quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Quarta-feira de cinzas

Estava no ônibus indo depois do trabalho para a casa de Yumi. Ela insistentemente havia me forçado (eu sem tanta resistência assim, confesso) a ir para a sua casa ajudá-la a fazer um trabalho da faculdade. Eu já havia lhe explicado inúmeras vezes como ela poderia resolver suas dúvidas, mas ela insistia que eu fosse lá. Eu fui, não era besta, ou justamente por eu ser besta, lá estava eu tocando no interfone. E como eu era idiota, ela nem ao menos veio abrir a porta para mim, apenas soltou um "oi, sobe". Eu que desse meia volta e mandasse ela ir pra p. que pariu. Ela pensava que eu era o que?
Quando sai do elevador percebi que a porta estava entreaberta, entrei sem hesitar. Ouvia apenas o som de teclas sendo digitadas. Então ela estava no computador, ocupada de mais para abrir a porta pra mim. De certo estava falando com Jéssica.
- Yumi?
- Vem cá, to no quarto.
Entrei devagar pensando se iria ou não dar meia volta.
- Oi Yumi - falei desanimada constatando que realmente ela estava na frente do computador com o MSN ligado.
- Oi Manu, só um instante.
Aguardei 10 minutos sem falar absolutamente nada, esperando que enfim ela parasse de falar com Jéssica. Sim, pude ver através de alguns movimentos de Yumi que elas estavam brigando por alguma coisa que não entendi, também não estava muito a fim de ficar prestando atenção na conversa delas.
Mais 10 minutos, entre um "já to indo Manu".
Respirei fundo, estava mais do que na hora de eu dar um basta em tudo aquilo. E aquilo eu me referia a mim mesma, não à Yumi.
Respirei mais uma vez fundo. Nada de Yumi se voltar para mim.
- Pra mim chega - falei sem esperar resposta nem o seu olhar.
Sai do apartamento sem olhar para trás. O elevador não estava me esperando, então desci as escadas quase correndo, bufando de raiva. Raiva de mim, de me prestar a tudo isso pra nada. E a desgraçada nem pra vir atrás de mim perguntar alguma coisa, falar comigo. Talvez eu fosse isso pra ela mesmo, uma nada que, alguém que não valia a pena perder tempo e sua atenção. Enquanto eu ficasse assim na sua mão era assim que ela continuaria me tratando. Mas eu não era tão burra assim. Eu que começasse a por em prática minhas tentativas de deixar Yumi de vez pra trás.
Pelo menos dei sorte encontrar alguém no portão para abri-lo para mim.
Caminhava rápido, nem sentia minhas pernas. E nem ao menos ela veio falar comigo. Aquela louca!, praguejei.
Entrei no ônibus com a cara fechada, talvez até de mais, pois o cobrador me lançara um olhar estranho, quase piedoso para mim.
Sentei em um banco sozinha, que bom que por um milagre divino naquela hora ainda haviam bancos disponíveis. Um senhora sentou ao meu lado, sorrindo. Eu lhe retribui minha cara de ódio por Yumi. Seu sorriso ainda assim não diminuiu.
- Acho que vai chover hoje.
- Espero que não pois não tenho guarda-chuva - respondi ríspida.
- Mas você desce muito longe?
- Não, é perto por sorte.
Novamente me virei para a janela, tentando mostrar com meus braços cruzados, cara fechada, fone de ouvidos no máximo, que não estava a fim de conversas de ônibus. Mas ela insistia.
- Nossa, hoje eu resolvi fazer umas comprinhas aqui perto, comprei presente para o meu sobrinho, ele ta de aniversário.
- Hm - respondi por que eu ainda era educada, apesar da raiva.
- Quer ver o que eu comprei pra ela?
Ai que saco! - sim, posso ver - forcei um sorriso que saiu rasgando da minha boca, quase metralhando a vovó.
Tirou de uma das sacolas um carrinho azul que acendia uma luz quando apertava no botão.
- Será que ele vai gostar? Ele já tem cinco anos.
- Acho que vai, quando a gente é criança os únicos presentes que gostamos são os brinquedos.
- É? Faz tanto tempo que eu não sou mais criança que eu quase me esqueço como é. Comprei para a minha netinha de seis anos um casaquinho da Hello Kity, será que ela não vai gostar então?
- Vai sim.
- Mas você disse que as crianças gostam de brinquedos.
Já estava perdendo a paciência com a senhora.
- Não te estressa, criança gosta de qualquer coisa! - bufei involuntária.
- Hm - respondeu um pouco acuada. Ficou quieta por alguns segundos.
- Aceita uma balinha - me estendeu um saco cheio de balas de goma - comprei esse saco por um real, acredita?
- Que legal.
- Quer uma? - ainda com as mãos estendidas para mim.
- Não, obrigada.
- Ah, essa juventude de hoje preocupada com a saúde acha que uma balinha dessas vai engordar.
Sorri quase fuzilando a senhora.
- Eu não gosto muito dessas balas aí, grudam nos dentes, um saco.
- Pois eu gosto, elas são bem docinhas, ajudam a adoçar a vida - ficou me olhando. Olhei para o lado duas vezes para ter certeza de que ela permanecia na mesma posição.
- Então eu preciso de um saco inteiro dessas aí.
- A tua vida não anda muito doce?
- Não! - lembrei de Yumi e sua total falta de atenção para comigo.
- Nessa idade tudo parece não dar certo, ou falta dinheiro pra balada, ou é o namorado que fica com outra, ou é a amiga que pega alguma coisa que não devia. Vocês jovens deveriam aproveitar mais essa idade. Essa é a fase mais gostosa que temos. Ainda não se tem família pra sustentar, já tem autonomia pra fazer as suas coisas, mas as consequências nem sempre caem em cima de vocês. Não hoje, só amanhã. Mas como o que importa é o hoje, eu sugiro que você coloque um belo de um sorriso nessa tua carinha linda, pois você é uma menina muito bonita e simpática (nesse momento me pergunto de onde ela tirou que eu sou simpática) que me fez ver que minha netinha não irá gostar só de uma roupa né?! - sorriu.
- Acho que se a senhora desse algum brinquedo ela ficaria mais feliz - falei me desarmando um pouco.
- E o que você diria que uma garotinha de seis anos gostaria?
- Aí eu já não posso lhe ajudar, não tenho muitas experiências assim com crianças.
- Mas você já foi criança há muito menos tempo que eu, pode ter certeza! - sorriu simpática.
- Isso é! - falei enfim sorrindo.
Antes de se levantar a senhora ainda falou.
- Sabe, na tua idade eu também era assim, achava que os problemas com o namorado ou a falta de dinheiro pra ir pra um boteco beber era a pior coisa que existia na vida, que a faculdade era cansativa de mais. Agora pense, na minha idade infelizmente nem isso mais eu tenho pra me preocupar, nem faculdade, nem dinheiro e nem muito menos um namorado.
Saiu sorrindo. Fiquei pensando no que a senhora simpática havia falado. Meus problemas não eram tão problemáticos assim. Yumi que era meu problema. Não reclamava da minha faculdade, do meu trabalho, das minhas amigas, só de Yumi. Mas depois do papo com a velhinha me senti mais leve, sem tanta raiva assim. Que Yumi fosse só uma roupa da Hello Kity que eu trocaria por um novo brinquedo, talvez esse mais animado.

Nenhum comentário: