domingo, 31 de agosto de 2008

Federal, aqui vou eu!

Cheguei na rodoviária e como previa não havia ninguém me esperando. Da carta que a Patrícia me escreveu, a única coisa que ela estava errada é em pensar que eu não me importava com ela. O resto, infelizmente era tudo verdade. Sou egoísta mesmo. Ela me conhece. Então para que me mandar uma carta? Para me xingar, me jogar na cara que eu consegui estragar algo que seria perfeito com ela, por causa dos meus mimos, minhas vontades.
Olhei para as pessoas a minha volta, cada uma no seu próprio mundinho, um rapaz ouvindo som no seu fone de ouvido, uma menina correndo atrás dos seus pais, alguns homens sentados lendo seus jornais, enquanto uma moça tentava recolher todas as suas moedas que haviam caído no chão, e ninguém se dispôs a ajudá-la. Todos pareciam estar imune a qualquer manifestação de humanidade ou solidariedade. Acho que cheguei à cidade que comporta pessoas como eu. Uma cidade egoísta.
Procurei um táxi, e dei o endereço a ele. Sabia mais ou menos onde era a faculdade. Uma das várias vezes que Patrícia e eu fugimos pra cá em busca de uma balada GLS havíamos passado por lá.
- É aqui moça - disse o taxista meio mal-humorado - quer ajuda com as malas?
- Não, obrigada - disse eu pagando pela corrida.
Retirei minhas bagagens e quando as coloquei nas minhas costas o táxi já não estava mais lá. E agora? Onde era o meu quarto? Estava eu e minhas malas que conforme o tempo passava ficavam mais pesadas, olhando para a entrada da faculdade. Mas aprendi com minha tia, que quando não sabemos para onde ir, o melhor a fazer é seguir a multidão, que sempre chegamos a algum lugar. Ok, decidido. Mas qual das várias multidões eu deveria seguir? Havia um grupo de meninos e meninas emos, vestidos de preto, com uma super produção, maquiagens e alguns seguravam garrafas peti, que provavelmente não continham apenas refrigerante dentro. Claro, era sábado, dia de balada. Primeiro alvo eliminado. Olhei para a direita havia um grupo de meninas que pareciam ser meio nerds. Perfeito, nada mais correto do que perguntar para elas. Fui andando em sua direção, quando topei com outras pessoas que estavam caminhando em sentido oposto ao meu. Lá se foram as bagagens para o chão. Bati em uma menina que estava na companhia de mais duas meninas que estavam com os braços dados. Será que eram namoradas? Logo assim a recepção calorosa da cidade? Fui recolhendo minhas bagagens que estavam espalhadas pelo chão, a que a princípio estava desacompanhada me ajudou pedindo desculpas. Era uma japonesinha da minha altura.
- Desculpe-me, é que eu cheguei agora aqui, ainda estou meio perdida, nem vi vocês.
Ela era realmente muito bonita.
- Que isso - disse ela me ajudando a levantar a mochila. - Você está carregando tudo isso sozinha?
Fiz que sim com os ombros. Olhei em direção onde o grupo de "nerds" estavam, mas elas haviam sumido.
- Olha, será que vocês podem me ajudar? Estou procurando meu quarto, não faço a mínima idéia onde fica.
- Em primeiro lugar, você tem nome por acaso? - sorriu ela.
Gaydar apitando. Gaydar apitando.
[Fazendo um à parte. Se existe ou não gaydar, segundo dizem por aí eu já não sei, mas sinto, e não sei se é assim com todas as pessoas gays, que tem certas pessoas que não adianta. Está na cara. Não por ser meninos que são afeminados de mais ou moças bofinhas. Mas algo além das aparências, talvez um jeito de olhar, de falar, de sorrir. Claro, tem vezes que nosso gaydar falha fazendo até pagarmos micos achando coisas que não são, levando um belo de um toco. Mas algo apitou. Ainda mais que ela estava acompanhada de duas meninas abraçadas. Claro, claro, poderiam ser amigas que estavam com frio? Sim, principalmente porque estávamos no verão. Mas quem sabe?]
- Manuela, prazer - sorri meio encabulada.
- Hm, Manuela, você sabe qual prédio?
Tirei o papelzinho amassado de dentro do bolso e mostrei a ela.
- É perto do de vocês - disse ela referindo-se ao casal.
Elas estavam arrumadas, talvez também estivessem indo para alguma balada.
- Vem com a gente - disse a suposta namorada da mais baixa.
Sorri ainda encabulada. Se minhas suspeitas estivessem corretas, isto na minha cidade nunca aconteceria. Um casal aparecendo em plena "luz do dia" por aí.
- Hei, você é de onde mesmo? - perguntou a japonesinha sem-nome.
Enquanto eu contava resumidamente a minha história para elas, a mais baixa disse baixinho para a outra que iriam se atrasar. Mas a sua suposta namorada disse que não custava nada me acompanhar até lá. Gostei dela logo de cara. Ela fazia psicologia, a mais baixa matemática e a japonesa arquitetura. Todas no segundo semestre, menos a mais alta que já estava na metade do curso. Descobri também que a mais alta se chamava Carol e a mais baixa Ma. Foi o que eu ouvi quando elas conversavam entre si. A japinha estava me olhando, com um sorriso meio estranho. Sorri de volta.
- É aqui - disse ela apontando para um monstruoso prédio antigo.
- Boa sorte - disse a Carol com um largo sorriso - eu também já passei por isto, também sou do interior. Pode ser assustador no começo, mas depois você vai se amarrar. A sua faculdade não é longe da minha, a gente ainda se vê por aí. Qualquer coisa dá um grito.
A Ma concordou com um sorriso um pouco desgostoso e disse - Estamos indo agora que temos uma festa para ir.
- Você podia aparecer por lá, acho que você gostaria. Fica depois daquele prédio - apontando - já tem uma galera indo pra lá - disse Carol.
- Se eu conseguir eu vou, faz tempo que não saiu mesmo. Desculpa fazer vocês se atrasarem - falei olhando para a Ma - mas muito obrigada mesmo por tudo e prazer em conhecer vocês - disse dando um beijo na bochecha de cada uma. Quando chegou a vez da japonesa ainda falei - prazer em conhecer moça-sem-nome - sorrindo.
Ela apenas retribuiu o sorriso.
Subi as escadas um pouco mais animada. As meninas realmente me pareciam chegadas. Talvez fosse só impressão. Talvez não. Com a conversa parei de pensar um pouco na Patrícia. Ela disse que eu pareço pedra. Verdade, até aquele momento estava sem chorar, mas quando continuei lendo a carta, fui lembrando-me de todas as coisas boas que passamos juntas e não consegui conter.
Subi um lance de escadas, mais um, mais um, e cada vez as mochilas ficavam mais pesadas.
4° andar. É este.. Agora achar o número.. Ok, encontrado. Mas e a chave? Nossa.. Havia me esquecido completamente disso. O reitor combinou comigo que me daria ela na segunda de manhã. E agora?
Resolvi bater na porta, para ver se alguém atendia. Vi que havia um bilhete colado, perto da maçaneta.
"Olá Manuela
O reitor me avisou sobre a sua chegada. Como precisei sair, deixei a chave no quarto ao lado.
Seja bem-vinda.
Amanhã de manhã conversamos.
em comida dentro da geladeira, sinta-se a vontade para comer.
Ass: Débora"
Débora, essa seria minha futura colega de quarto por uns 5 anos. Legal. Bati na porta ao lado e uma menina de pijama me atendeu tirando os fones do ouvido.
- Sim? - disse ela com um visível desconforto.
- Hm, desculpa bater a essa hora, mas a Débora - mostrei o bilhete - deixou a chave aí?
- Ah sim, perai - fechando a porta na minha cara. Educadas as pessoas por aqui, pensei. Abriu novamente entregando-me as chaves com um chaveiro do Frajola.
- Tchau - fechando a porta mais uma vez.
Ok, ela deve estar de TPM.
Abri o quarto. Estava levemente bagunçado. Casacos e calças em cabides em cima da cama. Acho que a Débora havia mandado lavar. Olhei para a mesinha de cabeceira e tinha uma xícara em cima juntamente com um livro. Algo sobre Marketing e Comunicação. Larguei minhas mochilas no chão ao lado da cama.
Estava começando uma nova jornada na minha vida. Federal aqui foi eu.