sábado, 30 de maio de 2009

Mais um, menos um

- Manu, está na hora de levantar - Débora me cutucou fortemente.
Abri os olhos ainda inchados pela noite de sono mal dormida. Tomei um banho rápido e fui para aula. Sabia mais ou menos onde era a sala, pois ainda não havia tido aula segunda-feira.
A aula passou rápida, a professora era deslumbrante. Morena dos cabelos lisos, tinha olhos castanhos e uma linda comissão de frente. Me senti novamente como se estivesse no corpo de um adolescente de 14 anos que estava recém descobrindo a sexualidade. Sorri sozinha. Reparei que a Rê não estava na aula, talvez estivesse perdido a hora.
Conversei com alguns colegas, Marcelo era um naqueles badboys que parecem que vão bater em todo mundo, mas conversando me pareceu uma pessoa muito legal, Sônia uma baixinha muito patricinha. Os dois formavam um belo casal, pensei um pouco cansada do final de semana. Se isso era faculdade eu ia morrer em menos de um ano, passar final de semana hidratado por álcool e recheado de pizza.
Já passava do meio dia quando saímos da sala, a professora se prolongara mostrando-nos uns vídeos que ela tinha feito e editado. Me apaixonei pela matéria.
Saí pelo corredor que dava para a entrada do prédio, caminhando sem olhar pra frente senti uma mão me cutucando o ombro esquerdo, olhei para o lado e vi a Yumi. Não consegui disfarçar meu sorriso quando a vi.
- E ai bixo, como vai? - disse enquanto me dava um beijo na bochecha - não quis sair com a gente ontem por quê?
- Oi.
Ela estava linda, com uma calça jeans e uma regata cinza muito justa que demarcavam suas curvas. Me perdi um pouco olhando para ela, até que ela me cutucou novamente perguntando se eu estava na Terra.
Fomos caminhando em direção ao Refeitório conversando, ela me contando que eu havia perdido uma festa maravilhosa do Maurício, eu reclamando que não tinha como falar com eles pois todas minhas coisas estavam na minha mochila que ela havia raptado.
- Nossa, é verdade, e a Carol achando que você tinha ficado um pouco assustada com a gente, por isso que não atendeu o telefone - sorriu colocando a mão sem tala sobre a testa.
Nos juntamos com Paulinho e Leandro em uma das poucas mesas vagas aquela hora.
- Querida, você perdeu uma festa m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a!!! - falou Paulinho largando os talheres sobre a bandeja, apoiando sua cabeça nas mãos.
- Tinha um monte de heteros lá flor, você até ia se divertir - falou Leandro me olhando.
- É? - falei pouco desinteressada - então xingue sua amiga aqui do lado - apontei para a Yumi - que roubou minha mochila com meu celular e todas minhas coisas - ela sorriu.
Lembrei que nem tinha visto meu celular. Quando o peguei vi que estava desligado, provavelmente acabara a bateria. Olhei para o relógio atrás de mim e levei um susto, já eram quase 13h30min, e estava atrasada para o primeiro dia da minha bolsa trabalho. Saí correndo mal dando tempo de nos despedirmos.
Por sorte cheguei em tempo na sala. Era um trabalho meio burocrático de mais para o meu gosto, mas eu estava precisando de dinheiro. O dinheiro era pouco, fato, mas antes isso do que nada. Se conseguisse alugar a casa da Med, e com o dinheiro da bolsa poderia sobreviver tranquilamente morando numa República.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Labirinto

O sol que entrava pela janela era forte, acordei suada tamanho era o calor que fazia naquela manhã de domingo. Anotei mentalmente que não importava onde eu iria morar, eu sempre teria cortinas nas janelas, porque acordar com aquele sol era desumano. Quando abri os olhos em definitivo, depois daqueles "só mais cinco minutinhos" que se tornam horas, depois de muito relutar comigo mesma, percebi que estava sozinha na sala. Onde será que a Déia havia se metido, pensei.
Precisava urgentemente ir ao banheiro fazer xixi. Mas onde era o banheiro. Agora com luz percebi que na minha frente tinha uma porta, um pouco mais a direita outra porta que estava entreaberta, fechando o quadrado a cozinha, e a direita da cozinha outra porta que estava fechada. Na outra parede tinham quatro janelas enormes de vidro que davam para um paredão de prédios. Talvez para os fundos de alguma empresa, os pufes e eu. O apartamento era grande, e estranhamente me dava uma sensação de aconchego. Apesar dos tênis jogados pelo chão, algumas tampas de garrafa pelos cantos, dois ou três cinzeiros perto dos sofás. Parecia que eu já tinha ido ali, ou que talvez um dia iria morar por ali.
Como havia três portas que poderiam ser o banheiro, resolvi encarar a que já estava entreaberta. Fui caminhando pé ante pé, sei lá porque motivo, talvez porque me sentia uma invasora dentro da casa de outras pessoas que mal conhecia.
Bati na porta e como não houve resposta terminei de abri-la. Por causa do forte sol que vinha da rua, meus olhos demoraram algum tempo até se adaptar a escuridão em que a peça se encontrava. Foi então que percebi que era um quarto, com uma cama de casal gigante, e várias, mas muitas, mas todas as roupas do mundo espalhadas por todos os cantos imagináveis do quarto. E as roupas eram coloridas, havia serpentes feitas de penugem, botas de onça, um casaco verde limão que parecia ser de plástico. Reencostei a porta e sai Dalí com a sensação de invasora maior. Engraçado que aquele quarto parecia muito ser o da Déia, mas ela não estava ali. Ou talvez estivesse embaixo de alguma das várias montanhas de roupas.
Olhei para a porta da esquerda que estava fechada e para a do lado da cozinha. Por dedução, pensei que os quartos sempre estão próximos nas casas, e resolvi arriscar a porta nos fundos da sala, a que ficava ao lado da cozinha.
Bati na porta, e como antes não houve resposta.
Abri a porta devagar, a princípio era um banheiro, pois tinha uma pia com um espelho em cima. Quando terminei de abri-la, soltei um gritinho inconsciente.
Déia estava atirada no chão, emborcada por cima do vaso aberto e sujo. Parecia cena de filme trash, só faltou ter sangue espalhado pelas paredes, pensei. Demorei horas ajudando Déia a se levantar, tentar limpar um pouco o vaso para poder usá-lo sem tanto nojo, lavar a cara da Déia.
Já era tarde, perto das 17h quando enfim nos ajeitamos, ela inúmeras vezes me pedindo desculpas por tudo, Rê ainda não havia levantado, ou talvez nem estivesse lá.
Estávamos sentadas no sofá, eu no laranja e ela no preto olhando qualquer coisa na TV.
Engraçado que por mais que tivesse sido uma situação completamente desagradável limpar um banheiro sujo por bêbados e ajudar um a se limpar e voltar a vida, eu havia simpatizado muito com Déia, senti que foi algo mútuo, aquelas coisas que acontecem com poucas pessoas, que só de se olhar bater um 'clic', algo diferente, meio mágico. Mas era um 'clic' sem pretensões, sem segundas intenções, um 'clic' de que talvez dali poderia surgir uma amizade muito grande. Isso só acontecera com uma pessoa, com o Dé. Engraçado que os dois tinham o mesmo nome, coincidência pensei. O sol já se punha quando Rê abriu a porta do lado do quarto da Déia.
Já não havia mais marca de quadradinhos em seu rosto, seu cabelo estava bagunçado mas ficava estranhamente bonito. Era bem liso, meio curto, meio lésbico de mais, pensei.
- Bom dia suas bêbadas - disse enquanto sentava ao lado de Déia abraçando-a.
- Oi - falei sorrindo.
- Ainn - gemeu baixinho Déia escondendo sua cara no colo da Rê - nem me fale, só não me diz que eu tentei te agarrar, tenho uma leve impressão que fiz isso.
Rê deu uma gostosa gargalhada - pena que você só quer ficar comigo quando está bêbada - falou ela num sorriso meio enigmático.
- Que mentira? Foi você que..
Mas Malu abrira a porta do quarto, saindo ainda fechando sua blusa de botão. Usava aquela espécie de meia furadinha em forma de quadradinhos.
- Bom dia ladies, o que tem pra comer? - disse atirando-se em um dos pufes ao meu lado.
- Nada, como sempre - falou Déia - antes morri de vergonha oferecendo pão pra Manu, só tinha um que tava verde - e riu enquanto Rê passava a mão sobre seus cabelos.
- Eu sou muito a fim de ir no barzinho comer um pão de queijo com Coca.
- Nossa, só pela Coca eu já sou também - falei animada. Incrível que uma Coca sempre faz bem, principalmente depois de um trago forte.
Fomos as quatro, Malu um pouco mais atrás, para o barzinho onde havia almoçado no dia anterior.
Porém eu só tinha 2,50 reais. Todos meus documentos, cartões ficaram dentro da minha mochila no carro da Yumi. Pensei em voltar pra casa, pois não teria dinheiro para pagar, até que Déia disse que era por conta dela, já que ontem eu tinha bancado nossa saída.
Passamos o resto do domingo conversando sobre ressaca, dinheiro, Coca-Cola, e mulheres.
Se eu tinha falado alguma coisa? Não, apenas sorria.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Ombro amigo na hora certa

Já passava da meia noite quando Déia finalmente me ganhou uma partida. Na verdade havia a deixadoela ganhar, pois estávamos a horas jogando e o máximo que ela tinha feito era chegar até a bola oito. Ela pulara feliz no mesmo lugar, tomando mais um gole de cerveja.
- Até que enfim né? - falou um pouco enrolada - eu - esticou os braços - ganhei - falou um pouco alto de mais. Algumas pessoas viraram-se para nós, mas só conseguíamos rir. Pensei que já estava na hora de parar com a cerveja, como ontem, as coisas estavam ficando brilhosas e embaçadas de mais para qualquer consciência sã, cheia de razões e principalmente, sóbrea.
- Então Déia, vamos nessa? - falei guardando o taco no seu lugar.
- Mas já? - falou derrubando sem querer o copo de cerveja no chão. Espalhara vários cacos de vidro por debaixo da mesa e ela só conseguia rir sem parar. Ela definitivamente estava bêbada.
- É melhor nós irmos para casa agora né? - falei tornando-me sóbrea instantaneamente.
Paguei a conta com minha última nota de cinquenta. Gastamos 47 reais com 50 centavos. Lá se fora meu dinheiro.
- Onde você mora Déia?
- Deixa que eu me viro - falou tropeçando no degrau da saída do bar, mas consegui segurá-la antes que caísse no chão.
- Não vou deixar você ir para casa sozinha desse jeito - falei me sentindo uma mãe.
- Eu moro por ali - apontou para a avenida de cima.
- E esse por ali é muito longe?
- Que nada - falou fazendo um beiço estranho. - Sabe - ela não conseguia falar direito - você - e me cutucou com o indicador por alguns segundos - você - disse agora sorrindo - você é muito legal.
Eu ri porque foi muito engraçado, e eu não estava tão sóbrea assim para me conter vendo uma bêbada falando que eu era legal. Aquelas coisas que quando acontecem é muito engraçado, mas quando se conta não, assim bem curto e grosso.
Caminhamos por ruas um pouco escuras de mais, mas todo bêbado que se preze se torna valente da noite pro dia, ou do copo pra boca, continuamos caminhando.
Tocamos a campainha várias vezes, até achar que talvez ela não soubesse direito onde estávamos, mas para meu grande alívio Rê abrira o portão.
Ela estava com a cara amassada como se estivesse dormido por cima de algo quadriculado, o desenho que formara no seu rosto lembrava os quadradinhos de uma raquete de Tênis.
- Oi, desculpa incomodar, mas é que a Déia - Eu, gritou ela levantando as mãos - Eu sou a Déia, disse rindo sem parar.
Sorri para a Rê dando com os ombros - a gente bebeu um pouquinho de mais...
- Mas só um pequetitinhozinhozinho assim - falou a Déia enquanto juntava seu polegar com o indicador tentando mostrar a quantidade de cerveja que havíamos tomado.
- Normal, a Déia é foda - falou rindo pois agora a Déia estava dançando sozinha com um par invisível - Sério que ela só tomou cerveja?
Rimos e com grande esforço conseguimos carregá-la para dentro do apartamento.
Era um apartamento antigo, e por ser assim era enorme perto dos novos de hoje em dia. Logo na entrada era a sala, que tinha um sofá preto em L com um sofá laranja, alguns pufes pretos, uma estante onde estava uma televisão enorme. No fundo da peça percebi que era a cozinha, estilo americana, com bancos altos que lembravam aqueles de boteco.
- Deita ela aqui - disse Rê apontando para o sofá preto.
- Tudo ta rodando - falou Déia rindo e fazendo círculos com o indicador.
- Acho melhor deixar ela sentada - Rê pegando-a pelos ombros e encostando-a no sofá.
- Tenho cede - falou Déia muito alto.
- Schhhhii sua louca, vai acordar a Malu - falou Rê colocando seu dedo sobre a boca dela.
- Tenho fome - cantarolava Déia sem dar atenção aos pedidos de Rê.
- E fome sabe do que? - perguntou Déia.
- Do que - respondeu Rê já conformada que se não desse trela para ela, era capaz dela gritar ainda mais.
- De mulher, vem cá - puxou-a pelo braço fazendo-a cair sentada no seu colo.
- Cara, vocês estão chapadas, não é possível - falou Rê rindo, tentando se desvencilhar dos braços de Déia que mais pareciam de um polvo.
- Vou buscar água pra vocês e Manu, não deixa essa maluca ir para lugar nenhum.
Mas eu estava cansada, dois dias seguidos ingerindo uma quantidade absurda de álcool me deixaram meio lenta, com sono. Me escorei no sofá laranja, pensando que era só enquanto a Rê buscava a água. Acordei no outro dia com uma dor insuportável no pescoço. Havia dormido sentada, com a cabeça caída no sofá do apartamento das meninas.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Bons ventos que sopram do sul

- Aqui está - disse a moça do balcão - mais alguma coisa?
- Me vê dois desse daqui - apontou para alguma coisa na estante.
Olhei para seu rosto, era Patrícia. Mas como estava diferente [!], estava simplesmente deslumbrante.
Saiu com dois sacos na mão. Deixei a moça do balcão falando sozinha e fui atrás dela. Não sabia como chamá-la, o que dizer. Eis a diferença de dar oi para Ângela e para Patrícia. Ângela era daquelas pessoas que um dia já tiveram alguma relevância na minha vida, mas que agora era uma completa estranha. Patrícia teve todas as relevâncias da minha vida, e nunca havia deixado de ter. Ela foi em direção ao balcão que tinha bolos. Lembrei que ela adorava aquele bolo de laranja do mercado. Vi que ela estava procurando alguma coisa, peguei o bolo de laranja na mão.
- Esse? - arrisquei com um sorriso.
Ela me olhou e ficou parada. Poucos segundos. O suficiente para que meu coração batesse forte, que minha respiração acelerasse e que minhas mãos ficassem frias e suadas de nervosismo.
Ela inclinou a cabeça para um lado, para o outro, me olhou de cima a baixo me analisando. Podia ver nos seus olhos que ela estava processando todas as informações daquele encontro casual.
- Manu?! - falou enfim sorrindo espontaneamente.
Apenas sorri, estendendo-lhe os braços.
Ela por sua vez pegou o bolo da minha mão, me deu um seco beijo na bochecha e fechou um pouco o sorriso.
- Nossa como você ta linda - falei não resistindo ao vê-la assim, tão perto de mim.
Ela ficara visivelmente encabulada.
- As coisas mudam né Manu - disse ela mais séria.
- Mas você sempre foi linda - me senti no segundo ano quando ficava flertando com ela no intervalo, já que ninguém sabia do nosso romance e não podia agarrá-la ali mesmo.
- Tem coisas que mudam pra melhor, outras pra pior - suspirou - é a vida.
Não conseguia desfazer meu sorriso olhando para seus olhos. Eles não me encaravam de fato, olhava para minha mão, para minha orelha, para minha mochila preta desgastada, para meu All Star furado, pra tudo, menos para os meus olhos.
- Fiquei sabendo da tia Med, sinto muito - falou em um tom menos formal.
- É a vida né, uns vem, outros ficam e todos vão um dia.
Apenas levantou suas sobrancelhas. Foi andando em direção à estante dos leites. Segui-a. Enquanto procurava seu leite, olhei novamente para ela, assim mesmo, sem pudor. Como ela era linda, pensei. Como eu pude ser tão idiota e deixar essa mulher simplesmente passar pela minha vida?
Enquanto empilhava os dois leites no seu braço, ela nunca fora de pegar cesta ou carrinho de compras, olhou para minha cestinha.
- Agora isso é a sua refeição Manu? Coca, Trakinas, Clube Social e um Miojo?
- Ah, eu ia pegar uns pãezinhos também - falei sorrindo inocente.
- Nossa, que saudável que você é. Não sei como consegue ser magra desse jeito.
Sorri com tom de "fazer o que". Ela revirou os olhos também sorrindo. Chegou mais perto, senti seu perfume que há tanto tempo não sentia, colocou sua boca quase dentro do meu ouvido.
- E pára de olhar para minha bunda - falou baixinho com um sorriso no canto da boca - eu odeio esse uniforme. E continuou andando, segui atrás dela.
Esses poucos minutos de constrangimento e estranhamento que estávamos tendo se desfez depois sua advertência. Em poucos minutos parecíamos que nos falávamos sempre, que aqueles meses distantes nunca haviam existido.
- Nossa, que saudade que eu tava de você Pati - falei melancolicamente - fazia muito tempo que não nos víamos.
- Cinco meses Manu - olhando triste para as revistas que estavam na estando ao lado do caixa.
- Nossa, tudo isso? - falei um pouco incerta de sua precisão.
- Se eu disser quantos dias vai parecer obsessão né? - sorriu ficando corada.
- Você vai como pra casa, falei enquanto saíamos do mercado.
- A pé, como sempre, já esqueceu disso também? Que moro aqui pertinho, perto também da sua casa? Acho que sim né? Porque nunca mais veio me visitar - falou tornando-se séria.
- Ah, por favor...
- Não, não vamos brigar - falou olhando para o lado.
- Eu to de carro - tentando desfazer aquele silêncio extremamente constrangedor.
Ela se virou para mim - Que carro?
- Do Rogério, ele me emprestou hoje.
- Nossa, ele ta muito seu amigo né?
- Ele sempre foi como um pai pra mim. Fiz uns favores pra ele de entregar documentos em vários lugares hoje, em troca ganhei o carro hoje à noite. Apesar de que vou pra casa ficar sozinha me entupindo de coca e trakinas - sorri um pouco amargurada. Quer uma carona?
- Tenho até medo de andar com você - sorriu - mas vamos lá né?
Coloquei suas sacolas no banco de trás, e as minhas, que depois que encontrei com ela haviam se multiplicado pois me fizera pegar umas frutas, um arroz, uma carne para comer "direito", no porta-malas.
Enquanto contornava o estacionamento do mercado meu celular começara a tocar. Pedi a ela que atendesse.
- Alô? Como? Hm.. Frete?
Quando ouvi a palavra frete lembrei que ainda não havia contado a ela que iria mudar de cidade daqui a dois dias.
- Só um pouco - falou virando-se para mim - tem um cara do frete querendo saber que horas é para ele passar na tua casa.
- Diz que eu ligo pra ele depois - falei visivelmente nervosa.
Quando desligou o telefone percebi que seu olhar estava sério.
- Pra que frete? - perguntou.
- É que bem, a - fiquei procurando alguma coisa para dizer - a tia Med, quando, bem, quando tava viva me falou que se um dia ela morresse era para eu doar todas suas coisas para caridade. É, é isso - me convenci. No fundo era verdade, ela havia pedido isso, mas eu nem havia me lembrado.
- Ah, sim, caridade - falou ela desacreditada. - Pensei que.. Nada, esquece. E virou seu rosto para a rua, fazendo com que seus cabelos fossem jogados para trás pelo vento que batia de leve no seu rosto.
- A Luciana ainda fala comigo, acredita?
- Nossa, não acredito mesmo! Ela ainda fica me ligando... - sorri ainda satisfeita por saber que Luciana, depois de tanto tempo havia caído na minha rede, porém era tarde de mais. Eu já estava em outra, na verdade, em outras.
- Isso Manuela, sorria. E eu que tenho que ficar recebendo suas ligações. Foi engraçado sabe, porque hoje ela apareceu lá no meu trabalho, isso sim é inacreditável.
- Sério?
- Sim, ela me pediu pra te dizer umas coisas - olhava para o lado com um certo quê de raiva.
- Não quero saber nada dela agora - falei tentando desfazer aquele assunto que tanto incomodava ambas.
Logo chegamos em frente a sua casa. Patrícia já estava abrindo a porta quando segurei sua mão.
- Pati, espera - ela se virou vagarosamente em minha direção - eu queria falar com você.
Ela olhou para minha boca, fez com que meu coração pulasse forte - agora não da, tenho que ir - falou olhando para os meus olhos.
- Sabe, eu precisava mesmo falar com você, vamos lá pra casa agora?
Ela deixou escapar um sorriso, mas logo o desfez, notei que com um certo esforço.
- Não posso Manu, e é melhor eu sair logo daqui antes que minha mãe apareça na porta e veja você aqui.
- Então amanhã, promete pra mim que vai amanhã lá em casa? Eu preciso mesmo falar com você - falei quase suplicando - Te juro que não vou fazer nada de mal com você - sorri maliciosamente.
Ela sorriu de volta.
- Combinado - disse saindo. Quando deu a volta no carro, chamei-a.
- Pati, vem cá - disse baixinho.
- Que foi? - falou ela se aproximando.
- Não vai me dar um beijo de tchau? É assim que você se despede das suas amigas? - falei brincando.
Chegou mais perto, por alguns instantes pensei que ela beijaria minha boca, mas beijou minha testa. Me olhou profundamente nos olhos e saiu sorrindo. Quando fechou a porta de sua casa ouvi alguma coisa como "não mãe, o André me trouxe aqui". Ri alto. Eu era o André, como nos velhos tempos.

Pequenos retalhos

Tenho que comprar um Clube Social para a viagem, muitas horas para ficar de estômago vazio, pensei. Que saco fazer compras!
Indo em direção ao corredor das bolachas, topei com uma promoter que estava divulgando o novo café sei-lá-o-que. Experimentei mais por que era a Ângela que estava me oferecendo, uma velha conhecida do cursinho. Ela era amiga de Luciana, nos ajudava a despistar a mãe de Luciana que nunca acreditou que sua filha linda gostava de meninas.
Conversamos um pouco, aquelas perguntas sociais de sempre - E ai, como vão as coisas por aí? E a mãe? E a facul, e o trabalho? após isso, e só isso, fez-se aquele silêncio constrangedor de quem um dia já teve alguma intimidade, e que agora não passava de uma completa estranha. Poucos meses fizeram com que Ângela se tornasse uma pessoa qualquer na minha vida. As amigas de Luciana sempre colocavam caraminholas na cabeça dela. Sempre diziam que eu ficava com um monte de meninas por aí, quando quem era a mulher cobiçada do nosso relacionamento era ela. Ela sabia que podia ter qualquer pessoa que quisesse, hetero ou não, homem, mulher, qualquer coisa. Mas nunca soube por que Diabos que ela achava que eu conquistava todo mundo. Talvez porque eu também conversava com todos, porém meus assuntos eram além do "será que chove amanhã". Ela dizia que eu era estilosa, vai saber o que ela queria dizer com isso e que cada um tem sua beleza, e que a minha era cativante demais. Na verdade ela era o corpo e eu a cabeça do nosso relacionamento. Mas Ângela e eu brigamos porque uma vez ela inventou uma história de que eu ficava com a Rafa, a mesma Rafa que a Patrícia pegava, ou era pelo menos o que todos diziam. Só que eu mal conhecia a Rafa, justamente por ter ciúmes, confesso, da Patrícia. De tanto a Ângela, juntamente com a Luciana, me enxerem o saco de que eu a traía com a Rafa, um dia em uma festa que casualmente a Luciana não estava junto, conheci a maldita ou bendita, depende do referencial. Acabamos conversando poucos minutos e aconteceu uma coisa muito rápida, quando vi estávamos nos beijando intensamente num canto escuro de uma sala qualquer.
Luciana nunca soube disso, ou pelo menos fingia não saber. Já Ângela constantemente vinha me fazer ameaças de que se eu não contasse para a Lu, ela mesma contaria. Nunca contou, talvez por medo de que Luciana ficasse brava com ela e não comigo. Era sempre assim, Luciana sempre me dava razão no final.
Foi assim que fui enchendo o saco de Ângela. Na verdade sabia por que ela não gostava de mim e não parava de encher a cabeça da Luciana. Sabia, ou pelo menos essa era a minha teoria. Para mim Ângela sempre fora apaixonada pela Lu, mas afinal, quem não era?
Duas semanas depois que Luciana e eu terminamos descobri que elas ficavam enquanto nós namorávamos. Talvez Ângela achasse que eu sabia e era por isso que não gostava dela. Na verdade, e bem verdade, quando fiquei sabendo pelo Dé, que sempre sabia de tudo, eu achei tanta graça que cheguei a me engasgar com a Coca-cola. Fiquei satisfeita e com um leve alívio de que não era só eu que traía no nosso relacionamento.
- Bom querida - saiu mais irônico do que eu esperava - tenho que ir fazer minhas compras. Bom trabalho aí - falei olhando para seus pés que provavelmente estariam doendo de ficar tantas horas em pé sobre um sapato de bico fino, inevitavelmente sorri maldosa.
- Pra você também, honey.
Continuei minha saga em busca das comidas que precisava para o último final de semana aqui na minha cidade.
Coca, é disso que se precisa para viver, uma coca bem gelada com Trakinas de morango. Isso seria minha janta, pronto, decidido. Peguei o Clube Social para a viagem. Para o almoço de amanhã, um miojo, à noite chamo qualquer coisa. Fui para a fila do pãozinho. Fiquei atrás de uma menina que tinha um corpo lindo, estava usando um uniforme um pouco justo, que fazia sua bunda ficar inocentemente saliente. Seus cabelos eram cor de mel, parecidos com os de Patrícia pensei.
- Quero 5, por favor.
Quando ouvi sua voz não acreditei.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Sinuqueando

- Então vocês dividem um apê é? E fica onde?
- Fica aqui perto, sabe como é, o mais perto possível da Facul.
- Você também faz Publicidade?
- Não - e mostrou com suas mãos as suas roupas - não tá na cara que eu faço moda?
Ri. Era verdade, sua combinação estava no mínimo "fashion".
- Claro que sim.
Assim continuamos conversando até chegar à frente da República.
Era 19h. Subi o primeiro degrau da pequena escada que dava para a República, quando virei para Déia.
- Ahm... Você tem alguma coisa pra fazer agora? - perguntei, me arrependendo um pouco.
- Na verdade tava pensando nisso nesse exato momento, combinei que só ia as dez pra casa, pouts que mancada.
- Tem sinuca aqui perto, quer jogar? - falei abrindo um sorriso.
- Nossa, faz tempo que eu não jogo, se você prometer não rir de mim, sim.
E lá fomos nós para o barzinho da esquina.
- O que você está achando daqui? - me perguntou enquanto estourava o bolão branco nas outras bolas do lado oposto da mesa.
- To gostando muito, muito mais interessante do que a minha cidade.
Minha vez de jogar, fiz duas bolas seguidas e ela me olhou surpresa - Ah, você é sem graça, assim não da pra jogar.
- E você já sente falta de casa?
Parei uns instantes para pensar. Na verdade não sentia falta de nada. Talvez do André e sua peruisse. Sim, definitivamente aquele menino me fazia falta. Mas fora ele... Patrícia? Na verdade eu já estava acostumada com a sua distância. Depois que havia começado a namorar com Luciana, nunca mais nos vimos com frequência, e a frequência que tínhamos se tornou raridade. Fazia muito tempo que não a via, até sem querer encontrá-la no mercado, dois dias antes da minha viagem. E que surpresa agradável.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Encontros casuais

- Manu? Você ouviu alguma coisa que eu falei? - perguntou Carol sorrindo para mim.
- Nossa, desculpa - falei corando levemente - tava longe, pensando na vida.
Entrei no quarto me jogando em cima da cama. Adormeci imediatamente. Acordei quando Débora entrara no quarto. Ela falava ao telefone, desligando após me dar um oi com a cabeça. Conversamos rapidamente sobre como havia sido a sexta-feira, o que faríamos nesse sábado. Estava morrendo de fome. Fui almoçar num dos barzinhos mais badalados da faculdade. Como era final de semana e o Restaurante Universitário não estava funcionando, a maioria dos moradores de Repúblicas da redondeza almoçavam lá. Já passara das 14h mas ainda havia muita gente comendo.
Sentei sozinha numa das poucas mesas livres. Mas logo vi um rosto conhecido, era o Paulinho e o magro cheio de piercings. Ele veio sorridente em minha direção, perguntando se podiam se juntar comigo, que havia esperado para almoçar pois pensava que não ia ter tantas pessoas, mas que pelo menos havia me encontrado, e isso era algo positivo.
- Então Manu, esse é o meu namorado Leandro - fez uma espécie de reverência em sua direção.
Quando estiquei a mão para ele, Leandro se levantou e me deu dois beijos na bochecha.
- Então Manu, ontem você perdeu a Guerra dos Bixos, foi muito engraçado.
- Pois é, fui ajudar sua amiga Yumi.
Leandro e Paulinho se olharam com um sorriso malicioso, mas fingindo não ter visto continuei conversando.
Já passava das 16h quando Leandro olhou para o relógio e exclamou assustado - Vamos baby (que brega, pensei), vamos nos atrasar para a festa do Maurício.
- Manu você conhece o Maurício, porque não aparece lá também?
- Que Maurício? - perguntei tentando me imaginar quem seria esse cara.
- Seu veterano Maurício, aquele magrinho que sempre está junto com a gente, sabe?
- Ah! então o nome dele é Maurício, sim claro, é aniversário dele?
- Minha querida, aqui - e girou seu indicador fazendo um círculo - a gente não precisa de nenhuma data especial para fazer festas.
E os dois riram.
- Aparece por lá gata, falou Leandro - isto é, se você não se importar de ter 11 homens para cada 1,5 mulher - riram mais alto.
- É que os homens - disse Paulinho abraçando Leandro - todos os homens, são uns gatos, sarados e totalmente - g-a-y-s - falaram os dois juntos.
Que mania que esse pessoal daqui tem de falar as coisas juntos, certo que eles combinam as frases antes de falar, pensei.
- Sério gatíssima, apareça por lá, deixa eu te dar meu número que temos que ir - falou Paulinho, saíndo abraçado com Leandro.
Fiquei sentada mais algum tempo, segurando o guardanapo onde Paulinho havia escrito seu telefone, pensando em nada.
Os caixas do barzinho já estavam me olhando feio quando descidi dar uma andada por aí. Cheguei no parque municipal, caminhei sem rumo até passar por um grupo de meninas meio góticas, meio rock n' roll, meio emos, meio qualquer coisa desse tipo. Tocavam violão, cantavam e bebiam um vinho que só pela marca já dava pra saber que era aquela coisa de todo mundo juntar as moedinhas e comprar o mais barato com maior teor alcóolico possível. Continuei caminhando devagar quando fui surpreendida com um "hei". Olhei para trás e não vi ninguém conhecido, continuei caminhando, mas o "hei" foi mais forte "é pra você mesma". Voltei os olhos para o grupo de meninas e reconheci a loira magra que era minha colega.
- E ai menina, vai ficar me ignorando mesmo?
- Oi, tudo bem - sorri indo em sua direção.
- Senta aí com a gente Manuela - falou ela abrindo um espaço no seu lado.
- Como você sabe meu nome? - perguntei surpresa.
- Ué, tem alguns professores que insistem em fazer chamada né?
Sorri - verdade.
Me apresentou todas as meninas, eram 5, uma ruiva Kaka, uma morena linda de olhos azuis Déia, a Malu que não desgrudava os olhos da.. Pouts, fiquei pensando e eu não sabia o nome da minha colega, mais uma que eu não entendi o nome, e uma outra morena muito magra, com certas olheiras bem fundas, que tocava o violão que se chamava Fernanda.
- E ai Manuela, de estilo de música você curte? - perguntou Fernanda - A gente tava tocando um pouco de Smiths, gosta?
- Nossa, adoro!
Ficamos cantando músicas antigas, Smiths, Cure, Beatles..
- Sabe Manu, a gente tem uma banda - falou a Déia.
- Sério? - me surpreendi.
- Seríssimo, Fer, vamos tocar uma das nossas?
Ficaram em silêncio. Notei que agora pairava um ar pesado entre as meninas. Fernanda se levantou brava, deixando o violão de lado - Você é foda né meu? - disse saindo.
- Hei Fer, vem cá - disse a menina do nome estranho indo atrás dela.
- Desculpa aí Manu, posso te chamar de Manu? - disse a Déia.
- Claro - falei meio deslocada por não entender o que estava acontecendo.
- É que a Fer ta meio que saindo da banda, - respondeu como se estivesse lendo minha cara de confusão - ta dando muitas tretas, sabe como é - falou num tom meio triste.
- Na verdade Manu - interrompeu minha colega - elas tinham um affair - e todas riram - só que esse affair acabou e agora elas se acham no direito de estragar nossa banda.
- O que você toca? - perguntei a ela.
- Toco bateria - sorriu mostrando uma tatuagem no seu punho de duas baquetas formando uma espécie de xis.
- A Kaká toca baixo, a Fer tocava guitarra e eu canto - falou Déia. Aliás você conhece alguém que saiba tocar guitarra? Porque estamos apavoradas tentando encontrar alguém pra tocar semana que vem.
Pensei em dizer que eu sabia tocar, mas ia ser muita pressão ter que tocar ali na frente de todo mundo para mostrar o que eu sabia.
- Pior que não - falei olhando para os lados.
Déia enjambrou algumas músicas, algumas até que eu sabia tocar, e modéstia a parte, sabia muito melhor. Uma hora deixei escapar que num acorde seus dedos estavam trocados.
- Como você sabe? - falou Déia ao perceber que fazia muito mais sentido na música.
Olhei para os lados - ah, eu sei tocar um pouquinho de violão também.
- E antes que vocês digam pra eu tocar - falei interrompendo a mensão que Déia fez de me passar o violão - faz tempo que não toco, com a vinda pra cá e com a surpresa de que meu violão foi quebrado durante a viagem, nem tenho tocado mais. Meio que desencanei - falei meio triste me dando saudade de ficar horas tentado decifrar as músicas que tanto gostava.
- Mas vai Manuzinhaa - falou Déia - toca alguma coisa pra nós.
Peguei o violão com um pouco de relutância.
- Tudo bem, mas não sei se vocês curtem o que eu gosto de tocar.
- O que você gosta, além de Smiths?
Lembrei da Yumi - Exaltasamba - falei séria.
Todas me olharam impressionadas.
- To brincando - riram aliviadas.
Ficamos lá uma, talvez duas horas tocando coisinhas fáceis de se cantar, de se tocar, e de se encantar. Malu finalmente abriu a boca.
- Rê, vamos?
- Claro - sorriu ela - Déia meu amor, você vai que horas pra casa, só pra eu saber... - disse ela abraçando a Déia.
- Que horas é pra eu ir?
- Amanhã? - e riu. Malu ficara constrangida e para não ser percebida virou para o lado e ensaiou uma tossida.
- Às 22h ta bom?
Rê fez um beicinho, mas concordou com a cabeça. Pegou Malu pela mão, se despediu de nós e seguiu em direção contrária a minha.
- Então - Déia meio sem assunto.
- Pois é... Vocês moram juntas?
- Quem, eu e a Rê?
Fiz que sim com a cabeça.
Ela riu - na verdade quem mora comigo é a Rê e a Fer, ou morava, porque acho que a Fer vai morar em outro lugar.
- Por causa do affair que não deu certo - arrisquei sorrindo.
- Também. Além de ter que arranjar outra pessoa pra nossa banda até sábado que vem, e ensinar pelo menos uma música nossa para ela, ainda temos que arranjar outra menina pra morar com a gente pra dividir o aluguel - fez um beiço meio preocupada.
- Ah, mas aqui na faculdade o que vocês mais acham é alguém de fora que precisa dividir apê.
- Você por acaso também não conhece alguém que queira dividir com duas doidas? - sorriu.
- Pior que não, sorri de volta.
- O seu violão quebrou né? Você tinha falado..
- É, disse enquanto levantávamos.
- Eu conheço uma menina que arruma violão que parece novo.
- Sério?
- É meio perto daqui, posso te dar o número dela. A única coisa é que é meio caro, mas vale a pena.
- Olha eu topo, fiquei bem triste quando vi que os caras do frente me disseram que estava no contrato que não se responsabilizavam por qualquer dano. Malditas letras minúsculas!
- É foda mesmo.
Fomos caminhando em direção ao Campus.

domingo, 17 de maio de 2009

Como aprender a ser cafageste, parte II

Enquanto sobrevoávamos algum lugar do Brasil, por cima das nuvens, fiquei pensando que talvez eu me tornaria um trauma para Cátia. Nunca havia beijado outra menina e a que beijou era justamente alguém que não queria ser nada de especial para ninguém. A imagem de Patrícia viera a minha cabeça, lembrei que meu celular estava desligado, propositadamente claro, que não dera notícias para ela fazia dois dias. Que minha saudade se transformara em medo. E se eu não contasse nada para ela? Ela nunca adivinharia, e a gente nem estava namorando mesmo! Me conformei um pouco.
Minha tia resmungava alguma coisa sobre dor no ouvido.
Me senti mal, por mais que Patrícia e eu não estivéssemos namorando, sentia que havia traido ela, mas e se ela tivesse ficado com alguém também? Estaríamos quites. Me senti uma criança querendo achar alguma coisa pra quitar, como se em questões de sentimentos e relacionamentos poderia existir algo que pudesse suprir os erros, apagá-los, enfim. Nunca havia ficado com outras pessoas, nunca havia feito nada com ninguém. Patrícia e eu nunca havíamos conversado sobre o que tínhamos, eu também não via nenhuma necessidade disso. Tava bom do jeito que tava, ela era minha, eu sabia disso, a gente se via quase todos os dias, ficávamos juntas. Estávamos juntas, curtindo apenas a parte boa de um relacionamento. A palavra namoro me dava calafrios. Me dava uma ânsia, parecia que namorar era uma prisão, se enjaular com alguém. Se aprisionar com alguém numa utopia de um relacionamento perfeito. Nessa utopia que depois tornava casamento, nessa ilusão de que existe alguém certo pra cada pessoa. E de que esse alguém pode ser feliz com você pro resto da vida.
Quando pousamos senti meu estômago mais uma vez reclamar e dar voltas dentro da minha barriga. Pensei em ir ao banheiro colocar pra fora aquela coisa que tava dando dor de cabeça, mas percebi que o que fazia minha barriga reclamar e minha cabeça doer mais ainda era a culpa, e isso infelizmente não some apenas apertando o botãozinho da descarga.
Até o avião ficar imóvel na pista, saírmos, pegarmos as mochilas e malas, o sol já se punha a adormecer no outro lado do horizonte e a lua timidamente aparecia para iluminar aquela noite estranhamente fria.
Saímos pelo portão de desembarque, eu cabisbaixa pensando em como falaria e se falaria com Patrícia, minha tia ainda resmungando onde já se viu uma pivete de 15 anos causando confusão num dos hotéias mais ricos do Rio (o porteiro havia comentado com ela sobre o pequeno escândalo que o pai de Cátia havia feito), me perguntei como havia chegado nos ouvidos dele, mas me desinteressei em descobrir quando olhei para frente e vi Patrícia em pé segurando flores, ao lado de Dona Mírian. Meu coração deu um salto que pressenti ser visto por Patrícia, pois agora seus olhos estavam sobre os meus. Dona Mírian veio em nossa direção me dando um abraço e um beijo na bochecha, voltando-se para tia Med. Patrícia me olhava com os olhos brilhando, após abraçar tia Med veio devagar em minha direção, havia entregado as flores para tia Med. Me abraçou forte, senti seu corpo se encaixar no meu numa perfeita combinação. Colocou sua boca perto do meu ouvido e falou baixinho fazendo com que eu me arrepiasse.
- As flores são pra você, mas tive que dizer que era para sua tia, desculpa - e deu um beijo no meu pescoço. - Tava morrendo de saudade de você - disse me apertando forte.
- Eu também tava - falei me sentindo a pior pessoa do mundo, como poderia ter feito isso, ter ficado com uma menina que mal conhecia, bêbada e fingir que estava tudo bem.
Fomos para minha casa, as quatro de taxi. Chegamos, conversamos, contamos sobre as coisas, estava louca para tirar Patrícia daquela sala, pra leva-la pro quarto e contar tudo de uma vez, assim passava o meu sufoco.
Na primeira brecha que nos deram, subi com ela para meu quarto e mal havia fechado a porta e Patrícia se atirara nos meus braços me beijando, me puxando, me apertando forte, dizendo que nunca mais queria ficar tanto tempo longe de mim.

[O conto do começo]

sábado, 16 de maio de 2009

Como aprender a ser cafageste, parte I

A mochila pesava nas minhas costas.
- Está pronta Manuela?
- Sim tia.
- Então vamos que o taxi está nos esperando - falou com o nariz empinado passando por mim, fazendo uma cara de desgosto.
Minha cabeça ainda doía da noite anterior, o gosto de vodka já havia saído da minha boca, mas meu estômago não parara de doer.
Não havia conseguido falar com Cátia, nem sabia direito o que acontecera na noite anterior. Me lembrava apenas que nos beijamos durante algum tempo e depois só lembro dos pais de Cátia gritando comigo. Havia uma lacuna entre o beijo e os gritos. Por um instante senti minha barriga congelar, pensei se talvez tivesse feito algo a mais com Cátia, que talvez por isso que os pais dela estavam tão bravos. Enquanto descia pelo elevador passando pelo 5º andar, desejei que Cátia não aparecesse alí naquele momento, e por sorte realmente não aparecera. Apenas uma senhora entrara no 2º andar reclamando que queria subir.
Enquanto minha tia acertava alguma coisa na portaria vi por trás de um casal que se abraçava Cátia falando com um rapaz na sala de convivência. Olhei para minha tia que estava entretida falando com o moço, e sai de fininho em direção a Cátia. Antes olhei bem para os lados para ver se os pais de Cátia estavam por perto.
- Você não sabe mesmo? - falava ela com o rapaz.
- Cátia, com licença - falei cutucando-a.
- Ai meu Deus - me abraçou forte.
- Obrigada Alex, achei ela - se virou para mim - ai Manu, nem sei como me desculpar por ontem - olhou para os próprios pés.
- Eu que não sei como me desculpar, ta tudo bem agora lá na sua casa hein?
- Ta sim, meu pai ficou bravo que tomamos quase toda a garrafa de vodka dele - vi em seus lábios um sorriso forçado - Ele disse que a gente podia ter morrido, sei lá essas coisas de velho.
- Nossa, não consigo me lembrar de muita coisa - sorri amarelo.
- Pois é, nem eu - falou ficando enrubecida.
- Então seus pais ficaram bravos só porque bebemos né? - falei tentando não parecer que eu estava apavorada por não lembrar de nada e por achar que talvez estivéssemos feito coisas além de beijo.
Ela riu.
- Até onde eu sei sim. Não sei como mas eu acordei deitada no chão e você estava no sofá. Graças a Deus né, imagina se meu pai nos visse juntas, ia surtar - falou aliviada.
Porém eu me apavorei naquele instante, como assim nos pegar juntas? A gente fez alguma coisa juntas?
Vendo minha cara de pavor Cátia deu com os ombros - Não que tivesse muita coisa pra ver né? Você dormiu no meu colo, depois de.. - ele girou suas mãos - você sabe - disse um pouco nervosa.
Eu não sei de nada pensei completamente em pânico.
- Olha, - falou ela balançando as mãos enquanto olhava para os lados - eu sei que foi só alguns beijos, que você tem alguém - nesse instante senti meu coração parar, e a Patrícia? - e que foi uma coisa de bêbado...
- É uma coisa de bêbado que não sabe o que está fazendo - falei interrompedo-a.
- Mas - voltou ela - foi muito importante pra mim.
Ela agora estava mexendo no anel de seu dedo compulsivamente. Não queria ter aquela conversa, o que seria importante pra duas bêbadas que reclamavam de seus amores complicados? Não quis ser uma bela de uma vaca com ela, mas não queria dar margem para ela ficar pensando coisas que não existiam.
- Cátia, esquece de ontem ta? Eu tenho alguém.. - Eu sei, interrompeu ela - você também tem - Não tenho mais, lembrou ela - e a gente, sabe? - fiquei gesticulando sem saber o que dizer.
- Mas Manu, não é possível que você não sentiu tudo que eu senti.
- Cátia, a gente tava bêbadas, esquece isso, é melhor pra todo mundo.
Mas ela veio rapidamente em minha direção para me beijar, mas consegui virar meu rosto, seus lábios tocaram minha bochecha.
- Cátia, segurei-a pelos seus ombros, eu só queria te dar um tchau e saber se estava tudo bem com você, tenho que ir que minha tia está me esperando, tchau.
Sai sem olhar para trás.

[O conto do começo]

Tudo num só

Acordei com gritos altos, uma voz rouca de homem falando enraivecido. Mal consegui abrir os olhos, minha cabeça doia muito, sentia o gosto de vodka forte na boca. Imediatamente fiquei injoada. Olhei para os lados e não sabia onde estava. A luz que batia no meu rosto me dava mais injoo. Virei a cabeça rapidamente em direção à voz masculina que falava interruptamente, mas aquilo me fez ficar tonta e sentir meu estômago revirar dentro de mim. Precisava de um banheiro, pensei.
- .. que decepção Cátia Fonseca, que decepção, então é pra isso que você queria vir pra cá? - uirrava um homem corpulento, de um pouco mais de um metro e meio, que parecia não ter pescoço de tão gordo que era. Sua têmpora saltava, seus olhos estavam avermelhados, saia saliva de sua boca enquanto gritava apontando o dedo para Cátia.
Não sabia se levantava ou não, se havia alguma maneira de sair dali sem ser percebida, mas quando me virei novamente, dessa vez com mais cautela, dei de cara com uma senhora loira de olhos claros, que chorava quieta.
- Amaro a menina acordou - falou com a voz fininha.
- E você menina, quem é? Não tem vergonha na cara de vir até a minha casa - apontou seu indicador para si mesmo - e embebedar minha filha? - senti que sua raiva se focalizara em mim.
- Pai ela não tem nada a ver com isso, vai pra casa Manu - falou Cátia desesperada.
- Pra casa o cassete - gritou o homem - onde estão seus pais menina? Eles sabem que você sai por aí e fica embebedando menores de idade?
- Pai pára, ela tem 15, ela não tem culpa...
- O que?! Então vocês duas estão muito encrencadas mocinhas, chama teu pai menina, precisamos conversar com ele! - falou ficando mais vermelho que tampa de coca-cola.
- Olha, desculpa por qualquer coisa, eu vou pra casa - falei indo em direção à porta - ainda meio bêbada da noite anterior.
- Chama teu pai menina - disse segurando meu braço fortemente.
- Não encosta em mim - gritei mais alto que ele, puxando meu braço pra longe - meu pai ta morto, ta? Não posso trazer ele aqui, agora se o senhor me der licença eu vou pra casa - sai porta a fora.
- Mas que diabo - ouvi o homem gritando e um forte estrondo de vidro se quebrando. Corri para pegar o elevador que graças a Deus estava no andar me esperando.
O sacolejar do elevador que subia me deixava estremamente injoada. Meu coração batia forte, tive a impressão que se eu deixasse minha boca aberta ele saltaria por ali mesmo.
Chegando no apartamento em que estávamos, tia Med pulou do sofá onde parecia dormir.
- Isso são horas de chegar Manuela? - seu grito era o oposto do homem, era estridente, irritante, me injoava mais ainda, senti que se não desse um jeito iria emporcalhar ali mesmo. Sai correndo em direção ao banheiro. Fiquei trancada ali durante quase meia hora, calculei. Minha cabeça parecia que iria explodir, minha tia havia se cansado de bater na porta e chamar por mim. Disse que eu que me virasse, ela não era minha mãe, que não tinha nenhuma obrigação em cuidar de mim, que eu havia aparecido lá contra a vontade dela.. E assim foi longe o discurso de quanto ela odiava minha mãe por ter me tido, que podre coitado do meu pai que se apaixonou por uma megera, que...

[O conto do começo]

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Pecado capital

O dia passara muito rápido, havia me esquecido de levar o celular junto, mas nem sentira falta de falar com Patrícia. Assim passamos as duas últimas semanas, saindo, jogando volei, futebol, nadando, correndo pela praia, jogando sinuca na sala de convivência do hotel. Na minha última noite, pois ela ainda ficaria mais um mês no Rio, fui ao apartamento que ela estava. Seus pais haviam saído para jantar fora.
Ficamos cada uma em um sofá atiradas olhando MTV.
- Meu pai tem uma Smirnoff na adega dele, topa tomarmos? Ta muito sem graça isso aqui - sorriu ela maliciosamente.
Em meia hora já havíamos tomado quantidade suficiente pra não conseguir falar completamente claro. Cátia já estava sentada no mesmo sofá que o meu, e ríamos dos clipes toscos que passavam na tv.
Ela parou de rir e olhou diretamente para minha boca.
- Manu, quando que você soube que era gay?
- Eu ainda não sei - e rimos ainda mais.
Escorou sua mão sobre minha coxa.
- Eu sempre quis beijar uma menina - e chegou mais perto de mim. Senti sua respiração na minha boca - sabe, alguém que me entendesse, que me fizesse rir - olhou para o nada.
- Ah, mas para isso não precisa ser menina, existem caras legais por aí - porque eu estava defendendo os homens mesmo? pensei.
- Não, mas meninas são mais... - passou a mão pelo meu rosto - mais lisinhas, sabe? - deu uma risadinha.
Definitivamente eu estava me sentindo desconfortavel.
- Nunca encontrei uma pessoa como você Manu - ai céus.
- Acho melhor n.. - mas ela chegara mais perto ainda, seus lábios encostaram nos meus. Nos beijamos uma vez, duas, três, quatro...

[Pra entender do começo ]

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O suspiro do silêncio

A hora da viagem chegara mais rápido do que gostaríamos. Pedi que Patrícia não fosse comigo para o aeroporto, apesar de sua relutância. Nunca gostei de despedidas, preferia não ter que dar tchau para ela, mesmo sabendo que a veria novamente em um mês.
Porém esse mês durante as duas primeiras semanas passou muito rápido. Dona Mírian havia planejado muitos passeios e escursões. Tudo era relacionado com a Igreja, com missas, com a paróquia da tia Med. Já estava de saco cheio no domingo, deitada no sofá ouvindo o Faustão na televisão ligada do quarto de minha tia, resolvi que iria andar um pouco por aí. Fazer alguma coisa que não tivesse planejada. Fazia poucos minutos que havia falado com Patrícia no telefone, e isso me deixara triste pois a saudade já não tinha mais tamanho.
Desci pelo elevador, estávamos no 12º andar. Ao chegar no 5º andar, uma menina que aparentava ter uns 17 anos entrou. Era loira com cabelo liso. Usava uma mini-saia verde escuro, e uma blusa branca regata. Ela sorriu pra mim perguntando se estava descendo. Seus olhos estavam marejados e seu nariz levemente avermelhado. Talvez estivesse com gripe ou acabara de chorar.
- Você acredita no amor? - disse ela repentinamente.
Levei um susto, pois estava pensando em Patrícia, bem longe dali.
Lembrando-me do seu rosto perto do meu, da última noite em que dormimos juntas, abraçadas, do seu cheiro, respondi timidamente que sim.
- Pois não deveria, ele só serve pra acabar com todo mundo, pra enlouquecer. - Uivou com raiva - Eu to puta da cara. A gente faz tudo pelos outros, tudo pela pessoa que a gente gosta, pra que? Hein, me responde, pra que? Pra ela ir lá e te trair com a primeira piranha que aparece?
- É complicado mesmo - não sabia o que dizer.
Chegamos ao térreo, segurei a porta para ela sair.
Já estava descendo a escadinha da entrada do hotel, quando ouvi alguém fazendo "psiu".
- Hei, menina.
Olhei para trás e vi a loira se aproximando.
- Oi.
- O que você vai fazer agora?
- Eu, bem.. - nem eu sabia para onde iria - eu queria dar uma volta, to com a minha tia aqui, é foda fazer passeio de velho - sorri - tava precisando espairecer - dei com os ombros.
- Posso te acompanhar?
- Claro.
Fomos caminhando vagarosamente até chegarmos na beira da praia. Em silêncio percebia que ela às vezes resmungava alguma coisa para ela mesma, fazendo que não com a cabeça, suspirando, bufando e rindo sozinha.
- Então, o amor é mesmo fogo né? - arrisquei.
- É muito! Nunca mais vou namorar ninguém!
- Ah, mas não tem mais volta mesmo?
- Se teu namorado te traísse, você voltaria com ele?
- Não sei, depende da situação, não sei. - Pensei em Patrícia, como ela estaria se virando por lá. Ela fora numa festa sábado passado, não tinha me falado muito, mas sabia que um menino que dava em cima dela havia ido também. Fiquei pensando se ele não chegara nela naquela noite, se não aproveitara que ela estava sozinha e provavelmente carente para dar o bote. Me subiu uma raiva súbita. E se eles tivessem ficado e ela não havia me falado? E se aquele cara nojento havia encostado na minha menina?
- É, eu não perdoaria se ela ficasse com outra pessoa - falei.
- Ela?
Depois que me dei conta que falara sobre a Patrícia.
- É, a bem, a pessoa que estivesse namorando né? - falei.
- Ah, sorriu ela.
Ficamos conversando até o sol se pôr. Era uma conversa amena, sem grandes pretensões. Ambas estavam tristes, ela por causa do namorado ou ex, e eu pela falta de Patrícia. Já começara a acreditar nas minhas próprias invensões, acreditando que ela havia me traído, apesar de não estarmos namorando.
- Mas fala Manu, quem é que é essa pessoa que você tanto fala? Que você deixou pra vir com a sua tia?
- Ah, é uma pessoa aí, acho que você não deve conhecer - ri.
- Hm, é um cara de sorte.
- Não, eu que sou uma menina de sorte de ter alguém tão especial - falei apaixonada.
- E como é o nome dele?
- Patrícia - falei meio sem pensar.
Ela ficou visivelmente desconfortável. Mas eu continuei olhando para o mar. Ele estava calmo, já não havia muitas pessoas pela praia, talvez mais uns dois casais de idosos e uns cachorros procurando comida no lixo.
Ficamos em silêncio durante quase 10 minutos. Vi que ela queria falar alguma coisa, mas sempre que fazia mensão de falar, voltava a ficar quieta.
- Sabe, nunca fiquei com uma menina.
- E eu nunca fiquei com um cara, acredita? - falei pensando que só havia beijado Patrícia.
- Nossa.. Mas acho que você não está perdendo muita coisa não, os que eu já beijei foram muito desajeitados - sorriu. Tive a impressão que ela queria parecer menos nervosa do que realmente estava.
Ficamos em silêncio novamente.
- Mas como é beijar uma menina? - perguntou ela. Percebi que agora ela se sentia um pouco mais aliviada.
- Olha - sorri olhando para a lua que começara a aparecer dentre as nuvens - é bom né?
Ela riu, passando a mão pelos cabelos. Me olhou nos olhos. Senti um leve desconforto.
- Eu sempre tive curiosidade de beijar meninas - continuando com os olhos posados sobre os meus.
Desviei o olhar, eu estava louca ou ela estava insinuando alguma coisa?
- Acho que está ficando meio tarde - falei levantando-me, e limpando a bermuda que estava cheia de areia.
- É sim.
Voltamos para o hotel em silêncio. Um silêncio mais pesado do que o da ida. Combinamos que amanhã iríamos jogar volei na praia, que eu era muito nova para estar fazendo passeios com minha tia de quase 70 anos.

[Pra entender do começo ]

Bom dia

Apesar dos gritos da minha tia, que achava que precisávamos de muito tempo para arrumarmos as malas para a viagem, conseguimos fazer com que Patrícia dormisse lá em casa. Jantamos o resto do almoço que minha tia fizera só para ela. Isso significava: comida a base de soja e sem sal.
Subimos para o quarto novamente. Peguei o colchão do quarto de Med. Me Certifiquei que a Tia estava dormindo e tranquei a porta do meu quarto ao entrar. Arrumei a sua cama como sempre fazia, no chão ao meu lado. Nunca havíamos dormido juntas. Creio que nunca tomamos a iniciativa talvez por medo que isso parecesse um grande passo para o nosso relacionamento, ainda que não tivesse nem nome.
Já passava da meia noite. Ela deitara no colchão no chão. Estava vestindo uma blusa que eu emprestara para ela. O verão chegara com força e meu quarto era muito abafado. Ela sempre dormia só de calcinha por baixo, mas hoje ela se explicara dizendo que estava muito quente, que não tinha roupa para usar - e eu fiz questão de não lhe oferecer algum shots meu.
Desliguei a televisão, ficamos em silêncio. A luz que entrava pela janela iluminava levemente o quarto.
Após 5 minutos, não aguentei o silêncio e falei:
- Pati..
- Oi - respondeu prontamente, como se esperasse eu falar alguma coisa.
- Você está com sono?
- Não - riu - e você?
- Eu também não.
- Hm.
- Você..
- Eu o que?
- Podia deitar aqui comigo um pouco né?
Mal terminara a frase e ela já estava deitada ao meu lado. Senti suas pernas encostarem nas minhas sem roupa. Pele com pele. Senti um forte frio na barriga. Ficamos deitadas de barriga para cima por mais alguns minutos em silêncio. Me virei para ela, apoiando minha cabeça na minha mão esquerda. Fitei-a. Ela estava completamente sexy com aquela roupa, ou com aquela falta de roupa. Com a mão direita, fui passando meus dedos pelo seu rosto, nariz, contornando sua boca. Sempre olhando-a nos olhos, fui descendo pelo seu pescoço, passando entre seus seios. Sua blusa preta fazia contraste com sua pele branca, mais excitante ainda. Ela deixava sua barriga aparecer. Minha mão queria seguir aquele caminho, meu corpo, todo meu ser. Continuei a descida, mas parei na altura do seu umbigo. Ela se virara de costas para mim, fazendo nos encaixarmos. Assim ficamos o resto da noite. Ela com sua mão em cima da minha que estava um pouquinho abaixo do seu umbigo, encostando de leve na sua calcinha. Foi difícil dormir naquela noite. Seu cheiro, seu corpo, sua pele. Tudo me chamava, me tentava. Mas assim dormimos.
Acordei-me com minha tia falando alguma coisa sobre "mercado" e "depois eu volto". Patrícia ainda dormia. Sua respiração estava em sintonia com a minha. Abracei-a mais forte, ela se acordara.
- Bom dia - falou sorrindo em meio de um bocejo.
- Bom dia minha linda - beijando seu pescoço.
Ela se virara para mim, abraçando-me forte, colocando sua cabeça no meu peito.
- Diz que foi um pesadelo, que você não vai ficar um mês longe de mim, diz?
- Ahh mas eu volto, não pretendo ficar morando lá não! - sorri um pouco triste.
Levei café da manhã para ela na cama. Dissera que ia ao banheiro e voltei com uma singela bandeija com um bolo de laranja e um leite, era o que tinha em casa. Ela soltara um gritinho quando apareci na porta. Ficamos alí no quarto até depois das 13 horas.

[Pra entender do começo ]

Voando alto

Dezembro estava quase acabando quando decidimos ir ao cinema em uma tarde ensolarada, pois em ambas as casas tinham visitas. Fomos supostamente assistir a um filme infantil, contando conosco havia 5 pessoas na sala. Sentamos lá no fundo onde pode tirar a divisória do banco. Naquele dia eu estava com mais vontade do que o normal de Patrícia. Eu precisava, eu queria. Não sabia direito o que nem como, mas tinha certeza de que queria, e muito.
Ao sentarmos, passei meu braço esquerdo sobre o seu ombro e assim ficamos abraçadas assistindo o filme que não me recordo o nome. Entediada pelo filme e atordoada por Patrícia estar ao meu lado, pertinho de mim coloquei minha boca perto da sua orelha.
- Você está linda - falei baixinho e fui beijando sua orelha descendo pelo seu pescoço. Ela se arrepiara.
Com a minha mão direita encostei na sua coxa. Envolvida pela excitação que isso me causava fui passando minha mão em direção ao seu ventre. Delicadamente Patrícia repousou sua mão sobre a minha. Mas meu desejo de tocá-la era mais forte. Continuei subindo até encaixar minha mão no meio de suas pernas. Ela mordeu o lábio inferior. Mesmo com ela vestindo uma calça jeans que dificultava qualquer tentativa mais profunda de toque, continuei acariciando-a, ganhando maior intensidade conforme sua respiração acelerava. Sentia o calor do seu corpo em meus dedos, aquilo era muito prazeroso, apesar de desconhecido.
- Pára Manu - falou tentando conter seu rosto que revelava seu gozo pela situação - eu vou ganhar um treco aqui!
Sorri maliciosamente para ela. Queria beijá-la, mas as luzes acenderam. O filme acabara e eu não havia conseguido terminar o que me propunha. Fazer ela sentir o que eu sentia quando ficava perto dela. Um clima diferente pairava no ar. Algo além de um namoro de andar por aí de mãos dadas e olhar filme da Sessão da Tarde. Voltamos para casa assim, sem falar nada, apenas com um sorriso querendo desabrochar no canto da boca.
Quando cheguei em casa, tentei inutilmente subir sem ser notada, mas minha tia me chamou na cozinha.
- Manuela, isso é jeito de tratar as visitas? Nem vai cumprimentá-la?
- Desculpa Dona Mirian, eu nem vi a senhora. Tudo bem?
- Tudo ótimo minha filha - disse ela levantando-se para me beijar. Essa senhora gostava de mim, sempre que vinha em nossa casa me trazia um saquinho com marshmallows coloridos. Não sabia de onde ela tirara que eu gostava deles, mas como eram docinhos eu comia com o maior agrado.
Ela me falara que tinha um presente para mim em cima da minha cama. Subi com a certeza de que eram os marshmallows. Mas quando entrei no quarto vi que em cima da cama estava apenas um envelope amarelo. Abri-o cautelosamente para não rasgá-lo. Dentro havia uma passagem de avião para o Rio de Janeiro, com uma revista de lugares para visitar e itinerário de um mês na cidade maravilhosa. A passagem era para a semana que vem.
Desci as escadas sem entender o que queria dizer aquilo.
- Dona Mirian, essa passagem é de verdade? - perguntei num tom de brincadeira.
- Claro que sim minha filha, gostou da surpresa que resolvi dar a vocês duas?
- Duas?
- É sim, sua tia também vai para lá.
Me explicou demoradamente que era um passeio da paróquia, que haviam conseguido um desconto nas passagens e que ela resolvera comprar pois minha tia sempre se queixava que nunca parava de trabalhar. Disse que era um presente muito caro, que não poderia aceitá-lo, mas minha tia chamou minha atenção imediatamente me chamando de mal educada, quase retruquei que fora ela que me educara. Fui dormir pensando nessa viagem repentina. Não queria por hipótese nenhuma ficar tanto tempo longe de Patrícia.
No dia seguinte não falei nada para ela, notando minha expressão preocupada no rosto, me preguntou se havia acontecido alguma coisa. Provavelmente pensara que eu havia me arrependido da tarde anterior. Disse que estava com dor de cabeça apenas e que nesse dia não poderia almoçar na sua casa, que iria fazer umas coisas para a minha tia. Talvez eu estivesse sendo grosseira com ela, mas preferia acreditar que conversando com minha tia eu poderia ficar em casa, enquanto ela viajava. Cheguei em casa sem fome. Pedi a ela para conversarmos. Mal havia tocado no assunto e ela já me proibiu peremptoriamente de ficar em casa durante a viagem. Disse novamente que seria uma falta de educação para com a Dona Mirian e que fecharia com as férias de verão. Fim de papo. Argumentei inutilmente para a parede, pois ela me deixara falando sozinha. No dia seguinte era sexta-feira e como sempre fazíamos almoçamos no restaurante de sua tia. Depois do almoço fomos para a minha casa. Minha tia não estava, havia saído atrás de novas roupas para ela, afinal iríamos para o Rio de Janeiro, a tal cidade maravilhosa que de maravilhosa não tinha nada, pensei raivosa. Fomos diretamente para o meu quarto. Ela ligou a televisão e deitou-se na minha cama, fazendo um gesto para que me deitasse ao seu lado.
- Eu te conheço muito bem Manu - disse passando sua mão pelo meu rosto - o que aconteceu?
Vendo meu silêncio continuou - foi por causa do que aconteceu no cinema né? Você.. você achou estranho, tudo bem, a gente não precisa.. - interrompi sua fala com um beijo.
- Preciso te contar uma coisa, duas na verdade.
- Ai que medo - falou brincando.
- Mas primeiro tenho um presente para você.
- Comprei isso para você - entreguei um pacote em prata. Era um ursinho de pelúcia, segurando um coração escrito "Eu te amo" - brega. Mas dentro do coração havia chocolates, ele podia soltar-se do ursinho.
- O coraçãozinho sai - falei fitando-a. Ela estava com um sorriso de orelha a orelha - assim você não precisa ficar escondendo ele e pode dormir com ele abraçada, como se fosse eu - brega².
Ela pulou em meus braços. Com os olhos cheios d'água disse que ela sempre quisera ganhar um ursinho de alguém.
- Ainda mais de você, que é tão especial para mim - falou me beijando. - O que você queria falar?
- A primeira coisa..
- Hm - sua expressão ficara mais séria.
- É que eu estou completamente apaixonada por você - sorri inocentemente - brega³.
- Eu não consigo mais ficar longe de você Pati.
- Mas você não está assim comigo - me puxando para mais perto dela - pertinho de mim?
Seu olhar estava radiante. Seu sorriso brilhava.
- A segunda coisa é que quarta..
- Você não gostou né? - falou fazendo beicinho.
- Não! Não é isso. Depois daquilo - sorri - quando cheguei em casa a Dona Mirian estava aqui.
- E o que tem ela?
- Ela me trouxe um presente.
- Eu quero os marshmallows! - riu ela - dessa vez você não comeu tudo sozinha, é gulosa?
- Foi outro presente.
Mostrei a ela o envelope. Ela leu tudo com atenção.
- O que é isso?
- Uma passagem para o Rio.
- Eu sei Manu. Mas isso quer dizer que você vai viajar?
- Sim, eu tentei dizer para a tia Med que eu não queria mas ela me obrigou a ir. Você viu a data? Semana que vem eu viajo.
- Mas e a gente? - falou enquanto me abraçava forte.
- Eu não sei minha linda.. Eu não sei.. Mas não vamos pensar nisso, né? Um mês passa rapidinho.
- Passa? Você comeu o que de almoço? Como vou ficar longe de você um mês? Me diz, como?
E me puxava mais. Ficamos abraçadas o resto da tarde.
- Eu não quero você triste, ok? Não deixo você ficar - sorri.
- Mas...
- Mais nada. Gostei do cinema - mudei de assunto para ela não voltar a chorar - o filme foi bem legal né?
- Que filme? - sorriu ela maliciosamente.
Ficamos nos olhando durante um longo tempo.
- Posso te pedir uma coisa?
- Claro - falei enquanto passava minhas mãos nas suas costas.
- Deixa eu dormir aqui com você hoje?
- E pra isso precisa perguntar?

quarta-feira, 13 de maio de 2009

As coisas como foram

Acordei sorrindo. Não tinha fome, não tinha sono. Queria chegar logo na escola. Precisava beijá-la novamente. Precisava dar mais um abraço naquela menina linda. Queria sentir seu cheirinho mais uma vez. Toquei os livros dentro da mochila, tive a impressão de ter colocado o livro de matemática, mas nem tinha matemática naquele dia. Mas quem se importava com os livros de matemática? A báskara que ficasse para a próxima. Eu precisava mesmo era de Patrícia. Tomei um banho demorado, queria ficar cheirosa para ela. Demorei mais tempo do que o normal para escolher uma roupa, no fim fui com a mesma de sempre, sabe aqueles uniformes que todo mundo tem? A melhor blusa, a calça nova e o tênis novo, pois então, esses mesmos. O colégio não era muito longe de casa, mas precisava pegar ônibus. Ele não chegava, olhava para o relógio de trinta em trinta segundos, e nada dele chegar. Parecia que haviam feito de propósito, se atrasar tanto só por minha causa.
Entrei no ônibus e tinha pouca gente, uma senhora, talvez mais um ou dois meninos no fundão. Não me importava, só queria chegar logo até Patrícia. O ônibus parou no vermelho, mas se era possível uma coisa dessas, agora todos os sinais estariam fechados para gente?
O ônibus parecia que sabia da minha vontade de Patrícia, porque conseguia andar mais devagar do que de costume, quase perguntei se ele tava apostando corrida com uma tartaruga.
Cheguei à escola mais cedo, como havíamos combinado. Encontrei-a sozinha na sala. Encostei a porta e a beijei ali mesmo. Ela logo se soltou de mim, disse que ali não podia, que precisávamos ter cuidado. Retruquei que o que eu precisava era de mais um beijo dela. Peguei-a pela mão e entramos no banheiro. Não havia ninguém. Empurrei-a gentilmente para dentro de uma das cabines, e a beijei com vontade. Seu corpo chegou a ir para trás com a força do meu beijo. Forcei meu corpo contra o dela e encostei-a contra a parede. Cada toque me impulsionava a querer tocá-la ainda mais. Não sabia direito o que nem como. A única coisa que eu sabia é que eu não sabia de nada, só queria ela toda para mim. Desci minha mão pelas suas costas, mas ela parou meu movimento segurando minha mão. Enquanto a beijava ela disse "Calma" baixinho e sorrindo. Passou a mão pelo meu rosto e por entre meus cabelos pela nuca. Me arrepiei toda.
- Nós poderíamos ter ido direto para a minha casa né? Para que vir na aula? - falei beijando-a novamente.
- Acho melhor nós sairmos daqui Manu, daqui a pouco entra alguém - disse em meio aos meus beijos.
Ela era assim, tinha medo de tudo. Está certo de que eu estava fascinada com esse novo mundo, mas o que poderia acontecer? No exato momento em que saímos da cabine, a "tia" da limpeza entrou para colocar uma sacola no lixo. Nos Perguntou "O que essas moças tão fazendo aqui tão cedo? Isso que é gosto de estudar!". Saímos rindo do comentário da senhora. Não conseguimos ficar juntas no intervalo e o restante da aula passou tremendamente devagar.
Era a aula de Química sobre o sei lá quem de potássio, era a aula de Português sobre o texto de um tal carinha lá que nunca tinha ouvido falar, nada de Matemática e nada do fim da aula chegar.
Quando enfim aquele suplício acabou, Patrícia arrumou a sua mochila vagarosamente. Eu já estava impaciente. Pedi para que fôssemos para o banheiro, mas ela me lembrou que há essa hora o pessoal da limpeza estava trabalhando, mas disse que iríamos para a sua casa. Almocei junto com ela. Amélia estava lá e o irmão caçula de Patrícia também. Ele se chamava Vinícius. Tinha 8 anos e era muito chato. Por sorte a Patrícia não dormia mais com ele, terminaram de construir a última peça da casa. Era o quarto dela, ainda com cheiro de reforma entramos rapidamente para Vinícius não entrar junto. Ele começou a gritar para a mãe Amélia que queria entrar junto conosco, mas ela disse que íamos estudar.
- Então foi isso que você disse pra ela? Que íamos estudar - falei já puxando-a para mim.
- Você ta animada hoje hein? - falou ela sorrindo.
Foi assim que passamos o resto do ano até dezembro, sem deixar de se ver um único dia. Ficando juntas na casa dela, no meu quarto, no banheiro da escola, no corredorzinho que dava para a biblioteca, quando saíamos para o shopping no escurinho do cinema ficávamos apenas segurando a mão da outra. Mas era uma sensação tão pura e de extrema felicidade que já valia à pena. Tudo com ela valia.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O segundo primeiro beijo

As sextas-feiras me acompanham com acontecimentos inesquecíveis. Estávamos saindo de mais um almoço no restaurante. Já era meados de novembro e o calor estava insuportável. O tempo estava fechando para uma forte chuva. Ainda precisávamos comprar algumas coisas no mercado para a minha tia. Na volta, após um trovão, começou a chover. Descemos a ladeira correndo para casa. Mas nosso esforço foi em vão. Chegamos ensopadas. Largamos as compras em cima da mesa da cozinha e subimos para o meu quarto. A chuva marcara seu corpo na sua camiseta branca. Eu percebia. Ela entendia. Eu senti. Ela retribuia. Por mais que combinássemos esquecer daquele beijo, ela fazia questão de mostrar que aquele desejo de outrora ainda existia.
- Você não pode ficar com essa roupa molhada - e se aproximando de mim tentou me ajudar a tirar a blusa.
Encabulada falei - Não precisa não, eu estou bem assim.
Mas ela me puxou e tirou minha camiseta de uma só vez. Sua mão encostou na minha pele e senti um forte desejo de encostar nela. De fazer qualquer coisa com ela. Mas de fazer. Aquela vontade estranha que sentia dela e que ia me consumindo. Que fazia com que ficasse horas me virando de um lado para o outro da cama antes de dormir. Nosso rosto ficou muito próximo. Ela me olhava com aquele brilho no olhar. Aquele brilho que eu já conhecia. Aquele brilho que depois do nosso beijo, sempre esteve presente.
Percebi que ela me olhara sem camiseta e tão logo ficara vermelha, foi em direção ao guarda-roupa pegar uma camiseta para mim. Escondeu-se atrás da porta. Ela provavelmente acreditou que eu não havia reparado. Fingindo procurar uma camiseta. Acabou pegando a primeira da pilha e tocou em mim.
- Posso pegar uma para eu usar?
- Claro - falei já esperando ela se vestir ali, na minha frente, para mim. Se eu estava sendo pervertida ou sei lá o que, não sei, talvez sim. O seu corpo era lindo. E isso era outra coisa que me encomodava, enquanto as meninas do colégio ficavam folhando suas revistas Capricho a procura de atores lindos e sem camiseta, daqueles posters de página inteira, eu só queria saber daqueles momentos com Patrícia.Ela me olhava enquanto trocava de camiseta. Na verdade ela me provocava. Ela sabia disso. Olhei para a rua, fingindo me interessar pela chuva que caía lá fora. Qualquer coisa para não acabar ganhando um colapso. Vê-la daquela maneira, me deixava completamente excitada. Eu precisava esclarecer certas coisas com ela. Era difícil me conter quando ela na sala de aula, onde sentávamos uma ao lado da outra, colocava sua mão na minha cadeira, fazendo ela encostar sem querer na minha coxa. Ou quando me abraçava forte fazendo sua respiração chegar aos meus ouvidos. Quando se despedia de mim com um demorado beijo na bochecha. Ou apenas quando ficava me olhando, sem falar uma única palavra.
- Pati precisamos conversar - falei enquanto me encostava na janela. Aquela frase saíra tão rápida, tão mais rápida que meus pensamentos, que por um momento fiquei na dúvida se tinha pensado, ou se tinha falado de verdade.
- Fala Manuzinha - voltou-se ela rindo para mim. E parou-se ao meu lado na janela. Seu corpo encostou no meu. Fechei os olhos. Era uma sensação tão magnífica que era inexplicável o que eu sentira naquele momento. Quando abri novamente meus olhos percebi que ela me olhava sorrindo.
- Essa chuva é gostosa né? - falei tentando camuflar a minha timidez. Meu coração já havia começado naquela corrida de sempre, batendo forte, e cada vez mais rápido.
- É ótima.
Ficamos alguns minutos sentindo o vendo frio que vinha junto com a chuva.
- Mas o que você queria me falar mesmo Manu?
- Eu.. - olhei para ela, queria dizer que... Dizer o que? Que gostava dela? Não, isso era impossível, eu não podia estar gostando da minha melhor amiga. A gente tinha combinado que aquele beijo, e nessas horas eu o amaldiçoava, deveria ser esquecido. Mas eu não conseguia tirá-lo da minha cabeça, do meu coração. Aquela vontade de mais um beijo, de mais uma dose de Patrícia. E se aquilo não era amor, então eu não sabia o que era. Mas eu não podia estar gostando dela. Aquilo seria o fim da nossa amizade. Mas alguma coisa eu tinha que fazer, aquilo não podia continuar daquele jeito, já estava me fazendo mal tanta vontade sem saber do que.
- Fala Manu, parece até que o gato comeu a sua língua - sorriu ela.
Mas minha voz não saía.
- Fala Manu, eu to aqui.
E esse era o problema, ela estava alí ao meu lado. E isso me encomodava. Não no seu sentido ruim, mas me deixava nervosa, fazia eu esquecer do mundo e só pensar nela. Fazia com que eu agisse como uma idiota, falando besteiras e um monte de coisas sem nexo. Mas que se fosse para falar alguma coisa, que falasse alguma coisa de útil, que tomasse alguma atitude. Que fizesse alguma coisa acontecer, independente do que fosse, mas acontecer.
- Eu-acho-que-estou-gostando-de-uma-pessoa - novamente as palavras saíram mais rápido do que meu cérebro pode acompanhar, mais rápido do que minha timidez pudesse me conter. Virei meu rosto ruborizado para a rua.
- É? Quem? - falou ela colocando o seu corpo mais próximo do meu, sentia seu braço colado no meu.
- Quer dizer, eu não sei né? Você não ta percebendo o que está acontecendo?
- Com quem?
- Com a gente! Não desgrudamos mais um minuto se quer, ficamos conversando a aula inteira, depois de tarde você vem para cá, a noite conversamos pelo MSN, antes de dormir ficamos até altas horas da madrugada conversando pelo telefone. Eu não consigo mais ficar longe de você.
- E você acha isso ruim? - falou ela fazendo beicinho.
- Não - falei um pouco mais alto do que gostaria. Estava muito nervosa. Comecei a andar de um lado para o outro, não conseguia manter meus olhos fixos nela, não conseguia fazer meu coração se acalmar, minhas mãos ficaram suadas e frias. Minha razão ia se perdendo aos poucos, me sentia louca, uma completa louca.
- Então o que é?
Por uns instantes eu vacilei. Mas ela sabia, dava a intenção que também gostava de mim. Colocava frases como "não paro de pensar em você" e essas breguices de apaixonados no MSN. Mandava mensagens de celular dizendo que estava pensando em mim e em seguida me convidava para fazer alguma coisa, ou me perguntava se podia ir na minha casa, dizia que estava com saudade. Eu pelo menos não fazia isso com mais ninguém, por mais amiga que fosse.
- Eu não sei, é normal isso?
- Mas nós somos amigas - dizia ela, mas começara a ficar nervosa também. - Eu gosto de ficar com você - ruborizando.
- Eu também gosto. Só que você já reparou que não conseguimos ficar longe uma da outra?
Sorriu.
- É verdade. Mas não entendo qual é o problema disso.
- Eu devo ta ficando louca! É isso, esquece o que eu falei.
- Mas o que tem a ver com você estar gostando de alguém? - nessa hora tive certeza que ela sabia do que eu estava falando. Ela não era tão tonta assim.
Eu precisava tomar coragem e falar. Se ela já sabia, e não havia falado nada, nem brigado comigo, era porque algo tinha, ou pelo menos não se preocupava com a idéia da sua melhor amiga gostar dela.
Ela estava ali, na minha frente, parada me olhando. Aproximou-se de mim.
- Vem cá Manu - abriu os braços em minha direção - me da um abraço. Não precisa ficar nervosa.
Seu abraço... Perfeito, simplesmente perfeito. Ele era quente e frio, forte e fraco, era na medida certa do meio termo mais completo e cheio que poderia existir. Mas que me dava uma vontade... Uma vontade tão voraz que ia me consumindo, me angustiando, me matando de desejo. Seu abraço era forte, firme, apertado. Sentia cada parte do seu corpo colado no meu. Era um abraço que dava certo. Sentia seu perfume, seu calor, seu coração batendo junto com o meu. Sua respiração estava ritmada com a minha.
Após o abraço, ela continuou com as mãos em volta de mim. Seu olhar condenava um sorriso. Me olhava diretamente nos olhos.
- Manu, você sabe que pode confiar em mim né?
- Mas eu confio em você, não é isso..
- É o que então? - tentou olhar nos meus olhos mas eles estavam baixos.
- É isso aqui, é agora.
Me lembrei do que havia prometido para mim mesma. E do que meu pai me falara. Lute pelas coisas que você acredita. Eu no momento estava acreditando na minha louca vontade de beijar Patrícia.
Olhei para os seus olhos - coração batendo forte - para o seu nariz - coragem, mais forte - boca. Tudo parou. Me inclinei levemente para perto do seu rosto. Nossos lábios se tocaram. Depois de tanto tempo. Sua língua rapidamente encontrou a minha, e assim ficamos um longo tempo, sentindo, beijando. De uma forma mágica a intimidade se criara instantaneamente. Parecia que nos beijávamos desde sempre. O beijo perfeito, molhado e demorado. No restante do dia não nos falamos, ficamos apenas nos beijando.
À noite, como comumente fazíamos, ela me ligou, mas ao invés de ficarmos falando sem parar como sempre, apenas ficamos longos minutos em silêncio. Eu conseguia sentir o seu sorriso e o seu coração.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Metamorfose

Mas a nossa amizade estava se transformando, depois das férias de inverno no primeiro ano do colegial, o que eu sentia ganhava mais intensidade ainda. E ela correspondia sem falar nada, apenas querendo estar comigo a todo instante e ficando brava quando alguém falava sobre meninos para mim. Anos depois fiquei sabendo que ela interceptara uma carta que um colega nosso havia escrito para mim pedindo para ficar comigo. Eu também tinha ciúme delas. O filho da tia do restaurante que agora voltara a ser nosso ponto de encontro nas sextas-feiras, gostava dela e sempre ficava atrás de nós quando íamos almoçar lá. Eu morria de raiva dele e fazia de tudo para despachar o menino para o mais longe possível. Ela se divertia com o jeito como eu falava dele, às vezes parecia que ela sabia do meu ciúmes, porque falava coisas só para me provocar, e dizia que eu ficava engraçadinha quando brava, passando a mão sobre meu rosto, fazendo eu ficar mais envergonhada ainda. Seu toque me causava coisas indescritíveis, coisas que só estando na minha pele para saber. E eu gostava de estar alí naquele momento. Era uma coisa boa. Sem nome, mas boa. Mais do que boa, ótima.
E essas coisas só aumentavam. Tudo de mais normal que fazíamos, parecia ser um espetáculo. Tudo que envolvia a presença de Patrícia me encantava. Era sem graça olhar televisão sem ela. Era triste ouvir meus CDS favoritos sem ter aquela menina ao meu lado, encostando em mim de vez enquando para me mostrar uma nova música. E tudo que fazíamos juntas fazia com que o que eu sentia aumentasse mais ainda. E se até nas coisas simples eu sentia tudo que eu sentia, mesmo sem saber exatamente o que era, quando ela trocava de roupa na minha frente, eu sentia meu coração saindo pela boca. Era uma estranha exitação. Não conseguia tirar os olhos do seu corpo. Às vezes ela percebia meu olhar sobre ela e fingia que não via, fazendo a troca de roupa demorar mais ainda. Com ela meu pacto comigo mesma de não ter vergonha para nada, não valia. Com ela eu me perdia enquanto falava e ela mordia os lábios, ou quando passava a língua sobre eles. A essa altura eu já sabia o que era gay. Se eu me considerava? Não. Mas sabia que "normal" eu não era, pois todas as noites eu ia dormir pensando no dia do meu aniversário que ganhara o melhor presente da minha vida.

E quem um dia irá dizer...

Ficamos muito tempo sem conversar. O verão já estava chegando, quando a professora de Literatura nos colocou para fazermos um trabalho em dupla juntas. Ela protestou, mas a professora disse que era para respeitar o que ela decidia. Combinamos de fazer o trabalho na Biblioteca Municipal. Era sexta-feira. Nunca mais havia almoçado no restaurante da tia dela. Minha sexta-feira ultimamente era passar a tarde inteira pensando nela enquanto apenas olhava para a televisão que passava um filme qualquer. O trabalho já estava quase pronto e ela ainda não havia olhado para mim. Ela me tratava com indiferença, ignorando todas as minhas tentativas de conversa além do estritamente necessário. Necessário para ela, pois para mim aquele assunto me corroia. Mas me corroia mais ainda não poder conversar com ela, não ter a sua companhia, não ter seus olhos sobre os meus.
Nossas pernas se tocaram por baixo da mesa. Vi que seu rosto assumira um rosa-avermelhado.
- Pati, você é a única pessoa que faz essa cidade não ser um inferno para mim. Você é a única com quem me divirto como nunca, que consigo ver cores além do cinza[!]. As coisas com a minha tia estão cada vez mais difíceis, ela briga comigo toda hora, por qualquer coisa. Eu não agüento ficar sem a minha amiga, sem as piadas que só a gente entende, sem achar graça dos filmes toscos da Sessão da Tarde. To indo passar meus finais de semana na casa do Rogério, fico lá olhando televisão e filmes com eles. É tudo tão monótono, me sinto tão sozinha.
Ela largara a caneta em cima do caderno. Seus olhos estavam fixados naquela BIC azul.
- Eu não sei por que aconteceu aquilo tudo. Juro para você que já pensei muito e não sei explicar. Mas para que explicar né - vendo que sua expressão se fechara - não precisamos explicar nada, porque aquilo não aconteceu, certo? Fazemos assim, nada aconteceu e vamos voltar a ser o que éramos antes. Eu simplesmente não agüento ficar sem a minha melhor amiga.
- Eu.. - mas calara-se novamente. Depois de meses seus olhos pararam sobre os meus. Senti um aperto estranho no coração. Era como se tivesse conseguido a maior vitória que alguém pudesse ter, seus olhos nos meus. Assim, simplesmente assim, nos meus. Um prêmio indescritivel da mais pura alegria que senti.
- Eu também não entendo o que aconteceu, mas sinto a falta da nossa amizade. Essas meninas da nossa turma são um saco! - finalmente pude ver seu sorriso. E mais uma vez meu coração apertou, a segunda vitória que eu poderiar querer ganhar, seu sorriso, assim pra mim e só pra mim.
Saímos da biblioteca com a promessa de que nunca mais iríamos nos separar e que nada abalaria a nossa amizade.
Tudo voltara ao normal e melhor do que antes. O nosso beijo aparentemente havia sido esquecido, mesmo ainda sentindo coisas estranhas quando nossos olhos se encontravam ou quando sem querer encostávamos uma na outra. Talvez esse problema só estivesse acontecendo comigo. Talvez eu estivesse pensando de mais nisso e por isso essa "coisa" não saia de mim. E se fosse para ficar perto dela e ter que fingir que nada acontecia, então eu fingiria, daria tudo de mim para não demonstrar absolutamente nada, mas que tivesse sua companhia. Que tivesse seus olhos e seu sorriso voltados para mim. Aquilo sim valia a pena, o resto eu daria um jeito.