sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A festa

Então fomos para a festa, àquela destinada apenas aos solteiros, ou solteiras. Um viva às mulheres (e aos homens, lembrou mais uma vez Paulinho). A nossa saída, aquele clima de descompromisso me lembrou quando este clima começou a se apoderar de mim, já namorando com Patrícia. Era estranho ver todo aquele mundo lá fora, e que a partir daquele momento poderia fazer parte de dentro e de perto do meu mundo.
Dançávamos com animação e com vontade. Patrícia como sempre linda, aos meus olhos e aos de algumas meninas que insistiam em lhe lançar olhares maliciosos, como se desconsiderassem a minha presença ali. Puxei-a mais para perto de mim, ela sorriu satisfeita, talvez nem percebesse que aquelas meninas intrusas soltaram suspiros de insatisfação ao me ver beijando-a.
Ela estava com sede e eu precisava ir ao banheiro. Seria a primeira vez que nos desgrudaríamos em uma festa daquelas, naquele lugar. Seria a primeira vez que nos distanciaríamos para nunca mais voltar.
Depois de um tempo, assim de cabeça fria, vendo as pessoas dançarem sem grandes pretenções, eu até poderia dizer que eu não fui a única a cometer uma quebra de cláusulas. Preferia acreditar nessa minha hipótese que se tornara a mais completa verdade do que pensar por assim dizer que fui eu e só eu que iniciara aquele fim.
Lhe dei mais beijo, e naquela época não pude entender o que era aquele gostinho de despedida que senti. Aqueles segundos a mais de olhos fechados depois do beijo, como se quisesse guardar para sempre aquele momento que jamais voltaria.
Hoje, sozinha naquele mesmo bar, com quase as mesmas pessoas, afinal nenhuma tinha nome nem cara naquele tempo nem hoje, entendia.
Fui em direção ao banheiro, muito apertada e tentando ao máximo ser gentil com as pessoas que insistiam em não me dar licença. Sabe quando tudo parece estar em câmera lenta só porque você precisa urgentemente ir ao banheiro? Pois então, esta fora a minha primeira impressão naquele momento. Mas depois de ir ao banheiro, ufa, e sair da cabine sendo praticamente empurrada por meninas que rapidamente trancaram a porta atrás de si, a câmera continuava lenta. Como num filme. Como em Closer quando aqueles "estranhos" se olharam pela primeira vez.
Quando fui lavar minhas mãos, levantei meu rosto em direção ao espelho e avistei refletido nele uma menina. Não era apenas uma menina. Era uma menina de cabelos castanhos quase loiros, olhos vidrantes e uma boca carnuda. Arrisquei descer um pouco mais meu olhar, tentando não lhe parecer criminosa, um vestido muito justo, com um decote de deixar qualquer pessoa louca. Daquela posição poderia dizer que era quase vulgar, mas era engraçado que o conjunto da obra, aquela bela obra parecia prima, de primeira classe. Toda a vulgaridade se transformava, ainda naquele mesmo segundo olhar, em sensualidade. E em um desejo, como se ele fosse reprimido e enfim encontrara aquela relíquia perdida. Me dei conta tarde de mais que ainda permanecia com meus olhos postos nela. Ela percebeu e ficou me olhando até eu desistir de olhá-la, já com certa vergonha, já pensando que estivesse fazendo errado com Patrícia (depois de algum tempo encrementei minhas desculpas com o namoro). Ela manteve um sorriso perverso no canto da boca enquanto passava seu baton, deixando aquele movimento tremendamente desnecessário fisgar até minha respiração, demoradamente. Passou um lábio no outro, sorriu, talvez mais para si mesma do que pra mim, e saiu. Acompanhei seu movimento até sumir pela porta. Voltando à realidade reparei que várias meninas me olhavam brabas por eu ainda estar ocupando o espelho tão desputado por elas. Sai do banheiro secando minhas mãos nas velhas calças jeans. Ainda tentei encontrar aquela menina tão encantadora com os olhos, mas me deparei com uma Patrícia me olhando estranha. Talvez o primeiro rompimento.
Nesse espaço de tempo entre o beijo e aquele olhar silencioso, a nossa história encontrara enfim o ponto final. Sabíamos, que o ponto não viria assim tão pragmático. Ele demoraria o tempo necessário para que aquela nossa história encontrasse o pior fim. O mais doloroso, mais cheios de mentiras e de outras histórias além da história de nós duas.
Olhei para os lados, tentando não revelar aquele tão pouco que acontecera no banheiro, mas que fora o suficiente para mudar tudo.
- Que foi? - me perguntou segurando uma garrafinha de água pela metade.
- Nada.
- Ta estranha...
- Tô não.
- Hm.
Resolvi olhá-la, sentindo que virara-se para o lado.
Havia alguma coisa estranha em sua expressão. Talvez preocupação.
- Que foi?
Ela virou-se para mim.
- Que foi o que?
- Ta esquisita.
- Eu não! Você que está me fazendo essa pergunta.
- Tô não.
Realmente eu que estava. Achar alguma coisa diferente, naquele momento vendo Paulinho dançar até o chão com um cara dois metros maior que ele, me fez perceber que era coisa minha. Só minha, desde aquele sorriso cauteloso da menina refletida. Talvez aquele espelho refletisse mais coisas do que uma menina e eu.
- Manu, você não vem dançar?
- Eu tô com um pouco de dor de cabeça, acho que bebi de mais.
- Quer água?
- Não, brigada.
- Que foi?
- Não foi nada não, acho que eu vou pra casa, sei lá.
- O que aconteceui? - passou sua mão de leve no meu rosto, como se estivesse a medir minha febre.
- Não to doente - sorri.
- Então o que?
Permaneci em silêncio sem saber o que dizer.
Me olhou no fundo dos olhos.
- É a Yumi né?
- Ai Déia, você e essa sua mania de colocar a Yumi no meio da história.
- Claro que é a Yumi e os quase qualquer coisa que vocês nunca têm, você não tinha dito que iria desencanar?
- Eu vou.
- Se vai é porque ainda não foi.
- Como você é espertinha Déia, me admiro!
- Como você é pamonha! A tua vida vai passar e você não vai nem ver.
- Até parece.
- Até parece que você faz alguma coisa pra mudar.
- Quem disse que eu quero mudar a minha vida?
- E quer permanecer apaixonada por uma menina que não ta nem aí para você - viu minha cara de tristeza ou de sei lá o que - não Manu, não adianta fazer essa cara, se ela estivesse aí pra você ela não ficaria te fazendo de gato e sapato, uma hora parecendo que quer, outra que não quer, se fazendo e te usando, porque é isso que ela ta fazendo. Ela sente que você ta a fim dela, pode ter certeza, só um idiota pra não perceber isso...
Só um idiota pra culpar Patrícia por minhas loucuras e fraquezas. Pela minha falta de sinceridade naquele momento.
- Pati não é nada viu? To só com dor de cabeça, já vai passar.
- Sei...
- Sabe o que vai fazer passar minha dor de cabeça mais rápido?
- O que? - me perguntou preocupada, ainda segurando aquela garrafinha de água.
- Um beijo da minha namorada linda - sorri. Ela me lançou um sorriso apaixonante, com seus olhos brilhando aquém das luzes do bar.
Primeira vez que me desvirtuara estando à tão poucos metros de distância de Patrícia. Primeira vez que seu beijo me fizera esquecer momentaneamente do resto. O problema seria quando nem os beijos assim o fizessem.

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