terça-feira, 17 de março de 2009

Primeira aula. Segundo trote.

Desculpem-me os ambientalistas e meu falecido pai, mas fiquei 30 minutos embaixo do chuveiro tentando tirar a sujeira e o cheiro de ovo que a "ganguezinha do mal" havia me deixado.
Entrando no quarto percebi que um pouco do cheiro ruim ainda permanecia. Coloquei minha blusa direto no lixo e a calça lavei no chuveiro mesmo.
Embaixo da porta do quarto havia vários flyers de baladas de todos os tipos, inclusive de uma que me parecia GLS.
- Tem de tudo por aqui - disse Débora ao passar por mim na porta, entrando no quarto. - Pelo visto você foi bem recepcionada hoje - rindo ao ver a calça estendida em um varal improvisado.
- Fui - olhei para ela - e como foi a sua aula? - disse, mas logo me arrependendo, provavelmente ela iria ficar até a noite contando do seu dia. E contou. Quarta-feira chegara rapidamente. Muitos na faculdade já estavam com clima para balada, rindo alto, se divertindo com os alunos que erravam suas salas, com os trotes dos outros bixos, havia um menino que estava vestindo apenas um biquíni rosa choque.
Entrei na minha sala, após confirmar o número 5 vezes. Não tinha muita gente ainda, desta vez decidi que não chegaria atrasada. Faltavam 15 minutos ainda para a aula começar. Sentei lá no fundo ao lado da grande janela que deixavam alguns raios tímidos de sol iluminarem o ambiente, tornando-o confortável. Em 10 minutos a sala ficara cheia de gente. Eis outro indício de calouros, sempre querendo chegar na hora certa. A professora, muito baixa e corpulenta demorou cerca de 20 minutos para se apresentar, contando desde a hora da chegada até que pronunciara a primeira palavra. Quando começara a falar, entrou uma menina pela sala pedindo desculpas por interromper. Era alta, talvez minha altura. Loira, muito magra, vestida com um bermudão xadrez largo, e uma blusa rasgada na gola, com uma estampa do Che Guevara. Com um All Star preto de meio cano, subiu as escadinhas da sala e como quase todos os lugares já estavam ocupados, sentou-se na classe na minha frente. A aula transcorreu normalmente, mas parecia que se passavam horas. A professora, me parecia ser muito gente boa, mas muito devagar. Todos seus movimentos eram feitos lentamente. Seus comentários, suas pausas duravam horas. Nem acreditei quando chegou o intervalo. Primeiro intervalo como universitária. Estava tremendamente feliz com essa situação. Nem acreditava que depois de tanto estudo estava ali, na federal, morando em uma republica, sozinha. Esta solidão não me era ruim. Era uma solidão de conquista, de independência.
Estava começando a ficar quente, fevereiro mais parecido com dezembro. Comprei um chá gelado e fui caminhar até o recomeço da aula. Vi dois meninos andando de mãos dadas. Olhei novamente para confirmar o que eu vira. Era o Paulo com um outro rapaz. Mas não era o magrelinho. Era um ainda mais alto que ele, também muito magro mas cheio de piercings espalhados pela sua boca, nariz e orelha. Tentei olhar para o lado para ele não me ver, mas não adiantou. Ao me ver, fez um gesto para o menino que o acompanhava, e deixando-o ali, veio em minha direção.
- Olá senhorita do interior - sorrindo e já me dando um beijo na bochecha - espero que não esteja chateada com a gente.
- Imagina - engoli minha raiva.
- Que bom, porque - olhando para os lados – Maurício veio com tudo hoje.
Maurício? Talvez ele estivesse falando do magrelo.
- Acho melhor você se preparar - e saiu rindo alto ao encontro do rapaz.
Procurei pelos murais, mas não encontrei o cartaz "colorido".
Voltando à sala de aula, uma professora mais baixa ainda estava aguardando os alunos. Apresentou-se como Cíntia. Falou sobre sua matéria, e a conversa durou até o término da aula.
A saída foi tumultuada, me remeteu ao colegial, quando todos saíam correndo pelo corredor, loucos por liberdade.
Sai ainda olhando para os lados, tentando ver se a japonesinha e os meninos estavam por perto. Respirando aliviada, fui em direção ao meu quarto, para poder esperar os caras do frete.
- Psiu - disse alguém.
Virando-me em direção a voz, estremeci. Era a japonesa e sua gangue.
Soltei um 'não' em forma de suspiro.
Paulinho e o Magrelo, cada um de um lado, colocaram seus braços em meu ombro me impedindo de continuar caminhando, enquanto a japonesa se parou na minha frente com uma camiseta em sua mão.
- O que você fez com a camiseta que customizamos para você ontem? - perguntou o Magrelo.
- Você sabe que eu acho que perdi ela? - sorri amarelo.
- Não acredito! Uma obra de arte daquelas. Sorte sua que fizemos outra para você.
Colocaram desajeitadamente ela em mim.
- Então, você deve estar com fome né? - perguntou ela, já com um sorriso no rosto.
- Não, não to não - disse eu já percebendo que boa coisa não ia ser.
- Engraçado, mas nós estamos. E acredita nisso? Não temos um puto no bolso.
- Que pena, eu também não tenho grana pra nada. Inclusive eu tenho que ir, que a minha mudança deve estar chegando logo mais. E é sério.
- Ela está menosprezando nossa fome, japa - disse o Magrelo.
- Não to não pessoal, estou falando sério, minha mudança..
- Ok, você precisa ir pegar sua mudança e nós precisamos comer. Como você nos conhece já, e já sabe que somos muito democráticos, vamos votar. Quem acha que a nossa fome é mais importante, levanta a mão - vendo que os três estavam de mãos erguidas, ainda disse - vencemos, 3 a 1 Manuela.
- E você sabe que nós da comunicação - continuou o Paulinho - devemos ousar em tudo que fazemos, né?
- E para isso, querida - disse o Magrelo - pensamos que você poderia conseguir dinheiro de uma maneira mais.. deixe-me pensar.. Humilde.
Lá vem bomba, pensei.
- Então queridinha, aqui temos, - tirando da mochila- uma canequinha, um óculos de sol, pois você precisa cuidar dos seus olhos, e um sombreiro. Vai a luta filha.
- O que, você quer que eu vá pedir esmolas no farol? - falei eu apavorada.
- No farol? - falou a japonesa - Boa idéia Manuela, ninguém havia falado isso, mas se você prefere assim, nós apoiamos você!
- Não, não, eu fico aqui pelo Campus mesmo.
- Que isso Manuela - falou Paulinho já me levando para a rua - vou lhe contar um segredo, no mundo da comunicação, nunca desperdice uma idéia.
- Bora lá - falou o Magrelo.
- Gente, eu estou falando sério, minha mudança está chegando e se não tiver ninguém para atendê-los? Eu fico dormindo no chão?
- Ah, gatinha, para tudo se da um jeito - falou Paulinho. Ele podia estar sendo um mala comigo, mas eu havia simpatizado com ele.
- Pense Manuela, quanto mais rápido você conseguir a grana, mais rápido acaba nossa fome, mais rápido você vai pra casa.
Fui para o farol pedir dinheiro ainda não acreditando. O chapéu tinha várias coisas penduradas, latas de cerveja, calcinhas, camisinhas, uma meia amarela, um absorvente pintado de vermelho. Eles ficaram me olhando e rindo no outro lado da rua, fazendo sinal para eu ir logo que eles estavam com fome. Queria mandar eles a merda, mas três contra uma era crueldade. O sol estava escaldante. A cada minuto que passava, ficava mais preocupada com o frete. Ninguém queria me ajudar, apenas uma velhinha havia aberto o vidro, mas quando leu minha camiseta e viu as coisas que estavam penduradas no sombreiro, fechou de novo.
Perguntei a eles se o trote já estava bom, estava suando muito e passando mal por causa do calor. Eles disseram que também estavam com calor e a fome ainda continuava.
Já perdendo a paciência quando o sinal fechou novamente, avistei um senhor dirigindo um Pálio azul petróleo. Bati insistentemente na janela até ele abrir.
- Eu sei que o senhor não me conhece, que o senhor pode estar achando que sou uma louca ou que quero lhe roubar. Deve estar com medo das coisas penduradas no meu chapéu, né? Eu também não estou gostando, e ainda lhe digo mais, estou morrendo de calor e de fome. Então pelo amor de Deus me ajuda a sair dessa? Eu preciso de qualquer trocado para dar para os meus colegas que estão me esperando no outro lado da rua, rindo da minha cara neste momento - disparei gritando.
O senhor assustado com a minha investida começou a tossir sem parar.
- Toma minha filha - disse enquanto me entregava uma nota amassada de 5 reais, sem parar de tossir.
- Me esculpe assustar o senhor - disse, mas foi abafado, pois ele fechara o vidro.
Fui correndo em direção a gangue do mal.
- Ó - disse eu entregando o dinheiro - agora chega, que eu vou perder o frete, e vou ser obrigada a ir dormir com um de vocês.
- Se for comigo eu topo - disse o Magrelo rindo compulsivamente.
Chegando no quarto, encontrei com 3 homens que me disseram estar esperando a 20 minutos, e que se eu demorasse mais 1 eu ia perder a viagem.
O restante do dia transcorreu assim, ajudando os caras do frete, e remoendo a raiva dos três chatos que não paravam de me perturbar.

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