quarta-feira, 24 de junho de 2009

Violência gratuita, II

Seguimos, eu sem acreditar, pelo caminho que Felipe havia falado. Por incrível que pareça chegamos no único prédio azul no fim da rua. Um morador já estava chegando, aproveitamos e entramos junto com ele. O dia estava amanhecendo já.
Bati na porta número 4 com força.
5 minutos depois, um cara meio baixo, só de cueca abriu a porta.
- Que porra é essa de bater na minha casa a essa hora?
- Giovani?
- Quem é você? Ah, você é a amiga da Déia, ela não vai embora, ela ta comigo hoje - falou alto.
Déia apareceu por trás dele. Seu rosto estava vermelho, sua blusa aberta, fazia força para puxar suas calças para cima.
- Quero ir embora - disse manhosamente.
- Você vai, dá licença Giovani.
- Vai nada!, eu cuidei dessa menina aqui a noite toda, e agora que eu vou ganhar minha recompensa você acha que vai levar ela embora, porra nenhuma!
Tentou fechar a porta, mas deixei meu pé impedindo-o que fechasse.
- Vem Déia, falei mais alto ainda.
Puxei-a com força, ela bateu em Giovani que cambaleou para o lado.
Yumi estava nos esperando dentro do carro. Coloquei Déia pra dentro do carro e saímos. Vi pelo retrovisor que Giovani veio de cueca tentar nos alcançar correndo descalço.
Déia resmungava qualquer coisa quando enfim chegamos em frente ao seu prédio.
- Vamo descer Déia, chegamos na sua casa.
Com esforço conseguimos entregar Déia para Renata que já estava preocupada nos esperando. No meio do caminho conseguimos contata-la, ligando a cobrar para o seu celular que finalmente estava ligado.
- Desculpa por tudo - disse Renata depois de ter colocado Déia para dormir na cama. - Sentem aí, apontou para o sofá preto, sentando-se num grande puffe ao lado.
Olhei para Yumi, entendi que ela queria ir embora.
- Não Rê, a gente ta podre de cansada, estamos nessa correria desde as 4 e tanto da madruga, sério, um role da porra - falei rindo afinal.
Rê ainda se desculpou algumas vezes e agradeceu por tudo, disse que aquele Giovani era um idiota que já tentara pegar a Déia várias vezes, mas que ela nunca queria.
Dentro do carro, eu ainda no volante, perguntei.
- E ai, vamos pra casa?
Yumi encostou-se no meu ombro - que loucura tudo isso né?!
Senti seu perfume. Soltei um suspiro cansada.
- To com fome, você não? - me olhou.
- Também to.
- Tem uma padaria que fica aqui perto, vamos?
Naquele instante as coisas que aconteceram naquela noite foram seladas, num pacto silêncioso, num acordo que nunca fora de fato dito, mas entendido assim que aceitei aquele convite. Algo além do que pudesse ser falado, algo que foi enfim sentido e entendido. Por mim e por ela. Talvez estivessemos precisando esquecer de tudo. E tudo me refiro principalmente a parte menos dolorosa da noite. O nosso quase beijo. Porque ele, mesmo não existindo, remetia à toda aquela violência, toda aquela correria. Ela que poderia até ter sido uma aventura para um dia contar aos filhos. Mas não, fora algo dramático. Dramático de mais para ser relembrado. Algo muito mais pesado do que poderia ter imaginado quando aconteceu. Ou quase aconteceu.
Fomos pra padaria, comemos, tudo isso num silêncio, vez ou outra interrompido para falar alguma coisa amena, sem muitas vogais e consoantes. Já passavam das 9h quando dei tchau para Yumi que seguiu a rua com o carro. Subi as escadas cansada.
Abri a porta do meu quarto e vi que Yumi havia esquecido seu casaco em cima da cama. Deitei com tênis e tudo, me aconcheguei no seu casaco e assim adormeci imediatamente.

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