sexta-feira, 22 de maio de 2009

Bons ventos que sopram do sul

- Aqui está - disse a moça do balcão - mais alguma coisa?
- Me vê dois desse daqui - apontou para alguma coisa na estante.
Olhei para seu rosto, era Patrícia. Mas como estava diferente [!], estava simplesmente deslumbrante.
Saiu com dois sacos na mão. Deixei a moça do balcão falando sozinha e fui atrás dela. Não sabia como chamá-la, o que dizer. Eis a diferença de dar oi para Ângela e para Patrícia. Ângela era daquelas pessoas que um dia já tiveram alguma relevância na minha vida, mas que agora era uma completa estranha. Patrícia teve todas as relevâncias da minha vida, e nunca havia deixado de ter. Ela foi em direção ao balcão que tinha bolos. Lembrei que ela adorava aquele bolo de laranja do mercado. Vi que ela estava procurando alguma coisa, peguei o bolo de laranja na mão.
- Esse? - arrisquei com um sorriso.
Ela me olhou e ficou parada. Poucos segundos. O suficiente para que meu coração batesse forte, que minha respiração acelerasse e que minhas mãos ficassem frias e suadas de nervosismo.
Ela inclinou a cabeça para um lado, para o outro, me olhou de cima a baixo me analisando. Podia ver nos seus olhos que ela estava processando todas as informações daquele encontro casual.
- Manu?! - falou enfim sorrindo espontaneamente.
Apenas sorri, estendendo-lhe os braços.
Ela por sua vez pegou o bolo da minha mão, me deu um seco beijo na bochecha e fechou um pouco o sorriso.
- Nossa como você ta linda - falei não resistindo ao vê-la assim, tão perto de mim.
Ela ficara visivelmente encabulada.
- As coisas mudam né Manu - disse ela mais séria.
- Mas você sempre foi linda - me senti no segundo ano quando ficava flertando com ela no intervalo, já que ninguém sabia do nosso romance e não podia agarrá-la ali mesmo.
- Tem coisas que mudam pra melhor, outras pra pior - suspirou - é a vida.
Não conseguia desfazer meu sorriso olhando para seus olhos. Eles não me encaravam de fato, olhava para minha mão, para minha orelha, para minha mochila preta desgastada, para meu All Star furado, pra tudo, menos para os meus olhos.
- Fiquei sabendo da tia Med, sinto muito - falou em um tom menos formal.
- É a vida né, uns vem, outros ficam e todos vão um dia.
Apenas levantou suas sobrancelhas. Foi andando em direção à estante dos leites. Segui-a. Enquanto procurava seu leite, olhei novamente para ela, assim mesmo, sem pudor. Como ela era linda, pensei. Como eu pude ser tão idiota e deixar essa mulher simplesmente passar pela minha vida?
Enquanto empilhava os dois leites no seu braço, ela nunca fora de pegar cesta ou carrinho de compras, olhou para minha cestinha.
- Agora isso é a sua refeição Manu? Coca, Trakinas, Clube Social e um Miojo?
- Ah, eu ia pegar uns pãezinhos também - falei sorrindo inocente.
- Nossa, que saudável que você é. Não sei como consegue ser magra desse jeito.
Sorri com tom de "fazer o que". Ela revirou os olhos também sorrindo. Chegou mais perto, senti seu perfume que há tanto tempo não sentia, colocou sua boca quase dentro do meu ouvido.
- E pára de olhar para minha bunda - falou baixinho com um sorriso no canto da boca - eu odeio esse uniforme. E continuou andando, segui atrás dela.
Esses poucos minutos de constrangimento e estranhamento que estávamos tendo se desfez depois sua advertência. Em poucos minutos parecíamos que nos falávamos sempre, que aqueles meses distantes nunca haviam existido.
- Nossa, que saudade que eu tava de você Pati - falei melancolicamente - fazia muito tempo que não nos víamos.
- Cinco meses Manu - olhando triste para as revistas que estavam na estando ao lado do caixa.
- Nossa, tudo isso? - falei um pouco incerta de sua precisão.
- Se eu disser quantos dias vai parecer obsessão né? - sorriu ficando corada.
- Você vai como pra casa, falei enquanto saíamos do mercado.
- A pé, como sempre, já esqueceu disso também? Que moro aqui pertinho, perto também da sua casa? Acho que sim né? Porque nunca mais veio me visitar - falou tornando-se séria.
- Ah, por favor...
- Não, não vamos brigar - falou olhando para o lado.
- Eu to de carro - tentando desfazer aquele silêncio extremamente constrangedor.
Ela se virou para mim - Que carro?
- Do Rogério, ele me emprestou hoje.
- Nossa, ele ta muito seu amigo né?
- Ele sempre foi como um pai pra mim. Fiz uns favores pra ele de entregar documentos em vários lugares hoje, em troca ganhei o carro hoje à noite. Apesar de que vou pra casa ficar sozinha me entupindo de coca e trakinas - sorri um pouco amargurada. Quer uma carona?
- Tenho até medo de andar com você - sorriu - mas vamos lá né?
Coloquei suas sacolas no banco de trás, e as minhas, que depois que encontrei com ela haviam se multiplicado pois me fizera pegar umas frutas, um arroz, uma carne para comer "direito", no porta-malas.
Enquanto contornava o estacionamento do mercado meu celular começara a tocar. Pedi a ela que atendesse.
- Alô? Como? Hm.. Frete?
Quando ouvi a palavra frete lembrei que ainda não havia contado a ela que iria mudar de cidade daqui a dois dias.
- Só um pouco - falou virando-se para mim - tem um cara do frete querendo saber que horas é para ele passar na tua casa.
- Diz que eu ligo pra ele depois - falei visivelmente nervosa.
Quando desligou o telefone percebi que seu olhar estava sério.
- Pra que frete? - perguntou.
- É que bem, a - fiquei procurando alguma coisa para dizer - a tia Med, quando, bem, quando tava viva me falou que se um dia ela morresse era para eu doar todas suas coisas para caridade. É, é isso - me convenci. No fundo era verdade, ela havia pedido isso, mas eu nem havia me lembrado.
- Ah, sim, caridade - falou ela desacreditada. - Pensei que.. Nada, esquece. E virou seu rosto para a rua, fazendo com que seus cabelos fossem jogados para trás pelo vento que batia de leve no seu rosto.
- A Luciana ainda fala comigo, acredita?
- Nossa, não acredito mesmo! Ela ainda fica me ligando... - sorri ainda satisfeita por saber que Luciana, depois de tanto tempo havia caído na minha rede, porém era tarde de mais. Eu já estava em outra, na verdade, em outras.
- Isso Manuela, sorria. E eu que tenho que ficar recebendo suas ligações. Foi engraçado sabe, porque hoje ela apareceu lá no meu trabalho, isso sim é inacreditável.
- Sério?
- Sim, ela me pediu pra te dizer umas coisas - olhava para o lado com um certo quê de raiva.
- Não quero saber nada dela agora - falei tentando desfazer aquele assunto que tanto incomodava ambas.
Logo chegamos em frente a sua casa. Patrícia já estava abrindo a porta quando segurei sua mão.
- Pati, espera - ela se virou vagarosamente em minha direção - eu queria falar com você.
Ela olhou para minha boca, fez com que meu coração pulasse forte - agora não da, tenho que ir - falou olhando para os meus olhos.
- Sabe, eu precisava mesmo falar com você, vamos lá pra casa agora?
Ela deixou escapar um sorriso, mas logo o desfez, notei que com um certo esforço.
- Não posso Manu, e é melhor eu sair logo daqui antes que minha mãe apareça na porta e veja você aqui.
- Então amanhã, promete pra mim que vai amanhã lá em casa? Eu preciso mesmo falar com você - falei quase suplicando - Te juro que não vou fazer nada de mal com você - sorri maliciosamente.
Ela sorriu de volta.
- Combinado - disse saindo. Quando deu a volta no carro, chamei-a.
- Pati, vem cá - disse baixinho.
- Que foi? - falou ela se aproximando.
- Não vai me dar um beijo de tchau? É assim que você se despede das suas amigas? - falei brincando.
Chegou mais perto, por alguns instantes pensei que ela beijaria minha boca, mas beijou minha testa. Me olhou profundamente nos olhos e saiu sorrindo. Quando fechou a porta de sua casa ouvi alguma coisa como "não mãe, o André me trouxe aqui". Ri alto. Eu era o André, como nos velhos tempos.

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