quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Era isso

Yumi chegou enquanto brindávamos sorrindo. Vez por outra me lançava um olhar de soslaio, que eu tentava fazer de conta que não o via.
- Vocês tão brindando à que?
- Aos solteiros.
- À liberdade - Maurício falou alto muito animado.
- À felicidade.
- Ao mundo!
- Às mulheres - Renata riu com uma cara de quem iria aprontar.
- Aos homens - completou Maurício.
- Ao fim dos relacionamentos chatos! - Paulinho falou por fim.
Todos se calaram.
- É sério! - e soltou uma gostosa gargalhada.
- Então não posso brindar.
- Porque você ainda está num relacionamento chato né?! - falou Déia virando-se para mim.
- Eu não! Quem te disse isso? - também voltou-se para mim.
Arregalei os olhos levantando minhas mãos como se desfizesse a minha culpa.
- Você quem sabe Mi - disse Paulinho sem perceber o que havia acontecido - eu sei que hoje nós vamos comemorar a vida!
- Mas existe vida durante o namoro também - defendeu Yumi.
- Até parece - falei mais alto do que previa.
- Claro que existe! Eu tenho vida - sorriu.
Todos olhavam quietos para ela, como se Yumi fosse um E.T. que recém havia aterrissado na sacada.
- Cadê a Jéssica então?
- Ih, começou - falou Paulinho.
Eu fiz que não com a cabeça.
- Vocês duas que deveriam namorar - riu Maurício.
Todos se olharam muito rapidamente, talvez tão rápido que ninguém havia percebido os vários olhares daquele pouco mais de dois segundos.
- Ok o importante é a festa, pra onde vamos? - Renata falou rapidamente, como se previsse a futura briga entre Yumi e eu.
Passado alguns minutos de discussão sobre onde seria a nossa balada, nada de novo. O mesmo lugar de sempre. Seria interessante sair assim, sem peso nenhum, sem Yumi ou os seus fantasmas.
Ela continuava me olhando, talvez esperando que eu dissesse que não iria, ou que falasse qualquer outra coisa. Fiquei perdida algum tempo olhando-a. Ela também. Senti um forte cutucão vindo do meu lado.
- O que você acha Manu?
- Hm?
- O que você acha?
- Acha do que? - voltei à Déia um pouco encabulada, mesmo sabendo que ela não havia percebido que me desconcentrei por causa de Yumi. Mas Yumi sorriu vendo meu desconcerto, talvez porque percebeu que assim eu estava justamente por sua causa. Até satisfeita. Mas sinceramente eu queria entendê-la, saber o que tanto a impedia de ficar comigo, porque a essa altura ela já sabia. Todos já sabiam. Mas ela sim, pra ela já havia caído a ficha, mesmo antes de eu me convencer de que assim era. Mesmo antes de várias tantas coisas não terem acontecido por questão de pouca coisa. Aquela noite em que dormimos juntas, e no sentindo literal, mas que ficamos tão próximas, também no sentido denotativo, havia mudado algo. Talvez o seu olhar quando o mirava para mim. Talvez seu sorriso que agora era muito mais fácil. Ela sabia que algo tinha. Ela sentia. E eu sentia e sabia que era mútuo. Talvez para mim fosse menos complicado, porque apenas sentia. Yumi por sua vez pensava, pensava até de mais. Pesava muitas coisas, mesmo que a estas não cabiam medidas. Ela namorava, tentava me convencer que era só por isso que ela não me deixava chegar mais perto. Chegar no sentido literal, sem mais delongas.
- De irmos lá pra casa antes da balada.
Concordei com a cabeça ainda sem prestar atenção.
Yumi voltou-se para Paulinho, voltou-se ao seu copo de cerveja, voltou-se ao seu celular que volta e meia piscava dando alerta de nova mensagem, mas sempre no fim voltava-se para mim, quase esperando eu ir falar com ela. Sentia que havia assinado um tal contrato mental com ela. E talvez não fosse interessante ultrapassar as regras que haviam sido impostas. Eu sentia que devia algo para Yumi. Mas não que isto tivesse algum peso de uma dívida. Mas era um peso de compromisso. Podia parecer loucura tudo isso, mas era o que eu sentia, mesmo às vezes não acreditando muito. Me sentia responsável por Yumi. Pela sua felicidade, pela sua saúde, pelo seu sorriso no final da tarde, pelo seu boa noite. E talvez eu não estivesse tão enganada assim porque ela me dava esse espaço. Espaço até de mais. Ficava com medo de infringi-lo e estragar tudo. Não sabia muito bem quais eram meus limites. Mas estava a fim de testá-los, mesmo que isso custasse muito mais do que umas férias na praia.
- O que você está esperando?
- Esperando o que?
- Onde você está?
- Quê?
Bufou. Continuava olhando para Yumi, ela sorriu. Ou continuava sorrindo.
- Esquece - Déia saiu de perto de mim indo em direção à cozinha.
Todos continuavam conversando já planejando como seria a noite. Eu confesso que estava por fora, não sentia aquela excitação de todos. Fui ao banheiro, lavei meu rosto, me olhei firme no espelho tentando fazer aquela nuvenzinha que pairava por cima de mim sair para longe. O que estava me dando afinal?
Quando sai do banheiro dei de cara com Yumi escorada na porta.
- Oi - sorri ainda tomada pelo susto de sua súbita aparição.
- Oi - continuou parada na minha frente.
- Vem sempre aqui? - sorri.
- Se você vier eu venho - sorriu também ainda parada.
- Então vou começar a vir sempre - imitei-a.
Sorrimos juntas.
Fui em sua direção, mais para passar do que para qualquer outra coisa. Ela talvez entendendo errado meu sinal, foi para trás assustada, como se tivesse medo de que eu tentasse beijá-la naquele momento.
- Manu...
- Sim? - falei parecendo (ou tentando) ser displicente.
- Eu queria falar uma coisa com você.
- Pode falar - tentei transparecer calma, apesar do meu coração ter dado um salto ao ouvir estas últimas palavras.
- Aqui não dá.
- Então aonde?
- Vem cá.
A segui. Saímos do apartamento, ninguém nos viu. A segui pelo corredor, encaramos um jogo de escadas, ela abriu uma porta que dava para o terraço.
- Como você sabia da existência daqui? - perguntei surpresa.
- Ah, eu tenho meus contatos - sorriu, indo em direção ao peitoral que dava direto para a imensidão da cidade.
- Bonito aqui né?! - tentei parecer casual.
- Sim - concordou.
- O que queria falar comigo? - falei antes que ficássemos em silêncio.
- Ahm, queria te pedir desculpas – falou pausadamente.
- A gente veio até aqui pra você me pedir desculpas? Estava esperando um pedido de casamento depois de tanto suspense - falei brincando. Ela riu me empurrando gentilmente.
- Como você é besta.
- Ué, to tentando entender por que você está me pedindo desculpas.
- To te pedindo desculpas por essas coisas todas.
- Que coisas todas?
- Todas as coisas.
- Que coisas?
- Essas que tão acontecendo.
- Que coisas que estão acontecendo? Por enquanto não ta acontecendo nada - sorri mais para mim mesma do que pra ela.
- Pois é. Então que seja por isso.
- Isso o que?
- Essas coisas que não estão acontecendo.
- Hm - interroguei-a - o que têm elas?
- Então você sabe do que eu estou falando?
- Claro - respondi tentando entender o porquê daquela conversa.
- Então peço desculpa por essas coisas que não estão acontecendo.
- Não precisa pedir desculpa por nada - falei um pouco mais fria do que gostaria, mas no fundo do jeito que queria.
- Claro que preciso.
- Não precisa mesmo - retruquei ficando com um pouco de raiva daquele acesso de piedade dela para comigo.
- É que eu não entendo o que ta acontecendo.
- Mas a gente não acabou de dizer que não está acontecendo nada?
Ela me lançou um olhar de descrença.
- Olha Yumi, somos bem grandinhas, não precisa me pedir desculpa por nada. Você não me deve absolutamente nada.
- Eu sei.
- Então pra que pedir desculpas?
- É verdade né? Eu que sou uma besta por vir te chamar aqui e tentar entender o que está acontecendo - olhou triste para os pés.
Me senti um pouco deslocada com aquela constatação.
- Não ta acontecendo nada Yumi.
- É por isso que eu to aqui.
- Porque não ta acontecendo nada? - sorri daquele diálogo de loucas.
- Sim e não. Sim porque não está acontecendo nada. E não porque é por não estar acontecendo que eu to te pedindo desculpa.
- Agora eu que te peço desculpas, não to entendendo nada - ri sincera.
- Olha Manu eu devo ta enxergando coisas de mais, é isso. Esquece o que eu falei ta?
- Não, eu to aqui pra tentar entender - permaneci parada.
Ela olhou profundamente para o infinito daqueles prédios que nos rodeavam. Respirou fundo.
- Eu confio em você Manu.
- E isso é um problema? - me escorei ao seu lado.
- Você é minha amiga.
- E?
- E amigas não ficam - soltou.
- Mas a gente não ficou - comecei a ficar nervosa com aquilo tudo.
Ela me olhou ainda escorada.
- E porque a gente não ficou?
- Porque somos amigas?
- Você acredita mesmo que é por causa disso?
- Não, eu acho que é porque você tem namorada e gosta dela - falei olhando para os lados, com medo de que ela percebesse a mentira que neles refletia.
Ela riu.
- É mesmo que você acredita nessa viagem que você está me dizendo?
- Mas você não gosta da sua namorada?
- Claro que gosto.
- Então pra mim basta.
- Pra mim também.
- Então pronto, não tem nada que me pedir desculpas.
- Mas eu me sinto culpada.
- Não se sinta, você não fez nada, aliás a gente nunca fez nada e nunca vai fazer - falei irritada - não tem porque pedir desculpas. Peça desculpas à Jéssica por namorar com ela sem gostar dela.
- Quem disse que eu não gosto dela.
- Olha Yumi, como eu sou sua amiga eu acho que posso te dizer que você só namora com as pessoas porque elas são fáceis. E eu sinceramente não acredito que algo que comece desse jeito possa dar certo.
- Mas quem disse isso?
- Você mesma disse isso.
- Você está louca Manu.
- Não estou, olha o jeito que você trata a Jéssica, por mais que eu não goste dela, eu acho que ela não merecia essa tua falta de interesse por ela.
- Quando que eu não demonstrei interesse por ela?
- Você nunca demonstra.
- Me diz uma vez.
- Todas as vezes que eu to com você eu nunca vejo você tratando ela bem.
- Mas é que... - calou-se.
- Ontem mesmo.
- Pois é, ontem. Era sobre isso que eu queria falar também... - voltou novamente seu olhar para o horizonte.
- Não temos nada para falar sobre ontem Yumi. Aconteceu e não aconteceu. Eu também não estou facilitando.
- Não, eu que estou fazendo tudo errado.
Era a minha deixa para concordar com tudo aquilo e tentar entender o que estava acontecendo. Acompanhei o seu silêncio.
- Eu só queria te pedir desculpas ta Manu?! Será que é tão difícil de aceitar isso?
- Posso aceitar, mas queria entender porque você está me pedindo desculpas.
- Porque eu... - ela olhava agora para os lados, talvez pedindo apoio a um dos tantos edifícios que nos olhavam mudos e cinzas - você não entende.
- Se você me explicasse eu poderia entender.
Ela parecia nervosa, balançava seus dedos freneticamente.
- Yumi, eu to aqui com você, não precisa ficar assim, outra hora a gente conversa, ta legal?
- Ok.
- Não precisa se estressar, eu sei entender quando as coisas não são pra ser.
- Mas não é isso.
- Enquanto você não tem outra explicação melhor pra me dar, ficamos entendidas que é isso sim - sorri tentando parecer amigável. Me aproximei mais dela. Meu braço tocou no seu. Empurrei-a com o ombro, com meu sorriso demonstrando um ato de paz entre nós.
Ela sorriu de volta. Me virei em sua direção, passando minha mão sobre seu rosto. Ela por alguns segundos fechou os olhos, mas logo os tornou atentamente para os meus.
- Você é linda... - falei olhando para seus olhinhos puxados que sorriram ao me ouvir. Passava meus dedos lenta e delicadamente sobre a sua maçã do rosto, descendo em direção aos seus lábios semi-abertos. Revelavam um sorriso.
- Desculpa se eu não soube me conter... - continuei pousando meu indicador sobre sua boca. Olhei-a mais uma vez, agora diretamente para sua boca - mas prometo que isso não vai se repetir.
Sai de perto dela, aquilo era tortura de mais.
Antes de fechar a porta atrás de mim ainda ouvi um resmungo dela de "você não entende". Não tinha nada o que não entender. Era aquilo. Ela tinha as coisas dela, ela tinha a sua namorada, tinha a sua vida, suas facilidades e vantagens ao namorar Jéssica. Tinha feito suas escolhas e dizer que eu "não entendia" era mais fácil. Tudo bem, eu sabia perder, não iria ser aquilo que me faria estragar a noite.
Juntei-me aos solteiros. Eles sim saberiam curtir a vida sem confusão alguma. Sem dramas! Era isso.

2 comentários:

Nana disse...

bahh... já estava com saudades de ler ;P

continua escrevendo maravilhosamente bem, queria conseguir escrever 1/3 do que vc escreve

eu disse...

devia estar na aula, mas não to aqui lendo e lendo sem parar.

***pensamento***
MEU DEUS!! td isso eh minha?
não...
mas um dia vai ser. vai sim.