quinta-feira, 7 de maio de 2009

E quem um dia irá dizer...

Ficamos muito tempo sem conversar. O verão já estava chegando, quando a professora de Literatura nos colocou para fazermos um trabalho em dupla juntas. Ela protestou, mas a professora disse que era para respeitar o que ela decidia. Combinamos de fazer o trabalho na Biblioteca Municipal. Era sexta-feira. Nunca mais havia almoçado no restaurante da tia dela. Minha sexta-feira ultimamente era passar a tarde inteira pensando nela enquanto apenas olhava para a televisão que passava um filme qualquer. O trabalho já estava quase pronto e ela ainda não havia olhado para mim. Ela me tratava com indiferença, ignorando todas as minhas tentativas de conversa além do estritamente necessário. Necessário para ela, pois para mim aquele assunto me corroia. Mas me corroia mais ainda não poder conversar com ela, não ter a sua companhia, não ter seus olhos sobre os meus.
Nossas pernas se tocaram por baixo da mesa. Vi que seu rosto assumira um rosa-avermelhado.
- Pati, você é a única pessoa que faz essa cidade não ser um inferno para mim. Você é a única com quem me divirto como nunca, que consigo ver cores além do cinza[!]. As coisas com a minha tia estão cada vez mais difíceis, ela briga comigo toda hora, por qualquer coisa. Eu não agüento ficar sem a minha amiga, sem as piadas que só a gente entende, sem achar graça dos filmes toscos da Sessão da Tarde. To indo passar meus finais de semana na casa do Rogério, fico lá olhando televisão e filmes com eles. É tudo tão monótono, me sinto tão sozinha.
Ela largara a caneta em cima do caderno. Seus olhos estavam fixados naquela BIC azul.
- Eu não sei por que aconteceu aquilo tudo. Juro para você que já pensei muito e não sei explicar. Mas para que explicar né - vendo que sua expressão se fechara - não precisamos explicar nada, porque aquilo não aconteceu, certo? Fazemos assim, nada aconteceu e vamos voltar a ser o que éramos antes. Eu simplesmente não agüento ficar sem a minha melhor amiga.
- Eu.. - mas calara-se novamente. Depois de meses seus olhos pararam sobre os meus. Senti um aperto estranho no coração. Era como se tivesse conseguido a maior vitória que alguém pudesse ter, seus olhos nos meus. Assim, simplesmente assim, nos meus. Um prêmio indescritivel da mais pura alegria que senti.
- Eu também não entendo o que aconteceu, mas sinto a falta da nossa amizade. Essas meninas da nossa turma são um saco! - finalmente pude ver seu sorriso. E mais uma vez meu coração apertou, a segunda vitória que eu poderiar querer ganhar, seu sorriso, assim pra mim e só pra mim.
Saímos da biblioteca com a promessa de que nunca mais iríamos nos separar e que nada abalaria a nossa amizade.
Tudo voltara ao normal e melhor do que antes. O nosso beijo aparentemente havia sido esquecido, mesmo ainda sentindo coisas estranhas quando nossos olhos se encontravam ou quando sem querer encostávamos uma na outra. Talvez esse problema só estivesse acontecendo comigo. Talvez eu estivesse pensando de mais nisso e por isso essa "coisa" não saia de mim. E se fosse para ficar perto dela e ter que fingir que nada acontecia, então eu fingiria, daria tudo de mim para não demonstrar absolutamente nada, mas que tivesse sua companhia. Que tivesse seus olhos e seu sorriso voltados para mim. Aquilo sim valia a pena, o resto eu daria um jeito.

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