jeito de me fazer parar. Nem de fazê-la parar. Nem de fazer pararmos juntas. Só os outros. Estes sim. Malditos outros que vinham nos importunar. Era por isso que naquelas sextas, depois do almoço, quando o pai de Patrícia saía para trabalhar, e sua mãe ia fazer alguma coisa em alguma vizinha, em algum lugar, é que podíamos ficar mais a sós do que de costume. Era um momento único. Sozinhas. Era isso que importava. Era disso que precisávamos.
E assim como me deu um beijo, eu lhe retribui outro, ela me devolveu outro. Era assim que começava. Nós, por nós mesmas nunca parávamos o que estávamos fazendo. Já os outros... Toda hora era hora de ir tentar abrir a porta, de falar alguma coisa, de mostrar alguma coisa, de fazer, ou melhor de não nos deixar fazer nada. Apenas aquela agonia, aquela vontade reprimida de sabe-se-lá-deus-o-que. Mas era fato. Era vontade. Era reprimida, e fazia mal. Fazia mal porque quase brigávamos por causa disso. Aquele isso que não sabíamos (ou não queríamos dizer) o nome. Mas era. E era muito.
Ela parou de me beijar e continuou me olhando. Era um olhar puro e sincero. Era lindo.
- Que foi?
- Nada não.
- Fala...
- Você é linda.
- Que besteira.
- É sim.
- Você que é Pati - passei meu corpo por cima do seu, como num passe de mágica ela me puxou para mais perto (como se isso fosse possível), me apertando forte, não deixando um espaço se quer vazio entre nossos corpos.
Ela me olhava. Eu retornava. Havia um silêncio estranho entre nós. Mas era um estranho bom. Um estranho de desconhecido, de vontade. Sim, aquela vontade reprimida.
Ela me beijou. Eu retribui. Ficamos nos beijando, daquele jeito mesmo. Eu com todo o meu corpo em cima do dela. Ela com sua mão direita passando pelas minhas costas, descendo pela minha cintura, encontrando o fim da minha blusa e o começo da minha barriga. Senti no seu beijo um segundo de hesitação. O segundo mais rápido que vi Patrícia decidir alguma coisa. Fora o segundo entre o começo e o fim. Que bom que era só o começo. Me empurrou gentilmente para o lado, ficou com quase todo seu corpo em cima do meu, o que facilitou que sua mão escorregasse para o cós da minha calça. Senti nos seus olhos, o segundo segundo de hesitação. Este precisou da aprovação dos meus olhos, que por mais mudos que estivessem, diziam todas as coisas que ela queria ouvir. Ela me beijou profundamente. Talvez para não ter que encarar meus olhos tão atentos a cada coisa que ela fazia. Abriu do jeito que pode o botão da minha calça. Suspirei involuntária. Ela abriu o zíper instintivamente, sorri sem calcular, ela desceu sua mão sem nem pensar.
Mas como tudo que tem começo, tem fim. E como tudo que é bom, o fim chegou mais rápido do que prevíamos, e principalmente, que esperávamos. Sua mãe bateu na porta oferecendo um bolo de sei-lá-o-que. Ela permaneceu me olhando, daquela mesma posição em que estávamos há segundos atrás. Houve alguns segundos de silêncio entre a gente. Senti a certeza de que aquilo sim não era mais um fim, apenas mais um momento para adiar o que tanto queríamos fazer. Ela sorriu ainda com a sua mão por baixo da minha calça. Eu devolvi o sorriso forçando todo meu corpo contra o seu, senti a sua mão mais próxima de mim. Sua mãe continuava a bater na porta oferecendo o tal bolo. Pati novamente me empurrou como pode para o lado, fechou muito devagar o zíper da minha calça, não mais olhando para meus olhos, lançou um sorriso enigmático, levantou-se da cama e foi abrir a porta.
Se aquilo tudo era só o começo, que viesse logo o meio, o fim, qualquer coisa, mas que viesse e logo.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Enfim o fim

Déia voltara com um café para cada uma na mão. Ela sabia da minha paixão por café preto. Fiquei mais feliz. Decidi que não ficaria mais triste (como se fosse tão fácil).
- Déia, vou te deixar lá na sua casa né?!
- Ai, nem me fala... A Malu... Que merda.
- O que aconteceu?
- Hoje é aniversário da Malu, não tinha te contado?
- Não.
- Pois é, a Renata resolveu fazer uma festa surpresa pra ela... Ta todo mundo lá.
- Ah... desculpa ter tirado vocês de lá...
- Não te preocupa Manu - falou Yumi sorrindo novamente pra mim - elas podem ficar sozinhas um pouco. Você quer ir junto pra lá?
- Sinceramente não, vou pra casa, me deixa em qualquer lugar que eu vou.
Deixara Déia em casa e sem descer do carro, continuamos andando. Mas não era em direção a minha casa.
- Onde você ta me levando?
- Você ta com fome?
- Não, onde você ta indo? Quero ir pra casa... - falei nenhum pouco decidida.
- E eu quero cuidar de você Manu, assim como você sempre cuidou de mim.
Sorri sem saber o que dizer.
- Então me deixa em casa...
- Não vou deixar você sozinha.
- Mas a Débora deve estar lá. Ah, eu tinha me esquecido, ela deve estar lá com o seu namorado - fiquei triste, o que eu mais queria naquele momento era ficar quietinha na minha cama, dormindo, dormindo, esperando pra ver se aquela dor do meu peito passava de uma vez por todas.
- Viu só, você vai ficar é comigo.
Senti meu coração voltar a bater novamente, sorri para mim mesma.
- E porque a gente não ta indo lá pra sua casa então?
- Ai, nem me fale... Deu mais uma confusão lá. Minha mãe é louca, meu pai pior ainda, meu irmão só quer saber de se trancar no quarto com a sua namorada... E eu é que me vire nessa confusão.
- E o que isso me impede de ir pra lá?
Vi que ela ficara sem jeito.
- Ah... é que minha mãe meio que não sabe nada de mim, sabe?
- Hm... e?
- E ela meio que desconfiou já que a... - ela se calara.
- Então você e a Jéssica estão bem? - perguntei tentando disfarçar minha tristeza que já não era mais por causa de Patrícia.
- É... - respondeu ficando quieta novamente.
- Que bom pra vocês, pelo menos alguém tem que ser feliz nessa vida né? - falei me entristecendo mais ainda.
- Ah, mas nem é assim não... As coisas sei lá... só são, entende?
- Não - confessei.
- Sei lá, às vezes parece que quando a gente espera muito pra uma coisa acontecer, quando ela acontece tem mais chance de não ser tudo aquilo que imaginamos, entende?
- Tento - sorri.
- Pois é... Acho que é isso. Ela é legal, eu gosto dela.
- Só legal?
- É, só legal.
- E você acha isso bom?
- Não sei, é fácil - deu com os ombros.
- Você e essa seu fetiche por coisas fáceis - sorri, empurrando-a carinhosamente.
- Ah, pra que confusão?
- Olha... Quando eu gosto das pessoas, não gosto porque sei que terei confusão com ela, mas nem muito menos porque acho que ela é fácil... Eu gosto porque gosto, e se permaneço é porque eu quero.
- Mas quem disse que eu não quero?
Ficamos novamente em silêncio.
Fomos ao shopping que ficava perto dali. Ela insistiu que eu estava muito magra, que precisava comer alguma coisa. Lembrei instintivamente de Patrícia e de todo o seu carinho que tinha por mim, para eu me cuidar, para não comer só porcarias, dela em si. Era engraçado, naquele tempo todo que eu havia trocado de cidade e deixado tudo aquilo para trás (como se fosse possível), eu não havia ficado pensando em Patrícia. Ri nervosa. Era engraçado como podemos ser egoístas e só querer essas coisas quando não podemos ter. Era assim que eu era. Ponto final. Não iria mudar de uma hora pra outra. Não desfaria tudo que já havia feito e causado em Patrícia. Era impossível. Naquela hora, provavelmente Patrícia estaria embarcando no avião, indo em direção não só a Canadá, mas em direção oposta de mim. O sem mim que demorou tanto tempo pra eu acreditar que um dia chegaria. O dia em que ela me olharia nos olhos, profunda, direta, com certeza (coisa que ela nunca tivera), e me daria tchau. E iria. Coisa que eu já tinha feito há tanto tempo. Iria, para longe e para sempre. Me conformei. Por mais clichê era assim que tinha que ser, e pronto. Mais do que conformação. Era uma confirmação. Era aquilo, e deu. Ok, pensei ainda tentando coordenar meus pensamentos. Se era isso, eu tinha perdido Patrícia (e já fazia tanto tempo, porque aquilo ainda me doía daquele jeito?). Perdi quando não dei razão a mim mesma, quando não me escutei. E se tivesse me escutado, ia voltar ao passado. E se voltasse? O que eu iria fazer? Talvez as mesmas coisa que já tinha feito há tanto tempo atrás. Sim, iria. Então pra que voltar e sofrer tudo de novo? Não que eu tivesse sofrido, eu era muito mais egoísta do que a coitada da Patrícia achava. Eu não havia sofrido. Depois talvez. Mas sofrido de mim, pena de mim, e só de mim. Não de Patrícia. Sofria porque no fim tudo dera errado para mim, não que antes havia dado para os outros. Os outros eram os outros, eu era só eu e isso.
Mas naquela manhã de sábado, ao vê-la acordar, daquele jeito que sempre sonhava, que gostava tanto. Ao vê-la. Ao receber em troca seu olhar sincero (e isso era o que mais doía). E a constatação. A confirmação. A certeza. O fim. Isso sim era triste. E isso era maior do que minha autopiedade. Isso era maior do que meu egoísmo. Isso era maior até do que o amor que um dia eu sentira por ela. O fim. O inevitável, que por tantas vezes esteve nas nossas mãos o transformar em reversível, mas que por estar justo nas mãos erradas, não o fora. Então fim. O fim esperado desde o começo de tudo. Afinal, por mais que não sabia quando que tudo começara, sabia que um dia sim, o fim. O fim apareceria, da forma mais pura, mais doce, mais angelical e mais maquiavélica. Mas apareceria. E quando assim o fizesse, eu iria ceder todas minhas forças, e deixaria que ele tomasse as rédeas. Que controlasse tudo. E eu, ali presente, ou mais ausente ainda, o deixaria fazer o que quisesse. O fim.

Confesso

Déia nos esperava no carro, sentada atrás. Mascava um chiclé um pouco freneticamente de mais, talvez estivesse nervosa, refleti pelas suas bolas de ar estouradas de dois em dois segundos. Quando nos viu de mãos dadas instintivamente me deu um olhar malicioso, arregalando seus olhos. Eu novamente sorri. Dei com os ombros. Tudo isso aconteceu rápido o bastante para que Yumi não visse.
- Quer dirigir? - falou me estendendo a mão, com as chaves.
- Dessa vez não - sorri sem graça.
Fomos em silêncio por aquele caminho que eu já conhecia.
Via pelo espelho que Déia toda hora fazia menção de falar alguma coisa, mas automaticamente se punia para ficar calada. Aquilo até que me divertiu, vê-la lutando contra a sua curiosidade para saber o que havia acontecido.
- Eu fui pra minha cidade - enfim falei, vendo Déia suspirando aliviada por finalmente falar.
- E o que aconteceu? - perguntou imediatamente.
- A Patrícia vai para o Canadá - no fundo não era isso que me entristecia, era ver nos seus olhos a certeza de que eu não a amara. Aquilo sim me matava. Ela achar que tudo que havíamos vivido não fora nada para mim. Talvez tivesse mudado de opinião com a minha carta. Mas até aquilo me chateava, pois se fora preciso de uma carta melodramática para ela acreditar no meu amor, então é porque realmente eu havia sido pior do que imaginava com ela.
- Mas Canadá nem é tão longe assim - falou Déia amistosamente.
- Eu sei - conclui.
Déia fizera uma cara de não entender.
- Ela acha que eu nunca a amei - falei forçando meus olhos para não recomeçar a chorar.
Com o canto do olho vi Yumi fechar um pouco a cara, talvez estivesse tentando entender o que estava acontecendo, afinal nunca havíamos conversado sobre isso.
Déia ficara em silêncio, e assim ficamos por mais um bom tempo.
Senti que precisava colocar para fora todo aquele peso, assim talvez aquela minha tristeza sem fim sumiria.
- A Patrícia foi a minha primeira namorada - falei meio baixo, com o pouco de força que eu tinha para falar sobre tudo aquilo - a gente namorou por um bom tempo, a gente se conhecia desde criança.
- Sei... - Yumi falou, percebi que talvez ela estivesse tentando me dar força para continuar a falar.
Mordi meus lábios trancando aquele choro que tentava a todo custo me vencer.
- Eu fui uma idiota com ela durante muito tempo, mas eu também não tinha culpa, nunca tinha namorado com ninguém, do nada ela queria compromisso, quase queria que eu me mudasse pra casa dela, ela queria coisas que eu não podia dar. Mais aí como sempre eu fui uma covarde de merda... - as lágrimas já caiam dos meus olhos, fazendo com que não conseguisse mais enxergar a rua lá fora.
- Você não é covarde Manu - tentou me dar força.
- Sou sim Yumi, eu sou uma covarde de merda mesmo, coloquei tudo fora porque eu tinha medo de tudo, porque nem eu me conhecia, porque eu achava que podia ser uma boa pessoa pra ela, mas na verdade eu nunca fui. Aliás, o que eu sempre fui foi uma egoísta, ela ta certa, eu sou uma egoísta mesmo. Bem feito pra mim, eu que me f.
- Eu não acho que alguém que vem do fim do mundo pra cá, sozinha, decidida a ser independente, que seja tão forte como você é, que consiga dar conta dos estudos, do trabalho e das suas amigas - sorriu lindamente - seja covarde. Muito pelo contrário Manu, você é muito corajosa por, independente das razões pelas quais tudo isso aconteceu, ter saído da cidade que você conhecia pra vir pra um lugar onde você não tinha nada. E ter construído tantas coisas só em meio ano que está aqui. Eu não sei o que aconteceu entre vocês duas, mas eu tenho certeza da menina linda que você é.
Sorri meio boba.
- Eu achava que era isso mesmo, mas não é. E o que me dói não é não estar mais com ela, é não ter terminado direito toda essa história.
- Mas Manu, certas histórias de amor são assim mesmo, sem fim.
- Ela não merecia tudo que eu fiz - falei chorando completamente.
Déia ficara calada. Yumi também.
Yumi parara o carro no estacionamento do Mc. Déia saíra do carro para comprar alguma coisa que não entendi no seu resmungo.
Yumi me puxara para ela me abraçando. Novamente desabei a chorar.
- Vai ficar tudo bem Manu - me abraçava forte, como se me cuidasse, como se me protegesse - você é uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci na vida, sério - falou vendo minha cara - poxa, são poucas pessoas que conseguem fazer tudo isso que você faz e ainda fazer bem.
- Legal, eu faço muitas coisas mesmo.
- Faz sim.
- Sim, eu bebo, eu saio quase todos os dias, sou uma pessoa útil na sociedade, eu como pizza em final de semana porque não sei fazer nem um ovo frito, joinha pra mim.
- Não fala besteira Manu - falou muito carinhosamente passando seus dedos entre meus cabelos - Você ainda cuida de todo mundo, eu lembro de toda aquela confusão com a Déia, lembra? Porque você acha que ela veio direto falar com você e não com a Renata que é a companheira que mora junto com ela?
- Porque de certo a Renata tava transando com alguém - falei ironicamente.
Ela riu - que absurdo Manu, você também não quer se ajudar.
Fiquei novamente em silêncio. Eu precisava era sumir, ir pra longe de tudo, pensei triste.
- Hei, Manu, você disse que foi a primeira namorada, então quer dizer que você já namorou mais vezes, né?!
Respondi que sim com a cabeça.
- Então, não foi o primeiro término de namoro e provavelmente não vai ser o último.
- Mas ela foi a única pessoa que eu já amei de verdade.
Ela simplesmente ficou calada. Não havia nada mais a ser dito.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Aos poucos

- Déia - tentava parar de chorar desde que havia entrado no ônibus, mas não conseguia. Não sabia como ainda conseguia ter lágrimas.
- O que aconteceu Manu? - respondeu preocupada.
- Eu... - tentava falar, mas o choro e os soluços não deixavam - eu não to bem...
- Onde você ta?
- Ro-do-viária... - chorando.
- Eu vou aí, me espera.
- Vem rápido.
Me surpreendi com a velocidade que Déia havia aparecido na minha frente, em menos de vinte minutos lá estava aquela menina tão linda, vindo em minha direção com os braços abertos. Quando senti seu abraço, simplesmente desabei neles. Ela me apertava forte, me mantendo em pé. Não falou absolutamente nada, apenas me segurava, mal sabia ela o quanto aquilo estava me fazendo bem. Sentia que ela no fundo entendia o que estava acontecendo comigo, e talvez por isso que ela me segurava com tanta força, não deixando que eu caísse. Que caísse de tristeza, aquela tristeza que ia me consumindo, me fazendo sangrar por dentro, aquele aperto tão forte que quase me impossibilitava de respirar. Ficamos abraçadas durante um tempo que eu não faço nem ideia de quanto. Ela calara-se com o meu choro. Fazia com que aos poucos minha respiração voltasse ao normal, e seguisse a sua. Quando finalmente a soltei, já havia parado de chorar. Era surpreendente como ela conseguira me acalmar sem dizer uma única palavra.
- Não - colocou seu dedo na minha boca, quando fiz menção de falar - não precisa me falar nada agora Manu, só se você quiser, eu to com você.
Fiquei em silêncio. Aquele aperto que me consumia não deixava sair um único som de mim. Havia perdido a vontade das coisas, tudo ficara cinza e triste. Delicadamente ela passara seus dedos limpando minhas lágrimas do meu rosto.
Respirei fundo, tentando exalar com força, pra ver se conseguia mandar aquela tristeza embora. Enfim consegui abrir a boca para falar.
- Como você chegou aqui tão rápido? - falei soltando um sorriso quase morto.
Déia apontou para sua direita. Olhei e custei a acreditar, era Yumi parada me olhando. Desde que Déia chegara não havia visto que Yumi estava ali. Ela me olhava com ternura, uma ternura que nunca havia visto em seus olhos. Ficara parada me olhando, esperando talvez que eu desse algum sinal positivo ou negativo, mas que dissesse alguma coisa. Fazia um bom tempo que a gente não conversava, desde aquele episódio fatídico da praia.
Mas eu não conseguia fazer nada, me sentia imóvel, petrificada pela minha tristeza. Tentei respirar mais uma vez bem fundo, mais fundo do que a outra vez. Apertei os lábios, dando um sorriso para Yumi. Imediatamente ela viera em minha direção me dando um abraço com tanta vontade que cheguei a ir para trás.
Senti minha alma se enchendo aos pouquinhos. Senti meu corpo voltando a se esquentar aos poucos. O seu cheiro me acalmava. Seu abraço me fazia sentir segurança. Fechei meus olhos e por alguns instantes não senti aquele aperto que estava sentindo no coração. Durante aquele abraço fiquei imune a tudo, menos aquela tristeza que me perseguia.
Era bom sentir aquele abraço tão apertado, tão cheio de coisas. Coisas boas, cheio de cores, fazendo com que aos poucos aquela angústia fosse passando, indo pra longe, voltando junto com o ônibus que ia para aquela cidadezinha que eu nunca mais queria ver.
Yumi passava sua mão direita pelos meus cabelos. Ainda com seus braços em volta do meu pescoço, me olhou durante algum tempo. Seus olhos estavam marejados de lágrimas.
- Nunca mais me assusta desse jeito - voltando a me abraçar muito forte, como se tivesse medo que eu sumisse dali por algum passe de mágica.
Repousei minha cabeça colada no seu pescoço. Sentia seu cheirinho, aquilo era bom. Me fazia esquecer daquele encontro trágico com Patrícia. Daquela nossa despedida tão banal. Aquela despedida com seu definitivo fim, pelo menos era assim que eu via, ou assim que eu esperava.
Fechei meus olhos e consegui naquele tempo em que ficamos abraçadas (sem saber do quanto) simplesmente não pensar em nada. Quando abri meus olhos vi que Déia não estava mais ali ao nosso lado, espertinha ela, pensei conseguindo dar meu primeiro sorriso de verdade.
Yumi soltara-se de mim, passando suas mãos sobre meu rosto. Eu podia estar louca, mas eu vi nos seus olhos algo maior do que ternura.
Ela apenas me fitava. E eu apenas retribuía. Não estava em condições de pedir desculpas por tudo que acontecera entre a gente, ou dizer o que havia acontecido comigo nessa viagem, ou dizer qualquer coisa, só queria ficar quieta, no mais puro silêncio. Talvez ela me conhecesse, talvez ela me entendesse sem ao menos eu precisar falar.
- Manu, vem - segurou minha mão, e me levou até seu carro - eu vou cuidar de você.

terça-feira, 21 de julho de 2009

No final fica tudo no mesmo

Não consegui mais segurar meu choro, desabei com as mãos trêmulas segurando aquele pedaço de papel, aquele pedaço do meu coração que eu deixava ali, para que Patrícia pegasse e guardasse junto com ela.
Larguei a carta em cima da cômoda, sem olhar para Patrícia, esfreguei forte meus olhos para tentar enxergar em meio às lágrimas. Quando cheguei à porta arrisquei um último olhar para Patrícia, e saí do quarto.
Desci as escadas tentando fazer silêncio. Quando cheguei ao último degrau dei de cara com dona Amélia. Ela olhou bem fundo nos meus olhos, e talvez por ver o tamanho da tristeza que estava encravada neles, não falou absolutamente nada, apenas me deu licença para continuar meu caminho.
Ainda esperei ouvir os passos de Patrícia descendo as escadas, quando fechei a porta atrás de mim esperei ouvir um grito de Patrícia para eu esperá-la, vindo em minha direção dizendo que acreditava em mim. Já na primeira quadra depois de sua casa, incansavelmente ainda esperei que ela viesse atrás de mim, correndo, com seus cabelos ao vento, me abraçando, e me perdoando por tantos anos de sofrimento e desencontros. Mas ela não veio. Eu entendia a sua posição, mesmo com o coração tão apertado, mesmo com aquela tristeza cortando todo o meu corpo. Parecia que havia sido atropelada por um caminhão de mangas, tudo doía. Fui caminhando em direção à rodoviária, passando por muitos lugares dos quais outrora estive junto com Patrícia. Aquele caminho mais parecia uma saga que eu precisava trilhar para uma nova vida, pra perder aqueles desencontros de vez. Pra deixar todo o meu passado ali, deixar em fim Patrícia ir.
Desci uma ruazinha que dava direto para uma pracinha, pracinha esta que tantas vezes Patrícia e eu usávamos como abrigo. Fui até uma parte os as árvores se fechavam, fazendo um esconderijo. O esconderijo que nós sempre íamos nos momentos de aperto. Entrei naquele caminho de árvores fechadas, procurando uma árvore onde havíamos escritos nossos nomes. Uma, duas, na terceira achei. Lá estava "Pati e Manu" em volta de um coração, muito brega pensei sorrindo em meio as lágrimas. Lá estava mais uma marca de toda nossa história. Uma das tantas marcas visíveis que tínhamos feito naquela pequena cidade. Aquela cidade que dominamos com tamanha propriedade. Cada canto que poderia se tornar um abrigo para nós, nós já havíamos descoberto. Naquela idade das trevas quando sua mãe nos descobriu. E fora tudo minha culpa. Eu que estava forçando a barra e não ouvindo os pedidos de Patrícia para que não fizéssemos nada naquele dia, que ela pressentia que algo aconteceria.
Rodava alto o CD da Joss Stone, nossa sempre atual trilha sonora, já estávamos quase na quinta faixa, e ela ainda me punia, pedindo calma, para eu parar.
- Manu, pára - tentava falar em meio aos meus beijos, sedentos de saudade.
- Ai meu amor, eu tava morrendo de saudade - falei já deitando novamente por cima dela, passando minha mão por baixo da sua blusa, em busca de seu corpo.
- Manu... - mas ela não conseguia resistir, ela também estava com saudade, afinal o que são dois dias, dois longos dias, para duas pessoas apaixonadas? uma verdadeira eternidade.
- Minha mãe deve chegar daqui a pouco... - mas eu não queria saber de falar, queria Patrícia, toda ela, sem falas, sem medos, sem conversas de botas batidas, mas Patrícia.
- Prometo que ela não vai chegar, agora deixa eu tirar isso aqui - já arrancando sua blusa com força. Ela me olhara com um certo quê de espanto, mas no fundo se deliciava com minha vontade.
Eu estava com saudade de sua boca, de sua língua, do seu gosto, do seu corpo. Precisava senti-la perto de mim, sem barreiras entre nós. Abraçá-la sem blusa era algo inacreditavelmente mágico, quase lúdico se não fosse tão excitante.
Abri rapidamente seu zíper, puxando sua calça para baixo.
- Calma Manu - tentava falar entre um beijo mais cobiçoso que o outro. Mas ela também queria, sua mão já abrira minha calça também, com um pouco mais de delicadeza que eu, talvez. Me virou na cama com força, fazendo com que todo seu corpo ficasse por cima do meu. Puxou de uma só vez minha blusa, me beijando o pescoço, abrindo meu sutiã, tocando-o para longe, beijando e mordendo. Coloquei novamente meu corpo por cima dela, beijando-a com tanta vontade, que ela instintivamente me abraçava forte, por vezes me arranhando. Seu gosto, seu corpo, era tudo meu.
- Filha, vocês ainda estão estão... - ouvi a voz da morte. Não, aquilo era pior do que a morte. Aquilo era a voz do inferno, vindo das cinzas do fim do mundo. Era a mãe de Patrícia abrindo a porta. Não, naquele instante não. Patrícia e eu nos olhamos rápido e instintivamente, ambas com pânico daquela situação.
O que acontecera posteriormente foi muito, mas muito rápido e tenso, pra não dizer dramático. Nunca havia me trocado com tanta agilidade, em menos de cinco segundos, pode apostar, já estava com calça e blusa postos, em meios aos horrores que Amélia dizia, algo como "que porra está acontecendo aqui? Sua ordinária, então é isso que vocês tanto fazem estudando, suas nojentas" e lá se foi um tapa em mim. A mulher surtara completamente. Também pudera, quem não surtaria. Eu surtei, Patrícia surtou, todas loucas. Amélia viera para cima de mim, entre tapas desajeitados e socos. Que bom que ela era santa, nunca havia brigado na escola, pensava aliviada, tentando me defender como podia, eu não iria bater na mãe da minha namorada, minha sogra que naquele instante se tornara minha pior inimiga. Mas eu já não sentia uma parte se quer do meu corpo, estava mole, branca, gelada, vazia, com medo como nunca sentira na minha vida inteira. Patrícia tentava amenizar a situação segurando sua mãe, mas daí ela partira pra cima dela, eu não sabia o que fazer. Foi então que algo divino aconteceu, não sei por que raios ela simplesmente parara, ficando em silencio. Porém sua cara tinha tanta raiva, tinha tanto ódio e desprezo, que parecia gritar em alto e bom som todas suas pragas.
Amélia respirara fundo cinco vezes, cinco longas vezes. Meu coração batia forte, não arriscara a olhar em direção de Patrícia.
- Manuela, o pai da Patrícia ganharia um ataque do coração se visse essa coisa horrível que eu vi - ela falava pausadamente, como se tentasse ficar mais calma, mesmo que a cada palavra seu ódio aumentava progressivamente - você vai sair agora da minha casa e nunca, ouça bem, nunca mais ouse a falar com a minha filha ou aparecer por aqui. NUNCA MAIS. Gritara alto, me empurrando praticamente escada a baixo. O resto eu não me lembro direito. Fiz questão de esquecer. Ficava feliz com isso, pelo menos havia esquecido daquele horror. Lembro que sai da casa de Patrícia ouvindo gritos e a porta se fechando com força atrás de mim.
Mas hoje Amélia teve que engolir toda sua raiva por eu ter dormido ali na sua casa mais uma vez, e simplesmente ficara em silêncio me vendo ir embora. Pois eu preferia ir embora enxotada por Amélia, mas tendo o apoio e pelo menos o olhar de Patrícia sobre mim, do que sair com o apoio de sua mãe, sem ao menos um ar de Patrícia.
Cheguei à rodoviária, esperei pouco tempo e entrei no primeiro ônibus que ia para a minha nova cidade. Então que eu deixasse tudo para trás, deixasse tudo naquela estrada que ia aos poucos me levando para longe de Patrícia. Se eu me encontrara ao vê-la tão perto de mim, então que eu me perdesse e deixasse aquela Manuela apaixonada por Patrícia para trás, guardada com todas as lembranças que iam ficando junto com aquele caminho acinzentado.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Presente simples

"Pati,

Eu sei que pode parecer loucura eu aparecer aqui, e justamente no barzinho justo na sua festa de despedida. Pode parecer loucura também eu te dizer que eu não sabia de nada, mas eu não sabia. Pode parecer loucura, mas eu vim pra cá pensando em você, eu vim pra cá porque precisava ver algum rosto conhecido, um rosto mais do que conhecido, um rosto que me fizesse ver quem eu sou, que me lembrasse de onde eu vim. Você sempre esteve certa sobre mim, eu sou egoísta sim. Foi por isso que eu aceitei vir dormir aqui na sua casa. Eu precisava te ver acordar mais uma vez, e você sabe do quanto é linda quando acorda. Eu precisava olhar nos seus olhos pra te dizer tantas coisas. E por não conseguir dizer nada que eu escrevi essa carta. Já que pelo que eu digo você não acredita, talvez por meio de letrinhas escritas você entenda de uma vez por todas o quanto eu te amo. O que aconteceu com a gente nunca foi falta de amor. Desde a primeira vez que eu vi você eu já me apaixonei, foi quando cheguei aqui e te vi jogar futebol na rua, quando você veio me dar oi. Eu me encantei por aquela menina toda sujinha jogando futebol. Mesmo não sabendo o que era amor, eu já estava apaixonada por você. Crescer junto com você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, e poder estar presente ao seu lado, mas bem do seu lado... Não tenho palavras pra descrever o quanto me sinto a pessoa mais feliz do mundo por poder participar de tanta, mas tanta coisa com você. Eu me lembro do nosso primeiro beijo, e não preciso nem fechar os olhos pra lembrar de cada coisinha. A Barbie ridícula da tia Med, e depois o melhor presente que eu ganhei em toda a minha vida. Porque ele nunca ninguém vai poder tirar de mim, nem eu mesma com as minhas borradas que eu sempre fiz e faço com as pessoas. Porque a melhor coisa que eu já ganhei na minha vida foi você Pati, foi o seu amor, o seu carinho, a sua atenção e os seus beijos, no plural mesmo, porque seus beijos... Eles sim são a melhor coisa do mundo. E não pense que eu sou uma cafajeste que veio aqui tentar te relembrar só das coisas boas que tivemos. Eu sei de tudo que eu fiz errado com você, e mais do que te pedir desculpas, eu te peço compreensão. Eu sei do quanto eu errei, mas sei também que eu errei mais comigo do que com você. Eu errei em achar que eu teria capacidade e maturidade para assumir alguma coisa com alguém. Com o alguém mais incrível que eu pude conhecer e que sei que vou conhecer pelo resto da minha vida. Eu errei por achar que daria conta dessa mulher linda que você é. Que poderia ser pelo menos um terço do que você merecia. Mas eu nunca fui isso, não fui nem metade do que achava que seria. E eu sei disso, e é por isso que eu peço desculpas pra você, por não ter aceitado isso antes e ter deixado você encontrar alguém que pudesse fazer por onde te ter. Mas eu juro para você que tudo que eu pude eu também fiz pela gente, e mais do que por nós, por você. Por que você é, e é no presente, a melhor coisa que eu tenho na vida. E eu prefiro achar que ainda tenho, nem que seja esse seu sorriso no canto da boca. Que uma partezinha do seu coração ainda é meu.
Eu queria poder roubar toda essa tristeza que te causei, e levar pra longe, mas pra bem longe de você. Mas eu não tenho como fazer isso, por isso estou aqui, mais uma vez e felizmente, na tua frente, podendo te olhar mais uma vez e poder sentir tudo que sempre senti por você, mesmo quando não namorávamos mais. Eu te amo em cada partezinha de você, e por mais maluco que pareça, cada partezinha de mim também te ama, por mais que eu queira dizer que não, por mais que eu tenha lutado para te esquecer. Você sempre foi tudo pra mim, e talvez por isso que eu não tenha dado tanto valor, você sempre foi tão perfeita comigo, que eu achava que isso nunca ia ter fim, e no fim fui eu que cai na minha própria armadilha, de achar que poderia dar conta de tudo. Mas não dei.
A pior coisa que já me aconteceu foi ver a verdade nos teus olhos quando você me disse que eu não te amava. Depois disso eu morri mais um pouco, meu coração ficou mais frio ainda. Eu não acredito que consegui estragar isso com você, porque como a gente sempre falava, era sublime, era pós-perfeito. Mas eu te amo sim, e sei que você consegue sentir isso, bem no fundo, mas consegue.
Enquanto eu esperava você dormir, vi o cd da Joss Stone, o da primeira faixa, o da nossa primeira vez. Isso é outra coisa que eu nunca vou me esquecer e que eu faço questão de lembrar sempre, a primeira vez que a gente se entregou uma para outra. E disso eu fecho meus olhos para lembrar, fico tentando incansavelmente sentir seu gosto, seu cheiro, seu abraço que sempre se encaixou tão bem em mim. Forço meus olhos tentando te materializar na minha frente, ao meu lado, junto comigo. Mas não consigo, e isso me frustra, ainda mais por saber que fui eu que estraguei tudo.
Olhando pra essa foto lembro do nosso primeiro acampamento, do quanto você tinha medo dos bichinhos da "selva", do quanto você me abraçava forte quando ouvia algum barulhinho vindo de fora da nossa barraca, e acho que nunca te falei, do quanto me sentia satisfeita por você ver em mim algo seguro, por eu poder te cuidar, pelo menos uma vez na vida, te segurar e poder dizer que tudo ia ficar bem. E naquele acampamento em que pudemos dormir juntas sem medo de qualquer pessoa aparecer, e acordar no meio da noite e poder ficar te olhando dormir, olhar para tua boca perfeita e te acordar com um beijo dizendo o quanto eu te amava. E ganhar outro dos melhores presentes do mundo, te ver acordar, com os olhos apertados de sono, se espreguiçar da maneira mais linda do mundo, e ouvir o seu bom dia meu amor. Que bom que hoje eu to aqui e mais uma vez vou poder te dar um bom dia. Então, pela última vez, bom dia meu amor, você continua linda dormindo, e mais linda ainda quando acorda. E por mais que eu fique triste de não poder ter dormido aí do seu lado, te abraçando e fazendo carinho até você pegar no sono, por mais que eu tenha dormido aqui do outro lado tão distante ouvindo seus soluços, eu fico feliz de saber que pelo menos agora, de longe, eu não conseguirei mais te fazer sofrer. Saio da tua vida de uma vez por todas, esperando do fundo do meu coração que você seja feliz e que encontre alguém que te faça feliz de verdade, do jeito que eu nunca consegui fazer. Alguém que seja tua companheira, como eu deixei de ser faz tanto tempo. Espero que dê tudo certo na tua vida nova, que você encontre alguém que nunca te deixe. Mas eu duvido, e disso você pode ter certeza, que você encontre alguém que te ame tanto como eu te amei, que seja tão apaixonada por você como eu fui, sou e como pra sempre eu serei por você".

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Passado composto.

Era difícil pensar naquela situação. Eu realmente não tinha nada para dizer, minhas desculpas já tinham perdido o sentido, qualquer coisa que falasse não fazia mais sentido, mas me sentia impotente, porque sabia que precisava falar, não podia deixar mais uma vez Patrícia ir para algum lugar mais longe ainda de mim sem saber das coisas que se passavam comigo. Era engraçado que quando nos encontramos há muitos meses atrás no mercado, dois dia antes de eu viajar não tocamos neste assunto. Era engraçado que um dia antes de eu viajar ela fora para minha casa, havíamos passado uma noite linda e toda essa tristeza havia sido esquecida, ou camuflada. Mas seria muita pretensão minha achar que Patrícia esqueceria tudo. Era ingenuidade minha ou até comodidade pensar que estaria tudo bem.
- Pati - coloquei minha mão sobre seu rosto. Ela virou para o lado. As lágrimas caiam uma atrás da outra - eu sei que não posso pedir desculpas, que não muda nada...
- Não, não muda absolutamente nada Manu.
- Eu sei que eu não posso voltar no tempo...
- Não pode Manu.
- Que não posso desfazer tudo de ruim que eu já fiz para você...
- Não consegue desfazer mesmo.
- Mas eu to aqui agora...
- Que merda, né?! Você podia estar lá com as suas amiguinhas novas.
- E você podia estar com a "Rafa" né?!
- Podia, mas você está aqui.
- Eu to aqui.
Ficamos em silêncio. Seus olhos estavam sobre os meus. Eu não conseguiria descrever tudo o que eu sentia naquele momento. Queria abraçá-la, desfazer toda aquela tristeza que via em Patrícia. Pedir desculpas, me atirar aos seus pés. Se isso mudasse alguma coisa. Quis me socar. Quis sair dali. Quis chorar. Quis segurar o choro. Quis. Eu sempre quis com Patrícia, porque eu havia estragado tudo? Não havia feito tamanha merda só por causa de Luciana, disso eu sabia. Mas ela não sabia. E não havia palavras que pudesse explicar isso pra ela, não naquele momento.
- Pati...
- Não Manu - ela me olhava ainda no fundo dos meus olhos, como se olhasse dentro do meu ser, dentro da minha alma. Como se lesse meus pensamentos, como se já soubesse tudo que eu iria falar.
- Eu te amo - falei sem conseguir mais conter minhas lágrimas.
- Não ama Manu.
Aquilo doeu mais do que qualquer coisa que já havia acontecido na minha vida inteira. Eu vi verdade nos seus olhos quando disse que eu não a amava. Queria saber onde fora que eu errei tanto a ponto de fazê-la realmente acreditar naquilo. Será que ela nunca percebera o quanto eu era louca por ela, só não sabia cuidar de tudo que eu sentia? Será que ela pensava que eu havia fingido tantos anos em que ficamos juntas? Não era possível que eu tinha conseguido fazer a pessoa que eu mais havia amado na vida achar que tudo que eu havia sentido por ela, simplesmente se fora, assim como as folhas de outubro que caem para nunca mais voltar.
- Eu vou dormir agora Manu, e pelo amor de Deus, por todo esse "amor" que você diz sentir por mim, não me incomode, me deixa ficar quietinha aqui, sozinha. Eu não sei o que você planejava vindo dormir aqui em casa, depois de tudo que você fez. Não estraga mais isso, por favor. E eu não quero - falou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa - eu não quero ouvir mais nada, por favor. Se você quer fazer alguma coisa por mim, que seja ficando quieta.
Senti meu coração despedaçar. Então ela achava que eu não a amava mesmo.
Ela deitara na sua cama e eu ao seu lado no colchão do chão. Ao seu lado era modo de dizer, porque me sentia tão distante de Patrícia como nunca havia me sentido. Via naquele pequeno espaço que nos separava, entre a cama e o colchão, uma cratera, um precipício sem fim. Eu então havia conseguido inevitavelmente machucar tanto aquela menina a ponto de fazê-la mais do que ficar triste, fazê-la simplesmente não acreditar mais em mim. E naquele momento não havia nada que eu pudesse fazer. Fiquei olhando para o teto querendo sumir dali, querendo qualquer coisa, menos estar alí do lado da menina que eu mais amei em toda a minha vida, ao lado da menina que eu mais havia feito sofrer. Percebia que assim como eu, Patrícia não conseguia dormir. Ela se mexia de um lado para o outro, mas não falou absolutamente nada. Às vezes ouvi um soluço de choro baixinho, que ela tentava esconder entre uma tosse e outra. Mais uma vez ela chorava por minha causa. Mais uma vez eu conseguia estragar e colocar fora mais um pouco do que construímos durante tanto tempo, fora. Restava saber se ainda existia mais alguma coisa para se colocar fora.
Não consegui pregar o olho. Percebi que Patrícia finalmente dormira quando pararam os soluços. Fiquei olhando-a dormir. Ela era linda, simplesmente linda. E eu havia feito aquela menina linda simplesmente ir embora, mas não junto comigo. Ela estava indo muito mais longe do que o Canadá, muito mais longe que qualquer lugar que pudesse ir, pois seu coração é que estava indo, e esse não existia avião algum que pudesse pegar e trazê-lo de volta.
Fiquei sentada, já completamente vestida e de mochila nas costas, esperando-a acordar. Várias vezes pensei eu ir embora e deixá-la ali, sozinha com os seus sonhos e pesadelos. Mas seria sacanagem minha, mais comigo do que com ela. Eu precisava dizer algumas coisas pra ela. Ela não podia ir mais uma vez embora, mais um pouquinho do nós que ainda existia nela, sem saber de algumas coisas. Escrevi uma carta numa folha que achei no meio de suas coisas. Na sua gaveta da cômoda. Lá onde ela sempre guardara nossas coisas. Procurei por alguns instantes alguma coisa que me tivesse, alguma foto. No fim da gaveta encontrei uma foto nossa. Abri um sorriso egocêntrico. Sim, ela tinha alguma foto minha. Era a foto que ela mais gostava. Era a foto da nossa primeira viagem juntas, quando fomos acampar pela primeira vez como namoradas. Minhas lágrimas já caíam sem pudor nenhum, sem pedir licença, apenas caíam.
Quando Patrícia abriu os olhos, já estava sem chorar.
- Pati, eu só quero dizer uma coisa. Eu ia simplesmente deixar essa carta aí para você, assim como você fez comigo quando eu saí dessa cidade. Mas eu sinto que você precisa ouvir da minha boca tudo o que eu tenho pra falar. E eu sei que você pode não querer me ouvir, mas se eu puder, eu só te peço mais isso, e daí eu prometo nunca mais te encher o saco.
Ela ficou em silêncio me olhando. Ela conseguia ser mais linda do que o normal quando acordava. Fiquei encantada por alguns segundos olhando-a, mas me esforcei, e comecei a ler a carta. Antes mesmo de começar, as lágrimas voltaram a cair.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Das duas

Era tarde, quase 4h da manhã quando, depois de uma conversa muito constrangedora, com direito a "e ai Manuela, já arranjou um namorado? Porque na época que vocês estudavam juntas achei que vocês ficariam solteiras pra sempre, afinal vocês não se desgrudavam, como que um rapazinho ia falar com vocês", mais um momento de olhares de fuzilamento entre Amélia, eu e Patrícia, nessa ordem mesmo, enfim chegara a hora de dormir. Eu estava desconfortável, por mim esperaria o dia amanhecer e sairia dali, ou pelo menos esperaria os pais de Patrícia dormirem, e pularia a janela como há tempos atrás fazia escondida quando Patrícia ainda era minha namorada.
- Vou buscar uns lençóis para você, Manu.
- Que isso meu bem, deixa elas dormirem lá no quarto da Pati, de certo querem contar as novidades. Querida - virou-se para Patrícia - você já contou do seu namorado novo?
Por um instante eu vacilei.
Olhei para ela com espanto segurando um sorriso.
- Não contei ainda pai - falou olhando pra tudo, menos pra mim.
Namorado, do. Não, isso era impossível. De certo ela inventou que era o André, mais uma vez era isso.
- Então meu bem - voltou-se novamente para dona Amélia - elas ainda tem muito a conversar, vai Manu, sobe lá, eu levo as coisas para você.
Quase sendo empurradas pelo seu pai, Patrícia e eu subimos as escadas.
- Fazia parte do seu plano isso? - falou assim que fechou a porta atrás de si.
- O que?
- Não se faça de louca, você tinha planejado tudo isso já né?! Aposto! E eu achando que você nem sabia de nada.
- Não fala besteira Pati, eu não sabia de nada mesmo, ou você acha que eu viria aqui pra sua casa, dentro da casa da sua mãe, assim, por querer. Depois de tudo - fiz uma pausa dramática - tudo que aconteceu?
Ela parou pro alguns segundos, quase deixou escapar um sorriso, mas rapidamente voltou à posição de ataque.
- Porque você aceitou vir pra cá? - ela não me olhava. Acho que tinha medo de me olhar nos olhos, talvez temesse que eu conseguisse tocá-la através deles.
- Eu aceitei?
- Sim, você podia ter... - seu pai interrompeu abrindo a porta - ó querida, pega isso, e se você ficar com mais frio, tem mais um edredom ali em cima - apontou para o guarda-roupa de Patrícia - boa noite - saiu deixando a porta aberta.
Ela balançava a cabeça de um lado para o outro, como se tivesse conversando consigo mesma, e negando, negando até o fim.
- Você - foi em direção a porta, fechando-a com cuidado para não fazer barulho - você podia ter dito que ia pra casa do André. Isso, vou ligar pra ele e ele vem te buscar.
- Nossa Pati, você já foi mais delicada comigo.
- E você - olhou nos meus olhos - nem vou falar nada. Pegou seu celular, já estava digitando os números de André quando arranquei o telefone da sua mão.
- Devolve isso Manu.
- Não - segurei-o atrás de mim.
- Devolve Manu, eu não estou pra brincadeira.
- Você acha que seu pai não ia sacar nada se eu saísse agora da sua casa? Aliás, que história é essa que você está namorando?
Ela deixou um sorriso sair pelo canto da boca.
- Eu to, você não sabia?
Discordei com a cabeça.
- Quem, o André? - falei rindo.
- Não sua besta...
- Quem então? Porque seu pai falou namorado.
- Quando a gente namorava - voltou seus olhos enigmáticos para mim - você também era um namorado, não era?
- Ah, mas... Como assim Pati?
- Eu to namorando mesmo.
- Com quem? - meu coração começou a bater mais acelerado.
- Você não vai querer saber.
- Mas é homem? - meu coração começou a ficar apertado.
- Claro que não né Manu - ela foi para a janela, ficou mexendo em alguns adesivos que estavam colados no vidro - meu cérebro começou a doer.
- Como assim Pati - me aproximei dela, segurando-a fazendo com que ficasse de frente pra mim.
- Como assim o que Manu? Você achou que eu ia ficar aqui esperando você pra sempre, primeiro terminar o namoro com a Luciana, depois voltar da faculdade, pra que um dia você me desse atenção e a gente voltasse a namorar? Eu tenho mais o que fazer da minha vida.
- To vendo... Quem é a menina?
- Ai, não quero falar sobre isso - continuava segurando-a para que ficássemos frente a frente. Abaixei minha cabeça para que nossos olhos ficassem na mesma altura, olhando de baixo para cima.
- Quem é? É a Luciana?
- Óbvio que não né Manuela, eu não fico com vadias.
- Nossa, como você fala dela desse jeito!
- Não era você que a chamava assim? Não foi você que pediu pra eu falar com ela de novo, e de novo, e sempre que não queria mais namorar? Agora deu pra defender aquelazinha?
- Então quem é? - falei ignorando seu comentário.
- Você vai me soltar se eu falar?
- Vou pensar no seu caso.
- É a Rafa... - e voltou a olhar para tudo, menos pra mim.
- Que Rafa?
- A única Rafa que a gente conhece.
- Que Rafa?
- A que você já ficou.
- A Rafa! - fiz uma cara estranha que ela percebeu.
- Porque essa cara de nojo, você também já ficou com ela. Aliás né, com quem você não ficou...
- Desde quando vocês namoram - a essa altura não sentia mais meu coração, nem minha respiração, nem meu cérebro.
- Não interessa, agora me solta que eu to cansada, preciso dormir, amanhã vai ser um dia longo.
- Solta o caramba, desde quando vocês namoram? Agora você namora não me conta, vai viajar pra longe e não me conta, é isso, eu sou nada na tua vida?
- Olha o drama Manuela.
- E ainda me chama de Manuela, como se eu fosse uma qualquer que você achou pela rua.
Ela ficou em silêncio.
- Pati, olha pra mim - levantei seu rosto - eu sei que eu fiz muita merda, que eu estraguei tudo com a gente.
- Estragou.
- E eu me arrependo até o último fio de cabelo por isso.
- Arrependimento não muda as coisas que já aconteceram.
- Não, mas faz com que a gente repense e não faça mais.
- Não tem mais nada pra ser refeito e nem muito menos feito.
- Então porque você ta me tratando desse jeito?
- Que jeito?
- Fria.
Ainda segurava Patrícia pelos braços, naquele instante me dei conta disso. Pelo canto do olho via todo seu corpo ali na minha frente. Instantaneamente me apaixonei por aquela menina. Instantaneamente fiquei encantada, me senti atraída, me deu vontade dela em si, dela e só ela. Me contive.
- Eu não to sendo fria Manu, pára com essas maluquices.
- Não?
- Não - seus olhos desviavam dos meus a todo o momento - mas porra né Manu, você quer que eu fique feliz com você depois de todas as merdas que você já fez comigo?
- Eu já te pedi desculpas Pati.
- Desculpas não resolvem nada Manu, nada - seus olhos se encheram de lágrimas.
Soltei-a, mas ela continuou imóvel na minha frente. Uma lágrima caiu do seu olho, e assim várias outras a seguiram.
- Eu não sei por que você fez isso comigo, onde foi que eu errei pra você ter feito isso comigo Manu? - ela me olhou tão profundamente que me senti nua na sua frente. Nua, pura e transparente. E eu não sabia o que dizer. Por mais que tentasse pensar em mil coisas a serem ditas, nenhuma palavra conseguia sair da minha boca, nada cabia naquela situação.
- Eu te dei tudo que pude tudo que tinha pra dar, tudo que eu consegui te dar, tudo até que eu não tinha Manu, eu me entreguei pra você, e o que você fez com tudo isso?
Olhei para baixo.
- Não Manu, olha pra mim - voltei a olhar nos seus olhos já vermelhos - não seja covarde, olhe pra mim e me diz, porque você fez isso comigo?
- Eu não sei - tentava a todo custo segurar meu choro que vinha devagarzinho tomando conta de mim.
- Sabe sim, porque você é uma idiota que tem medo de relacionamentos, porque você não consegue ver um rabo de saia que tem que ir atrás.
- Não fala assim de mim Pati.
- Não foi isso que aconteceu? Você não me trocou, e literalmente só que sem eu saber pela Luciana?
- Você sabe que nada é comparável ao que eu tinha com você.
- Que pena ouvir isso Manu, porque pelo menos eu ia saber que você tinha feito uma escolha correta, seguindo o seu coração, mas pelo visto você só seguiu a... só a sua vontade de tudo e de todos. Ou melhor, todas. E eu me sinto uma idiota Manu por ter me deixado ir pelas suas conversas, pelo seu xaveco barato.
- Pati, você sabe que não foi assim que aconteceu, eu me apaixonei por você e você sabe disso. Desde sempre eu fui louca por você.
- Não - ela colocou seu dedo sobre minha boca - não fala isso Manu. Não fala que é pior. Eu prefiro pensar que você nunca gostou de verdade de mim, porque quem ama, quem gosta não faz isso que você fez com ninguém. Com ninguém.

Borboletas

Saiu sem olhar para trás. Fiquei parada. Eu vi Patrícia sair. Eu acompanhei cada movimento que ela fez indo para longe. E eu não fiz nada. Talvez fosse porque chegada a hora de finalmente eu agir como alguém que se importava com ela, como alguém que ama de verdade, como alguém que não fosse egoísta. Então eu precisava sair de mim mesma, se assim fosse o necessário. Mas eu não queria. Eu queria ir correndo atrás de Patrícia e falar, falar não sei o que, mas falar. Dizer tanta coisa. Mas só por falar não adiantaria nada, não faria voltarmos ao passado e consertar tudo que fora se quebrando durante todos esses anos. Não faria eu me tornar uma pessoa melhor. No fim eu era uma idiota, com todos meus encontros e desencontros. No fim eu era a criança, que por mais que ouvisse que era perigoso, eu ia até o fim pra saber como as coisas eram. Mas com Patrícia sempre fora diferente. Com Patrícia eu não sabia onde era o início, nem o fim. Até porque numa dada hora, e a partir de então, sempre achei que ela fosse pra sempre, que o fim era só mera coincidência da vida. Mas que o fim nunca seria nosso, só dos outros. E isso aconteceu quando a vi pela primeira vez, da janela jogando futebol com os meninos na rua. Lá, mesmo sem querer, mesmo até sem saber, eu já sabia. No fundo eu sempre soube. Era ela. Mas todos meus anos de inexperiência, todos meus anos de criancice fizeram com que eu colocasse tudo fora. Passo a passo fora.
Talvez minha maturidade se demonstrasse pelo fato de eu não ter ido correndo atrás dela pedindo sei lá o que. Desculpas, perdão, qualquer coisa.
Ainda conseguia vê-la caminhando para longe, conseguia ver seus cabelos balançando timidamente pra longe de mim. Lembrei que com ela nada que eu me propunha fazer funcionava. Ter autonomia, ser extravagante, ir atrás do que eu queria de verdade, mesmo sempre tendo sido eu que tomava a iniciativa. Talvez minha maturidade deveria me permitir, ou me forçar, a ficar parada ali deixando-a finalmente ir. Ir sem mim, mas ir. Afinal eu já tinha ido há muito tempo, mesmo achando que não. Ou talvez eu estivesse em stand by esperando-a para que um dia ela viesse comigo. Mas eu não era tão matura assim. Nunca fui. Porque deveria ser naquele momento? Deixar que a pessoa que eu mais amei na minha vida (e amei no passado, porque era do passado que a gente tinha vivido) simplesmente ir embora sem saber de tudo que eu sentia, tendo apenas minhas atitudes que sempre foram tão adversas ao meu coração. Então que eu fosse criança de novo, pela última vez, mas que fosse por uma boa razão, que fosse para fazer o bem.
E sem pensar em mais nada, fui a sua direção. Fui decidida como nunca fora com ela. Fui com a certeza de que enfim não estava fazendo a coisa errada. Fui. Ela entrara no corredorzinho que dava para a saída. Entrei nele também. Com o coração batendo forte, com aquela incerteza da primeira vez. Com aquele medo, sim eu estava com medo. O medo do desconhecido, o medo da pessoa que a gente gosta, aquele nervosismo de dar borboletas na barriga.
- Manuela, desde quando você ta aqui? - ouvi uma voz de uma mulher que não me era estranha.
Me virei lentamente, porque assim como não era estranha, sabia que não era boa. Era a mãe de Patrícia. Depois de tantos anos, enfim voltara a vê-la nos olhos.
- Oi, tudo bem com a senhora? - falei no tom mais próximo que eu conseguia falar de calma. Vi que Patrícia se virara rapidamente.
- Tudo, o que você faz aqui? - e por mais incrível que parecesse ela veio em minha direção para me cumprimentar, para dar um abraço. Senti no seu abraço algo que nunca havia sentido. Não senti nada. Pela primeira vez depois que ela soube que eu ficava com a sua filha, não senti seu olhar maquiavélico sobre mim, seu ódio, sua fúria, sua incompreensão. Não, definitivamente ela não deixara de ser homofóbica, mas vi em seus olhos que enfim ela não me via mais como uma pessoa que namorava a sua filha. Talvez por achar que eu era a sua doença, e como não estávamos mais juntas, sua filha enfim estava curada. Podia ser. Senti o corpo de Patrícia perto do meu, ela se botara na defensiva. Me senti estranhamente defendida por Patrícia. Ela se parara ao meu lado em silêncio, acompanhando cada gesto, cada palavra que sua mãe dizia, sempre esperando que em algum momento ela se voltaria para mim com raiva, que ela me trataria mal, e então ela novamente brigaria com sua mãe.
- Eu fiquei com saudade de casa - falei sincera.
- Você deve ta muito bem por lá - via que cada tom de sua fala era medida, era friamente calculada. Percebi uma força para me tratar bem - fico feliz, depois que você foi a minha Patrícia estuda que nem uma louca, e agora nem acredito - esfregou os olhos - ela vai pro exterior estudar.
Não consegui dizer nada, apenas sorri.
- Agora que ela já parou com as besteiras - e me olhou bem fundo - que ela fazia, agora que ela se encontrou novamente, ta centrada nas coisas certas da vida, no caminho de Deus, no caminho do bem, agora tudo vai dar certo. Espero que você também tenha achado o seu caminho minha filha. Ninguém está imune a erros, mas que bom que Deus nos dá tempo para refazê-los de melhor maneira né?! Como você está?
Nesse momento senti algo que só a gente podia sentir. Eu podia estar olhando nos olhos de sua mãe, mas sentia todo o ser de Patrícia junto comigo naquele instante. Ela estava comigo, por mais que não disséssemos uma palavra se quer. Ela fez menção de falar, mas eu involuntariamente segurei sua mão, impedindo-a de falar. Fiz que não com o canto do olho pra ela. Ela entendeu. Ela podia me odiar, ela podia nunca mais querer me ver na sua frente, mas ela já fora minha namorada, e ela sabia que nada do que tivemos fora um erro. E ela assim como eu também se indignava com os papos da sua mãe. Assim como eu, ela acreditava e acreditou muito tempo na gente, não dando a mínima para o que ela falava. Foi assim que nos fortalecemos por tanto tempo. Mas vi que naquele momento não adiantaria brigar com a sua mãe. Deixasse as duas felizes, naquela falsa certeza de que Patrícia havia se des-homossexualizado.
- Continuo a mesma, estudando e trabalhando muito - conclui.
Ela fingiu muito mal que não entendeu o "continuo", sorriu novamente. Neste momento o pai de Patrícia aparecera ao seu lado.
- Oh minha filha, quanto tempo - disse me abraçando. Ele nunca soube de nós duas. A mãe dela disse que era muita decepção pra um pai como ele.
- Que bom que você veio para a despedida da Pati - disse ainda com o seu braço envolta do meu ombro - como você ta?
- To bem, estudando bastante, trabalhando bastante, essas coisas - sorri completamente sem graça. A face da mãe de Patrícia estava fechada, sempre dizia que eu era a desgraça da vida da família dela, pobre coitado do pai que não sabia, porque se soubesse...
- Que lindo minha filha - disse dessa vez me soltando e indo para o lado de dona Amélia - vem almoçar com a gente amanhã? Não, melhor, vem dormir lá em casa hoje. Acho que vocês duas devem ter um monte de coisas para conversarem né? Nunca mais vi Patrícia falar de você.
Nesse momento me contive para não rir. Coitado mesmo, ele era o único que não sabia de nada. Foi engraçado no fim aquela cena. A mãe de Patrícia assumira uma cor rosa fúcsia para violeta, quase me fuzilando com os olhos, como se eu tivesse culpa da inocência do seu marido. Patrícia olhara para os seus pés branca, vi que congelara. E eu, bom eu fiquei olhando aquela situação incrédula.
Quase ao mesmo tempo as três falaram:
- Não querido, a Pati precisa de tempo para arrumar suas coisas, a mala dela ainda nem está pronta, nossa casa ta uma bagunça.
- Não pai, acho que a Manuela deve estar cansada, quer mais é deitar na cama dela, nem tem lugar pra ela dormir lá em casa.
- Não tio, não quero incomodar ninguém, a Pati de certo não arrumou suas coisas, eu vou pra casa mesmo - mesmo sem ter casa, pensei.
Inevitavelmente nós três rimos, um riso nervoso, nem um pouco pacífico, mas enfim, algo em comum, nem que fosse um sorriso.
- Que isso minha gente, tem lugar pra todo mundo lá em casa sim.
- Mas a casa ta bagunçada meu bem.
- A Manuela já é de casa.
- E a mochila dela, ta desarrumada.
- Garanto que a Manuela não se importa de ajudar.
- Mas a Manu deve ta cansada pai, que programa de índio pra ela, arrumar minhas coisas.
- Garanto que ela não se importa, se importa Manu?
Os três voltaram-se para mim. Nos olhos de Amélia via fúria, via o seu cristal quase quebrando, toda aquela falsa felicidade de me ver ali naquele momento, toda a sua simpatia ao falar comigo se quebraria se eu aceitasse. Vi nos olhos de Patrícia medo, e algo indecifrável. Vi nos olhos do seu pai inocência. O que falar num momento desses? Por dentro eu estava rindo daquela situação esquizofrênica.
- Não quero causar problemas - falei desesperada sem saber o que fazer.
- Que bom que ela sabe - resmungo quase inaudível de Amélia.
O pai de Patrícia fingiu não ouvir.
- Não causa problema nenhum, vamos. Pegou a mão de Amélia, e fez sinal para que seguíssemos eles em direção ao carro.
Quem diria, depois de tanto tempo estava indo novamente para a casa de Patrícia.