terça-feira, 30 de junho de 2009

Começo do fim

Os pais de Patrícia tiravam uma sesta no seu quarto. O irmão dela havia saído para jogar fliperama no centro da pequena praia. Estávamos enfim sozinhas no seu quarto. Eu deitada no beliche de cima e ela no de baixo. Patrícia saiu do quarto, voltou em cerca de 5 minutos sorrindo. Passou pela porta e a trancou.
- Desce aqui - falou deitando-se na cama de baixo novamente.
Deitei ao seu lado.
- Estamos sozinhas - me beijou. Colocou sua mão debaixo da minha blusa, encostando na minha barriga. Me arrepiei.
- Eu queria perguntar uma coisa para você... - disse me dando mais um beijo.
- Pergunta depois - me virei ficando em cima dela. Beijei seu pescoço, descendo pelo seu colo.
- Vem cá - segurou levemente minha cabeça fazendo com que nossos olhos ficassem na mesma altura - É sério, queria muito falar com você.
- Não pode ser depois - dei um beijo longo em sua boca, segurando suas mãos que tentavam me impedir. Olhei-a nos olhos. Ela sorriu mordendo o canto da boca.
- Ta bom, fala - me deitei novamente ao seu lado.
Ela escorou sua cabeça na sua mão esquerda. Passou sua mão direita sobre meu rosto, minha boca.
- Eu gosto muito de você Manu - me deu mais um beijo.
- Eu também gosto de você, era isso? - perguntei enquanto ficava por cima dela novamente.
Ela riu passando suas mãos em volta da minha cintura me abraçando.
- A gente já ta ficando a bastante tempo né?!
- Sim - respondi já imaginando qual seria sua próxima frase. Provavelmente ela gostaria de ter um relacionamento mais sério. Não que o nosso não fosse, mas algo com pelo menos um nome. Queria talvez falar para mais pessoas que estávamos juntas, o único que sabia era o André. Mas só de pensar em firmar um relacionamento sentia calafrios estranhos, um medo e uma vontade de fugir. Não gostava da idéia de ficar presa a alguém, mesmo que esse alguém fosse a Patrícia, única pessoa do mundo em que eu confiava plenamente.
- Eu gosto de mais disso tudo que a gente tem - falou com seus olhos brilhando.
- Eu também gosto do jeito que as coisas estão agora - frisei o "agora".
Ela concordou com a cabeça. Ficou alguns instantes em silêncio. Percebia em seus olhos que ela queria falar alguma coisa, que estava tentando achar algum jeito de colocar tudo que tinha em mente para fora. Eu conhecia Patrícia. Sentia em sua expressão que seus pensamentos estavam a mil.
- Fala o que você quer falar linda, estou aqui - falei me arrependendo um pouco. Talvez eu não gostaria de ouvir o que ela tinha para falar. Se é que ela iria me pedir em namoro. Fazia dias que ela tocava nesse assunto, perguntava o que eu achava disso, me contava que não sei quem estava namorando. Um dia chegara a colocar o "também" depois de dizer que Rafaela e o Nando estavam namorando. Eu fingi não perceber nada. Não queria passar por isso, ter que me comprometer. A palavra comprometimento me dava náuseas. Eu não queria ficar com outras pessoas, mas só de pensar em ficar só com uma pessoa para sempre me angustiava. Eu gostava de ser livre, e gostava de ficar com ela quando sentia vontade. Tudo bem que desde que voltei do Rio tive vontade de ficar com ela todos os dias, mas em pensar que eu "deveria" ficar com ela pois ela era minha namorada me dava vontade de não ficar. Talvez ela tivesse percebido que eu estava pensando nisso, pois tentou cortar meus pensamentos falando um pouco devagar, como se medisse cada palavra que dizia.
- Falei com o André esses dias..
- Sobre o que vocês falaram?
- Sobre um monte de coisas, sobre eu e você.
- Sobre nós duas, porque?
- Perguntou se estávamos namorando.. - seus olhos encaravam agora a janela. Os pingos de chuva batiam forte contra o vidro. De vez em quando ouvia-se barulho de trovões. Ela esperou terminar o estrondo que vinha dos céus para continuar a falar. Percebi que no meio do estampido tentava acalmar seu coração.
- E eu não soube o que responder.
- A gente está juntas, não está? É isso que importa, ter o que a gente tem - sorri tentando persuadí-la de que isso só bastava.
- E o que a gente tem? - perguntou voltando-se enfim para mim.
- Isso - beijei-a com vontade. Quando abri os olhos vi que os seus permaneceram fechados por mais alguns segundos e sua boca revelava um sorriso.
- E o que é isso que a gente tem?
Tentei beijá-la novamente, mas ela segurou minha boca gentilmente.
- Não sei, isso é realmente importante? Dar nome as coisas?
- Você acha que não? Nem a gente sabe o que a gente tem... - seu semblante mostrava uma leve tristeza.
- Mas a gente tem uma coisa mágica, algo surreal, pós-perfeito. É isso que a gente tem. Desde quando voltei não teve um dia que a gente não se falou, que não ficamos juntas de alguma maneira.
- E que nome você dá pra isso? - ela insistia em dar nome aos bois.
- Amor? - sorri carinhosamente para ela. Ela retribuiu o sorriso.
- Também, mas quando as pessoas se amam.. elas..
- Elas se beijam - tentei novamente uma investida. Ela manteve sua mão em frente da minha boca, impedindo-a que a beijasse.
- Mas além disso elas..
- Elas?
- Elas têm compromissos, fazem sabe.. Essas coisas que pessoas normais fazem.
- Mas a gente faz tudo que as pessoas normais fazem Pati..
- Às vezes parece que não.
- Onde você quer chegar com isso?
- Não sei Manu..
Fiquei em silêncio, deitei novamente ao seu lado. Ambas olhavam para o estrado da cama de cima.
Patrícia tentava puxar uma felpa de madeira que não queria sair - Sabe, quando o André me perguntou se.. - fez uma pausa de alguns segundos, focou seus olhos apenas na felpa - se a gente tava.. sabe, namorando - seu rosto ficou levemente corado, continuou puxando a felpa - eu não soube o que responder.
Desta vez deixei-a falar. Ela queria namorar. Bem, ela queria travar compromisso sério, para ela aquilo que nós tínhamos não bastava. Bem coisa de mulher, pensei. André bem que havia me advertido que seria assim. Disse que via suas outras amigas lésbicas que namoravam, elas sempre queriam casar, mudar uma para o apartamento da outra, em menos de três meses já queriam comprar um cachorro e adotar uma criança. Ele dizia que nós éramos homens em corpo de mulheres, porque ainda não usávamos um anel de compromisso ou alguma outra coisa que simbolizasse um relacionamento monogâmico.
Resolvi falar - É, a gente não ta namorando... - falei em um tom que nem eu entendi.
- Não estamos - disse Patrícia com uma voz mais fraquinha.
- E qual o problema disso, a gente continua se gostando, continua se vendo sempre que podemos, eu não fico com ninguém - nesse momento senti uma pontada no coração, não havia contado que havia ficado com aquela menina no Rio - você também não fica com ninguém. Não sei que diferença faz dizer que isso é namoro ou não.
- É, vai ver que não faz mesmo.. - falou conseguindo enfim retirar a felpa da madeira.
Voltou-se para mim. - Pra você não faz diferença isso né?
- Não, eu continuo apaixonada por você - sorri abrançando-a. Deitei minha cabeça no seu colo.
- Mas eu também sou apaixonada por você.. É por isso que eu penso nessas coisas.
- Que coisas?
- Namorar..
Meu coração deu um pulo. Não sabia de onde viera aquela repulsão pela palavra namoro, mas eu sentia. Permaneci em silêncio. Sabia que qualquer coisa que eu dissesse poderia se voltar contra mim mesma.
- Manu.. Eu andei pensando, eu gosto muito de você, eu gosto muito de ficar com você. Eu sou louca por você.
- Eu também sou, você sabe disso.. Não sei qual é o problema disso - sorri suspirando.
- O problema é que.. Eu quero mais do que isso com você, não quero ser só uma amiga sua que você fica.
- Mas você sabe que não é só uma amiga com quem eu fico.
- Então eu sou o que?
- Você é a menina mais linda que eu conheço.
Ela fez que não com a cabeça. Acho que ela estava começando a perceber que eu havia entendido o que ela queria dizer e que não estava querendo parecer que sim.
- Manu, eu quero perguntar uma coisa.. Na verdade te pedir uma coisa. - respirou forte. Pareceu que sua respiração dera mais vigor a ela, pois falou com mais força que antes, com mais convicção e coragem.
- Manu.
- Fala..
- Quer namorar comigo?
Por sorte, daquela posição em que estávamos, eu com a cabeça escorada no seu colo olhando para baixo, ela não conseguiu enxergar minha cara de horror. Eu sabia que algum dia esse momento chegaria e eu precisaria responder alguma coisa. Qualquer coisa, mas deveria pronunciar alguma palavra. Mas não saia nada. Fiquei um longo tempo em silêncio. Como dizer para ela que eu não gostava dessa idéia de compromisso, e que assim como estávamos já bastava para mim sem magoá-la? Imaginei quanto tempo ela já não estava se preparando para me perguntar aquilo, mesmo ouvindo minhas respostas e sabendo da minha repulsa por relacionamentos. Ela tomara coragem e havia feito o pedido. Eu não queria perder aquela menina, eu gostava de ficar só com ela. Mas namorar parecia infringir meus direitos de liberdade, de um ser único. Parecia que seríamos obrigadas a ser duas pessoas em uma só. Não era isso que significava namorar? Aliás o que seria namorar se não era aquilo que tínhamos, então para que precisávamos dizer, com todas as vogais e consoantes que estávamos namorando? Mas eu tinha que responder aquilo, e precisava ser "sim". O não estava fora de cogitação, porque isso significaria magoá-la, significaria perdê-la por uma bobagem. Mas será que meu jeito de ser era uma bobagem a ser passada por cima? Meu pai já havia dito que sempre que eu acreditasse em alguma coisa eu deveria lutar por ela.
Eu não acreditava em namoros. Meu pai morrera acreditando que poderia salvar o mundo com suas próprias mãos. Sua ong ainda existia, talvez já tinham em seu histórico algumas dezenas de miliares de hectares salvos sem desmatamento. Mas ele estava morto, impossibilitado de ver tudo isso. Ou eu morria ou eu vivia, essa era a questão. E eu não queria morrer, não naquele momento em que cada dia que passava descobria mais coisas com Patrícia, sensações que nunca havia sentido antes, nem mesmo sozinha. E eu não estava disposta a morrer. E se para isso eu precisasse aceitar seu pedido mesmo sem acreditar nele, então eu o faria. Mesmo que para mim soasse como uma prisão, como algo contra a minha natureza, contra todas as minhas crenças que namoro só servia para estragar as pessoas. Que se prender com outra pessoa era assinar o óbito de qualquer relacionamento pré-existente. Mas eu queria viver, então já havia feito minha opção. Eu que arcasse com ela.
- Quero - falei ainda sem olhar nos seus olhos. Ela me abraçou, passamos o resto do dia namorando na cama. Me senti pela segunda vez uma cafageste com ela. A primeira fora quando fiquei com Cátia no Rio, agora aceitando algo sem certeza nenhuma de que isso era a coisa certa a se fazer.
Podia ter sido incerta a minha resposta, mas Patrícia havia ficado feliz. Era isso que importava, ela feliz me deixava feliz e me fazia esquecer os problemas que poderiam aparecer com esse acerto de compromisso. Mas isso ficaria para depois. O que mais me importava naquele instante era conseguir tirar o shorts que Patrícia insistia em mantê-lo no corpo.

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