quinta-feira, 11 de junho de 2009

Declarações de fato

Nem percebi quando abril chegara. Já estava completamente acostumada com a minha rotina de morar em uma República, de almoçar no Restaurante Universitário, de trabalhar e de fazer balada quinta, sexta, sábado e domingo. Meus dias passavam e eu não via, de manhã ia para a aula, à tarde trabalhava, depois do trabalho fazia as coisas da faculdade.
Segunda-feira era o pior dia, eu tinha me inscrito num trabalho solidário que começava às 17h45, eu tinha apenas 15 minutos para chegar no outro lado do campus. Era corrido, mas valia a pena.
Com a Débora minha relação era restrita a 'bom dia, boa tarde e boa noite'. Não sei, tudo que tinha tido de impressão com ela no primeiro dia, tinha se desfeito. Ela era muito preconceituosa, não só com os gays, mas com tudo que era diferente dela e do seu mundo, e olha que seu mundo era pequeno, bem pequeno. Eu sabia que não poderia mudar as idéias de uma menina daquela idade, então apenas me afastei na medida do possível quando se divide uma mesma peça para morar.
Já com Déia e Yumi, minha impressão continuava a mesma, e se confirmava a cada dia que passava. Rê estava se tornando uma ótima companheira de estudos, apesar daquela fachada "sou do mal, não toque em mim", ela no fundo era uma mulher muito menininha.
Déia ia comigo todos os domingos correr no parcão, ficávamos intermináveis horas conversando, planejando a vida, falando sobre tudo, ou quase tudo. Ninguém sabia que eu era sapa (adoro esse termo). Carol e Yumi achavam que eu estava namorando com o Dé, só porque ele vinha me visitar quase todos os finais de semana. Na verdade ele estava começando a se enrolar com um cara que morava aqui na República.
No último domingo de abril, estava meio chuvoso, mas mesmo assim não desistimos de dar uma corridinha.
Depois de uma hora de cooper (ou uma tentativa quase que frustrante de corrida), sentamos no cordão da calçada.
- Que calor - esticou as mãos para o céu - essa chuva é maravilhosa.
Uma menina linda, só de top por cima, passou por nós. Vi com o canto do olho que nós duas a acompanhamos correr até virar a rua.
Ela me olhou sorrindo levemente com o canto da boca.
- sabe Manu,... - voltou seus olhos para a rua - nada, deixa pra lá.
- Fala Déia, que frescura é essa agora?
- Eu... faz um tempo que queria te perguntar uma coisa... - disse ela sorrindo pra mim.
- Ué, mas porque você não pergunta? - já imaginando sua pergunta.
- Você já - gesticulou com as mãos - você já.. Sabe?
Eu ria do seu constrangimento, desde quando esse assunto virara tabu?
- Desembucha.
- É que a Rê tem uma idéia aí, sobre você..
- Que idéia?
- Ela diz que você curte meninas - falou olhando para o chão mexendo em uma folha caída.
Eu ri.
- Ela tem uma idéia de que eu gosto de meninas, isso?
- É o que ela diz.
- Mas porque ela acha isso?
- Você quer todos os motivos
- Todos? Então são mais do que um - me divertia.
- A gente acha porque você tem jeito, ué?! Só ficamos assim de te perguntar por que você é do interior né?
- E no interior não tem gays? - falei rindo mais ainda.
- Então você é gay?
- Se namorar com menina é ser gay, se ficar com menina é ser gay, se afins - nessa hora não pude deixar de soltar uma risada - é ser gay, então sim - falei olhando para um casal que caminhava de mãos dadas.
- To bege.
- Mas vocês não desconfiavam? - continuei rindo.
Ela ficou balançando a cabeça concordando e rindo agora também.
- Realmente, na comunicação só tem gays. Queria eu estar fazendo.
- Mas moda também é bem colorida..
- Só que só tem homens gays, isso já não me interessa muito - falou com uma carinha engraçada.
- Mas você fica com homens também? - perguntei.
- Olha, para falar a verdade pra você.. Não lembro quando foi a última vez que fiquei com um homem. Eu acho que homens são necessários sim, não pra trocar a lâmpada - disse rindo - mas sei lá, o sexo com homem é bom, mas falta certas coisas.
- Seios? - falei.
Ela se engasgou rindo. - Não Manu, nossa você é prática demais. Eu acho que o que falta é que..
Apontei para o meio das pernas - É que sobra certas coisas.
Ela desandou a rir.
- Nossa Manu, - depois de se recuperar do acesso de riso - até parece que você nunca fez nada com homens.
- Para falar sério com você, eu nunca transei com homens. E beijo - fiquei pensando - dei em alguns, mas a maioria eram gays.
- Uau! Mas nunca nunca fez nada com homem?
- Não!
Ficou me olhando como se eu fosse uma beata.
- Déia, pára de me olhar assim - empurrei-a delicadamente - Eu gosto de mulher mesmo.
- Então você já fez com mulheres?
Fiquei olhando séria para ela.
- Claro né? Se eu disse pra você que eu já namorei, você acha que eu ia ficar no passeio de mãos dadas e só?
- Sério, to bege.
- Você é louca - falei brincando - Se vocês achavam que eu era, porque nunca me perguntaram? E se achavam, porque você está assim tão admirada? - ri - Sério, vocês são loucas.
- Olha.. Faz muito tempo que eu não conheço alguém assim como você - me deu um beijo na bochecha.
- Mas agora falando sério, eu dou tanto na cara assim que sou lésbica?
- Ai, agora que você confessou - riu ela. Me olhou dos pés a cabeça - Muito na cara. Não que você seja aquelas meninas caminhoneiras, que coçam o saco, mas sei lá, seu jeito de olhar.
- O que tem meu olhar?
- Hmm.. - me fitou diretamente nos olhos - Quando você olha para mulheres seus olhos brilham diferente. Ao contrário de quando você olha para homens.
- Como você reparou nisso?
Ela levantou-se. - Eu reparo em muita coisa, vamos?
Saímos caminhando para minha casa.
- Então você namorou é? - falou ela puxando assunto.
- Namorei duas vezes.
- Então você já é mais "rodada" - me cutucou.
- É, primeiro namoro durou.. Deixa -me pensar.. Namoro mesmo, não sei, mas que a gente ficava... 2 anos e meio, mais ou menos.
- É bastante tempo...
- É, e com a Luciana.. Deixe-me pensar também - ri - nunca fui muito de datas.. Com a Lu eu namorei quase um ano e meio... É, pensando bem, namorar de verdade, com o sentido monogâmico... Talvez meio ano.
- Nossa, relacionamentos longos hein? Eu não fazia idéia que você era menina de se comprometer - falou me olhando um pouco encantada.
- Não sou mais.. Cansei de relacionamentos. Sabe, - falei enquanto subíamos as escadas em direção ao meu quarto - as mulheres são lindas, cheirosas, carinhosas, e muito sentimentais. E esse é o único problema que eu vejo, ou que pode se tornar um problema.
- Ah, mas é gostoso ter esses problemas com as mulheres.. Porque depois sempre tem a reconciliação - falou ela rindo maliciosamente.
- É, a reconciliação é a melhor parte, definitivamente.
Entramos rindo no quarto, Débora estava com o seu namorado, deitados na cama. Senti que estávamos atrapalhando alguma coisa, pois quando abrimos a porta eles deram um salto (momento joinha). Fiquei meio sem saber o que falar, Déia nitidamente segurava um riso.
- Oi, eu só vim pegar umas roupas, nem vou dormir aqui hoje.
- A gente só tava conversando - falou ela ruborizando.
Abri meu guarda roupa, peguei a primeira blusa que vi, e carreguei Déia pela mão para fora do quarto.
Quando chegamos na saída da república desandamos a rir, até chegar na casa dela.
- Então Déia, me deixa dormir aí na tua casa hoje?
- Só se for comigo - falou ela brincando subindo as escadas.
Estava na cama de cima do beliche onde dormia a Rê. Já que Fer não morava mais lá, sobrava essa cama. Elas ainda estavam à procura de alguém para dividir o quarto.
Fui dormir me sentindo mais leve e mais próxima de Déia. Era bom começar a confiar em mais alguém do que eu mesma nessa cidade caótica.

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