segunda-feira, 16 de junho de 2008

Despedida

- Ela me disse... me pediu..
Sorri.
- O que você está sorrindo?
[Silêncio]
- Olha.. eu também não sei porque tenho que ficar dando esses recados.. Por que vocês não conversam? Sabe, to cansando de ficar dando conta da sua vida para todo mundo.
- Nunca lhe dei essa incumbência, rs.
- Você nunca me deu essa opção né?!
- Olha... Eu já falei pra parar de me ligar, de me mandar e-mails, recados no orkut, de me acordar às 4 da manhã dizendo que está com saudade... É complicado.. – sorrindo novamente.
- Eu acho que você está gostando de tudo isso, sabe?... E pare já de ficar se achando.. Só porque..
- Ela está atrás de mim.. Depois de tanto tempo... Eu achando.. querendo.. sonhando.. Às vezes nossos sonhos podem se tornar pesadelos... – conclui. Ela me olhou desacreditada.
- Bom, o recado está dado. E nem pense que vou dizer isto ou aquilo. Essa vez foi a gota d’água. Você sabe que no meu trabalho é complicado, o pessoal cai em cima mesmo. Ainda mais porque ela veio.. Falando alto, dizendo que precisava achar você. Ela e aquele jeito dela – o sorriso era inevitável. Eu sabia do seu jeito. Eu que sabia. Vem como quem não quer nada, enfeitiça e você fica dependente pro resto da vida. No meu caso, o feitiço se virou contra o feiticeiro. No caso a feiticeira mais linda que eu já conheci.
É nessas horas que paro e penso sobre a vida. Na fugacidade dela, na verdade. Não me recordo de quando tudo isso começou, só sei que estou aqui, e o “sem ela” não me é mais tão ruim.
As pessoas são assim mesmo, desejam, desejam e quando conseguem, desistem, desistem. Eu fiz parte dessas pessoas. Se eu não faço mais? Não sei, só sei que somos assim mesmo.
Deixei-a na mesma facilidade em que me apaixonei por ela. Tão fácil, tão simples.. E foi melhor assim, é melhor assim – eu espero.
- Ta ficando tarde.. É melhor eu ir.. – a voz não enganava ninguém, qualquer que fosse o manifesto para ficar ia ser acatado imediatamente. É muito mais complicado quando temos o controle da situação, é muito mais difícil decidir o que fazer ou não.
- Quer que eu leve você?
- ... Não precisa, é perto. Vou a pé, to mesmo precisando emagrecer. – sua decepção estava nítida.
Mulheres.. Sempre precisando de um elogio, sempre precisando de alguém que as venerem, que as desejem com toda a voracidade que seu ego pode agüentar. E mais, porque o ego de uma mulher tem começo, mas nunca um fim.
- Escuta – falei. Não adiantava mais ficar prolongando esse assunto. A esperança ressurgiu nos seus olhos castanhos rajados de verde.
- Fala. – um sorriso tímido estava querendo aparecer.
- Ahm.. Abre o meu guarda-roupas.
- Ãn?
Sorri outra vez. Não consegui falar nada. É extremamente doloroso se despedir das pessoas que gostamos. Ainda mais sendo dela. Ela não é ELA, mas é a “ela” de sempre.
Ela foi caminhando em direção ao guarda-roupas, desviando das roupas atiradas no chão, da mochila semi-aberta que revelava um saco vermelho. Logo puxei-o para mim, ela nem percebeu.
Abrindo a porta, me perguntou com um certo quê de tristeza. Ela já sabia, ou pelo menos desconfiava, todo meu esforço para não lhe contar foi pelo cano quando ela atendeu meu celular ontem à tarde.
- Onde estão suas roupas? Está tudo sujo? – quis fazer menção de que não sabia de nada.
- Eu sei que é em cima da hora.. Não sei porque não falei para você antes. – estava me segurando para não desabar ali na sua frente. Olhei pela janela. Dava para ver a lua, linda como sempre. Minha paixão pela lua começou muito cedo, quando ainda morava com meus pais na praia, tinha mais ou menos 5 anos. Meu pai, amante nato da natureza me levou para ver a lua cheia a beira-mar. Aquela noite foi inesquecível.. Principalmente pelos seus acontecimentos posteriores.. Inesquecível..
- Aonde você pensa que vai? – disse ela interrompendo meus pensamentos. Dei-me conta de que ela estava me olhando, esperando o que eu tinha para lhe falar. Apesar dela saber... sempre soube tudo de mim. Sempre. Quando contei a ela, ela que concluiu... – mas isso é outra história.
- Você lembra que eu estava tentando ir para a federal, não lembra?
- Você conseguiu... – sua voz tinha um misto de felicidade com uma profunda tristeza.
Não precisei responder, ela veio em minha direção e me abraçou. Estávamos chorando. Tratei logo de parar, pois sempre tive que ser a mais forte, a confiante, a positiva, a otimista, enquanto ela sempre foi a insegura, a indefesa, a chorona.
- Olha – falei me separando dela – eu quis contar a você antes.. Mas não queria causar falsas esperanças. Nem tristezas antes da hora.
- Você sempre foi essa egoísta mesmo! Você acha que pode controlar a vida das pessoas e seus sentimentos...
- Eu..
- Não me interessa o que você acha, quando você vai? – e soluçando foi para a beira da janela. Seu rosto ficava mais lindo ainda iluminado pela luz da lua. A lua, minha fiel companheira.
- Eu quis lhe contar antes..
- Quando? – interrompeu-me ainda olhando para a rua.
- Amanhã de tarde...
- Amanhã?! – gritou ela, mas ainda sem me olhar. – Você só pode estar louca!
- Você sabe que eu não ia continuar aqui por muito tempo. Depois que a tia Med se foi, a única coisa que me fez ficar aqui foi você.
- Eu não acredito. Eu simplesmente não acredito. E você ainda foi comigo, fez a minha matrícula, viu a casa de estudante para eu ficar. Planejamos tudo. Que iríamos nos visitar, uma semana aqui, outra semana lá.
- Eu..
- Você nada! Como pôde fazer isso comigo? Vai me deixar aqui.. nesse fim de mundo e sozinha?
- Ah, não é tão ruim assim – sorri sem graça – pensa pelo lado positivo, pelo menos não vai mais ter que dar satisfação pra ninguém sobre mim. – eu não agüentava vê-la chorar, quis me aproximar dela, mas acho que ela não iria me receber tão bem assim. Estava tremendo, engolindo o choro ainda disse:
- Que horas?
- Eu não queria que você fosse, sabe como sou, não gosto de despedidas..
- Que horas Manuela? – seu olhar ainda estava na rua.
- Às 17h. Mas eu não...
- Eu ainda vou estar no trabalho. – olhou para a lua. Voltando seu olhar para mim, respirou fundo. Antes que ela pudesse começar a me xingar ou desaprovar falei:
- Essa é a grande chance da minha vida. Ir pra capital. Estudar na faculdade federal, e ainda trabalhar lá. Lembra quando nós fizemos um pacto que iríamos morar e fazer faculdade lá?
- Você falou certo - sorrindo. Nós iríamos, não você sozinha me deixando aqui. Não pense que eu não fico feliz por você. Esse sempre foi seu sonho. Agora eu penso, muito mais seu do que meu. Você merece isso. Virando novamente seu olhar para qualquer lugar, menos para mim.
Eu queria abraça-la, dizer que ia ficar tudo bem, mas nem eu sabia se ia mesmo. Cheguei a pensar em desistir. Mas a vida é feita de escolhas, e a minha eu já tinha feito. Aqui, nesta cidade pacata do interior eu tinha que vestir uma máscara, ser uma personagem. Minha vida toda foi um teatro. “Olha, como você está linda! E o namorado, não quis vir? Não, ele está trabalhando”. Pelo menos não tive que encarar isso com meus pais. Eles foram antes que pudessem saber de qualquer coisa. Lembro deles, mas com o passar dos anos, as lembranças estão se apagando. Mas a noite da lua cheia... Inesquecível.

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