sábado, 13 de junho de 2009

Em todo fim há um começo

Era sexta-feira e o clima de azaração (outra palavra para excluir do vocabulário) estava pairando no ar, depois de três finais de semanas chovendo, esta sexta deixava aparecer um tímido sol por entre as nuvens.
Almocei sozinha, era bom às vezes ficar só, pois a grande mudança que eu havia notado de quando morava com tia Med e agora aqui, na República, é que aqui eu não tinha privacidade nenhuma, quase não existiam momentos que eram só meus. O dia inteiro eu ficava em função da aula e depois do trabalho, voltava cansada tendo que dar conta de estudar. Precisava de férias, pensei suspirando alto.
Sai do Restaurante Universitário caminhando e cantarolando uma maldita música que não saía da minha cabeça. Fui em direção ao Parque Municipal, meio despretensiosa.
Sentei na grama escorada em uma árvore grande, retirei meu livro de dentro da mochila e enfim pude ter um momento só meu. Às vezes me distraia olhando as pessoas caminhando, os cachorros passeando, era bom ficar assim sem nada na cabeça. Meus olhos estavam pesados, o sol e o mormaço me deixavam sonolenta.
Acordei com meu celular tocando, abri os olhos assustada, conseguira adormecer assim, no meio do Parque, no meio da rua, encostada em uma árvore. Soltei um riso nervoso com medo de que talvez pudessem ter feito alguma coisa comigo, talvez alguém pudesse ter mexido nas minhas coisas e roubado meu dinheiro (bem pensamento de pobre). Olhei para minha mochila e ela continuava parada do mesmo jeito que antes.
Enfim atendi o celular que insistia em vibrar no meu bolso. Vi que era Yumi.
- Fala Japa!
- Meu Deus hein? O que você tava fazendo? Tava no banheiro - falou rindo.
- Não, por quê? - perguntei ainda sonolenta.
- Ah, você tava dormindo, ta com voz de sono.. Liguei pra você a tarde toda.. Fiquei preocupada, ta tudo bem?
- Sim, é que.. que horas são?
- Seis.
Realmente, já estava escurecendo.
- Nossa! Dormi aqui no Parque - ri.
- Sua louca, é perigoso ficar assim sozinha.
- Eita, mas ta cheio de gente aqui, só fiquei com medo de algum cachorro vir fazer xixi em mim - falei me animando um pouco. Falar com Yumi ultimamente me fazia muito bem, tirando a parte onde ela me irritava.
Fez-se um silêncio.
- O que você vai fazer hoje?
- O que nós vamos fazer hoje? - retruquei.
- Quer vir aqui em casa? - sua voz parecia ter se entristecido.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não, nada de mais..
- Quer que eu busque você aí?
- Não precisa não, japinha, to de boa mesmo. Vou caminhando.
- É que eu to aqui por perto.. - falou ela com uma voz um pouco manhosa.
Esperei-a cerca de 15 minutos, sim, ela estava perto pensei já me irritando.
Ela estava linda, não sei se era o cabelo, talvez a roupa, tinha algo diferente. Talvez seu olhar. Sim, era o seu olhar, tinha um brilho diferente nele.
- Não vai me dar um beijo? - falou vendo que eu sentara e ficara olhando para ela.
Dei um beijo na sua bochecha e senti seu perfume. Não sei qual era aquele perfume, mas caia muito bem nela. Não era doce, era um pouco cítrico.
- Hoje - ela abriu um largo sorriso - estou a fim de me acabar dançando.
- Olha - falei arqueando minhas sobrancelhas - que beleza!? E a que devemos essa honra?
- Não sei, acordei feliz hoje.
- Percebi - falei sem conseguir disfarçar meu sorriso - você está com alguma coisa diferente.. Olhei para sua boca, mas era tentador de mais. Não que eu quisesse ficar com ela, ela era hetero, era minha amiga, tinha seu namoradinho (de merda).
Ela sorriu. Senti seu ego inflar.
- E o que eu tenho de diferente?
(ai mulheres)
- Não sei.. Ta diferente..
- Mas diferente para melhor? - falou passando a língua sobre os lábios.
Ela tava me provocando, não era possível... Ou talvez eu estivesse louca, porque ela não sabia que eu gostava de mulheres. Era isso, ela me tratava assim porque ela achava que eu era como ela, uma hetero. Era isso. Me desanimei um pouco.
- Hein?
- Que? - falei desatenta.
- Nada, esquece - disse mordendo o canto da boca.
Chegamos no seu apartamento e a Carol já estava nos esperando em frente ao portão.
- Opa! Manu, nem sabia que você vinha junto...
- Ah, isso é ruim? - falei fazendo cara de triste.
- Não, isso é ótimo.
Carol deu um abraço demorado em Yumi. Me irritei um pouco. Acho que devia estar com TPM, não era possível.
- Oi Carol, disse andando em direção ao elevador sem dar nenhum abraço em nela.
- Ta tudo bem Manu? - perguntou Carol segurando meu braço.
- To com TPM só isso - falei olhando para o chão.
Ficamos no quarto de Yumi conversando, ouvindo música enquanto Ma ainda não chegava. Carol insistia em ficar dando abraços em Yumi, passando a mão nas costas, dando beijo na bochecha. Tava me incomodando um pouco todo aquele assédio, ela não tinha namorada afinal?
Quando Ma chegou, se iniciou uma pequena discussão para onde iríamos.
- Olha - disse eu tentando terminar com a confusão - eu vou pra casa dormir que é o melhor que eu faço.
Yumi me olhou, me puxou pela mão, me levando para a sacada.
- Manu, aconteceu alguma coisa?
- Não, por quê? - falei sem olhar nos seus olhos.
- Você ta meio estranha, desde que a gente chegou aqui ta toda estressada, sendo até meio bruta com a gente.
- Psiu - falou colocando sua mão no meu rosto, levantando-o em sua direção - pode falar, sou sua amiga.
Ela estava perto de mais de mim. Me desconsertei ao vê-la assim.
- Não é nada, ta? Só to com TPM - assim esperei.
- Vocês duas, venham pra cá - gritou Carol lá do quarto.
Decidiram que iriam para o mesmo barzinho de sempre. O tal barzinho de sempre.
- Olha meninas, falei olhando para Yumi - eu to meio cansadassa, me deixem em qualquer lugar que eu possa pegar um ônibus.
- Ain Manu - Yumi se aproximou de mim e passou seu braço pelo meu pescoço - não tem graça se você não for.
(ai, não fala isso, não fala isso, não fala isso).
- É gata, vamos nessa- disse Carol sorrindo para mim. Seu sorriso era franco, não conseguia ficar brava com ela, mesmo achando que ela estava dando em cima da Yumi. E eu não estava com ciúmes disso não, eu apenas achava errado Carol, uma menina comprometida dando em cima da amiga.
- Sério Manu, vamos lá?! Passar a noite toda dançando, festa só das meninas!!! - falou Yumi levantando os braços para cima, girando no mesmo lugar.
- E seu namorado? - perguntei confusa.
- Mi, você ainda não falou pra ela? - disse Carol sorrindo, fazendo que não com a cabeça.
Ma, parecia que estava um pouco de saco cheio da gente, disse ríspida - vamos encurtar, Yumi terminou o namoro com o cara lá.
Deixei escapar um sorriso, que tentei esconder com uma tossida muito falsa.
- Agora - continuou Ma - vocês já podem ficar juntas - olhou para mim e para Yumi - agora vamos?
- Que? - disse assustada.
- Você ta louca né Má? - falou Yumi sorrindo.
- Tanto faz - Ma era chata de mais, pensei.
- De qualquer forma eu não tenho roupa.
Yumi disse que isso não era desculpa, que ela me emprestaria então uma outra roupa.
Enquanto escolhia a roupa para mim, fiquei pensando e tentando entender porque eu estava feliz.
- Ta tudo bem com você, Yumi? - perguntei olhando-a enquanto puxava algumas blusas para fora do armário.
- Sim, por quê? - falou virando-se para mim.
- Ah, sei lá.. Você terminou com seu namorado - falei enrolando um fio solto que saia da minha blusa no meu dedo.
- Ué, você nunca terminou um namoro? - encostou-se na porta do armário.
- Sim, e por isso que to te perguntando, se ta tudo bem, se você não ta triste - falei olhando para o lado.
- Ah - voltou sua atenção para as roupas - eu nem gostava muito dele.
- Mas então porque você namorou? - falei um pouco aliviada. Então ela não gostava daquele animal.
- Porque ele era fácil.
- Homens são fáceis. Mas.. - me interrompeu colocando uma blusa sobre mim.
- Essa vai ficar linda! - falou sorrindo - vai pro banheiro tomar seu banho, já levo sua toalha.
Fiquei estranhamente excitada (anotei mentalmente, parar de ser cafajeste - parte.. III).
Era quase 1hora da manhã quando chegamos no bar. Estava lotado, como sempre. Jurara para mim mesma que essa noite não ia beber daquele jeito absurdo que todo mundo bebia constantemente. Percebi que Yumi queria se acabar mesmo, talvez no fundo tivesse triste pelo fim de seu namoro, ninguém termina o namoro porque o cara é "fácil".
A música estava muito boa, muito rock, indie (naquelas), eletro rock. Yumi dançava sem parar, parecia que havia uma áurea em volta dela. Estava deslumbrante. A sua franja caia várias vezes sobre seus rostos, fazendo ficar incrivelmente misteriosa.
Eu estava meio quieta, apenas curtindo vê-la dançar. E como dançava bem, ela tinha alguma coisa que chamava atenção, vários caras ficaram olhando para ela. Quando um loiro de camiseta vermelha vibrante chegou nela, ela veio em minha direção meio cambaleando. Por certo estava bêbada, pensei.
Chegou bem perto de mim, encostou seu corpo no meu. Sorria de orelha a orelha. Eu estava escorada em um pilar ao lado da pista de dança. Ela colocou seus braços em volta de mim, encostando suas mãos no pilar.
- Você não vai dançar não? - perguntou indo para frente quase encostando sua boca na minha. Ela certamente estava bêbada. Aqueles bêbados que não tem mais equilíbrio, que ficando falando com seu corpo indo para frente e para trás. Mas ela era uma bêbada muito lindinha, pensei, como sempre me sentindo uma cafajeste (parte IV).
- Ta legal ficar aqui olhando o movimento - falei sorrindo de volta.
- Então você vai negar meu pedido pra dançar comigo? - ela continuava muito próxima de mim. Pensei que eu poderia dar um beijo nela, assim mesmo. Me deu vontade de dar. Para ter vontade de ficar com alguém, necessariamente não precisa existir sentimento nenhum, tentei me convencer.
Passei minhas mãos pela sua cintura. Ela olhou meu movimento sorrindo.
- Vamos dançar? Diz que sim, sim, sim, sim vaiii? - sua boca tava muito próxima da minha. Que merda.
- Eu não sei dançar, falei me aproximando mais dela. Nossos nariz se encostaram.
- Você sabe sim que eu já vi - falou ela indo para trás, segurei-a forte para não cair. Ela soltou uma gargalhada.
- Cuidado Mi - falei puxando-a para mais perto.
- Primeira vez que você me chama de Mi - passou mais uma vez sua língua sobre os lábios - eu gosto - sorriu. Ficou alguns segundos em silêncio me olhando.
- Vamos dançar Manuzinha - me puxou pelos braços, um pouco sem força.
- Eu não sei, sério.
Revirou os olhos - Então eu ensino você - pegou minha mão e me levou para o meio da pista.

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