segunda-feira, 16 de março de 2009

Trotes: cara pintada e mais além.

Novamente acordei atrasada. Desta vez Débora não estava mais no quarto. Suas coisas estavam atiradas pela cama, chão e bidê. E eu que me achava desorganizada.
Cheguei em cima da hora. Fizeram a recepção, desejando um bom ano letivo e todas aquelas coisas de sempre. Na saída do salão esbarrei em uma pessoa. Não reparei quem era até ouvir:
- É esta aqui mesmo - disse a japonesa sem-nome - ela que vai ser pintada.
Eu ainda assustada com o grupo de pessoas que vinha em minha direção fiquei estática.
- Pintar o que? - perguntei com o pouco de voz que saía de mim.
- Aqui Manuela, bixo é pintado, e olha que estamos sendo bonzinhos com você - enquanto um dos meninos que a acompanhava passava o seu dedo grosso de tinta vermelha no meu rosto.
Tentando me esquivar do movimento, seu dedo passou em cima da minha sobrancelha, quase acertando o meu olho.
- É melhor você ficar parada - disse ele rindo, enquanto o resto dos meninos escreviam besteiras na minha blusa. Ok, eu fui esperta colocando uma roupa meio velhinha, ou talvez não esperta o bastante sendo uma vítima de fácil identificação com minhas roupas velhas.
- Mas você nem é do meu curso? - falei já desistindo de tentar me esquivar das várias mãos que vinham em minha direção.
- Eles são - sorriu ela.
- Muito prazer, senhorita - disse um rapaz com um pouco de barba na cara - segundo semestre de Publicidade. Sou o Paulo, mas você pode me chamar de Paulinho, a seu dispor.
- Paulinho, pára de me pintar? - falei em uma tentativa frustrada.
- Paulinho, não caia nos encantos dessa moça - interveio a japonesa - pessoas do interior não tem voz aqui.
- Ela é do interior? - falou outro menino que pintara meu rosto. Este era um pouco mais alto que eu, e vestia uma roupa justíssima. - Você deve tirar ovo de galinha né? - os três riram, o resto do grupo havia se dispersado pegando outras pobres pessoas para pintar e escrever pornografias nas suas roupas - Deve ser expert em ovos, vê se esse é do bom - atirando de uma só vez dois ovos na minha cabeça. Meu cabelo que estava tão cheiroso, agora virara uma papa nojenta.
Passaram por nós um grupo que levava um menino no colo. Vários gritavam "Privada!, Privada!" espero que eles não façam o que eu pensava que iriam fazer.
- Você como um bom bixo deve fazer algumas de nossas vontades - disse a japonesa.
- Que vontades?
Eles riram.
- Você vai ter que beijar o Marcão.
E as risadas ganhavam mais força.
- Quem é o Marcão? - perguntei já me arrependendo,
- Está ali do lado - apontando para um moço 2x2 com uma barba de meio metro.
- Ah minha gente, daí não né? - falei pedindo ajuda a japonesa sem-nome.
- Ela acha que pode escolher pessoal - disse ela - mais ovos para ela aprender que deve obediência a nós. Tocaram farinha também.
Estava prestes a chorar de raiva. Porque fazer trotes? Filhos de uma..
- Não quer beijar? Bebe isso então, como sua punição - oferecendo-me um copo com uma estranha gororoba dentro.
- Vocês só podem estar de brincadeira né? - estava pensado em correr, mas algo me dizia que não seria a melhor alternativa.
- Bebe! Bebe! Bebe! - os três gritavam em único som.
- Preciso saber o que tem dentro.
- Ela quer escolher o que vai dentro! Vê se pode uma coisa dessas.
- Você até pode escolher, mas vai ser entre o Marcão ou esse suquinho natural.
Olhei para o lado em busca de socorro, mas todos que ainda estavam na saída do salão, estavam tendo talvez piores trotes do que eu.
Meu telefone começara a tocar.
- Olha, meu telefone, preciso atender, é importante - disse mostrando a eles. A japonesa foi mais rápida e o pegou da minha mão.
- Eu acho que deveríamos atender, e vocês? - eles responderam que sim.
- Oi. A Manuela está muito ocupada no momento, ela não pode atender. Quem é você? Patrícia? Quem sou eu? Uma amiga dela.
- Quem é Patrícia, perguntou virando-se para mim.
- Ela é só uma amiga que está me ajudando com a mudança - disse com o coração batendo forte. Eu esperando tantas horas pela sua ligação e ela me liga justamente quando esses babacas estavam comigo.
- Ela não pode atender agora, está muito ocupada com.. certas coisas - disse a japonesa rindo com os meninos - Não tem de quê, tchau!
- O que vocês fizeram? - falei ainda tentando me desvencilhar dos braços dos meninos, mas apesar de magros, eles eram mais fortes do que eu - ela vai ficar puta comigo, eu não acredito. Vendo a minha raiva eles me soltaram. - Se vocês querem me pintar, tocar ovo, farinha e qualquer coisa a mais, toquem, mas não ... com ela não pessoal, vocês me meteram em uma confusão sem fim. Agora posso ir embora?
- Ainda tem o suquinho ou o Marcão - disse o menino magro rindo.
- Deixa ela - falou a japonesinha. E quando eu fui sorrir tentando agradecer, ela ainda completou - ela é bixo até o meio do ano. Ainda temos muito tempo pra ela tomar isso aqui. Mas para não ir fora - deixou o líquido viscoso escorrer pelos meus cabelos.
Eu podia bater nela. Quem que ela pensava que era? Nem fazíamos cursos iguais. Ok, não poderia reclamar para ninguém porque os meninos eram. Peguei meu celular e sai bufando de raiva. Estava toda suja com aquela meleca. Entrei no primeiro banheiro que vi. Olhei-me no espelho e não acreditei. Eu parecia um neném recém nascido. Soltei um riso meio nervoso. Estava horrorosa. Lavei minhas mãos e meu rosto. Precisava ligar para Patrícia. Ainda tinha 10 minutos para o horário do seu almoço terminar. Liguei para ela. Chamou, chamou, estava quase desistindo quando ela atendeu.
- Quem que ta falando?
- Ai Pati, desculpa - falei quase chorando tamanha era a minha raiva - hoje foi a recepção aos calouros, pintaram toda a minha roupa e estou cheia de ovo com algumas outras coisas.
- Então era isso? Quem que era aquela menina?
- Não sei - disse enquanto saia do banheiro - me escolheram, fazer o que. Disseram que ainda tem muito tempo para fazer trotes comigo. Desculpa?
- Você não tem culpa - disse ela ríspida - só queria lhe avisar que os móveis vão chegar amanhã às 12:30. Disse essa hora porque você não havia falado nada comigo. Achei que nesse horário você não teria aula.
- Muito obrigada Pati, eu não sei nem como...
- Eu tenho que ir, tchau - desligou o telefone.
Olhei para os lados querendo chorar, as pessoas continuavam em festa, pulando, gritando, pintando tudo e a todos. As lágrimas insistiam em querer cair, até que não consegui mais detê-las e elas escorreram pelo meu rosto fazendo marcas em meio a gosma que ainda estava insistia em permanecer sobre minhas bochechas.

Um comentário:

Olga disse...

Meu Deus! Que barra!
Eu estudei em uma federal no ensino médio, tinha trote lá qdo eu entrei no primeiro mas agora tá acabando, meu irmão precisou levar pontos pq cortaram o braço dele tentando cortar o cabelo, absurdo...
Mas pintar a cara eu gostava, estava tão feliz que queria que todos soubessem que eu era novata.