segunda-feira, 29 de junho de 2009

Pensando bem...

Passei o primeiro dia inteiro pensando nas coisas que Déia havia me falado. Talvez eu devesse desencanar mesmo de Yumi. Mas perai, eu estava encanada por causa dela?
Sim, era fato que eu gostava muito dela, mas ela era minha amiga, certo? Só na quinta vez que me fiz essa pergunta, respondi com um pouco mais de convicção que ela era só minha amiga.
Só era uma amiga linda, que tinha um perfume viciante, um jeitinho de olhar para as pessoas com os olhinhos puxados e o cabelo caindo sobre o rosto que encantava qualquer um. Mas era isso, ela era minha amiga. Uma amiga linda e ponto.
E ela já havia esquecido que a gente quase havia se beijado. Talvez estivesse fazendo de conta que aquilo realmente não aconteceu, porque nunca havia tocado no assunto. Aliás, aquela noite para nós duas parecia que não havia acontecido. Talvez eu tivesse alucinado que a gente quase se beijou, comecei a acreditar que sim. Talvez fosse melhor assim. Afinal Jéssica estaria chegando no outro dia, enfim elas iriam se conhecer e se Yumi fosse mesmo lésbica, elas iriam ficar juntas e serem felizes para sempre. Era assim que era pra ser e eu não ia desfazer nada.
Então eu que aproveitasse minha vida. Seguisse o que Renata e Déia haviam me falado. Estávamos só Rê e eu na sala, cada uma atirada em um sofá. Leo, Paulinho, Carol e Má, se enfurnaram dentro de seus respectivos quartos. Déia e Yumi haviam ido ao mercado comprar comida, havíamos esquecido só desse pequeno detalhe.
Olhei com um pouco mais de atenção para Renata.
Ela estava deitada de barriga para cima jogando no seu PSP. Ela às vezes mordia a língua de uma maneira engraçada enquanto jogava. Ela tinha algumas sardinhas na cara. Seu olho era muito azul e seu cabelo muito liso e loiro. Era curtinho, muito lésbico, como ela mesma dizia. Ela era mais alta que eu mas parecia ser menor de tão magra que era. Sempre usava umas roupas meio pretas de mais, rock de mais, punk de mais. Hoje estava com um jeans rasgado nos joelhos, uma camiseta preta do ramones (a de sempre - me lembrei de Patrícia) e um moletom preto muito desbotado. A camiseta contrastava com sua barriga que timidamente aparecia conforme ela se mexia. Ela era bonita. Uma beleza diferente do que sempre estivemos acostumadas a ver em revistas e na televisão. Ela tinha um piercing ao lado da boca. Sua imagem soava um pouco agressiva talvez. Mas talvez esse fosse seu objetivo com tantos brincos na orelha e sua tatuagem em todo o braço direito e metade das costas. Usava um piercing no nariz também, uma argolinha preta que combinava com o da boca. Sua mão era muito magra e comprida, revelavam suas unhas curtinhas de tanto roer. Na mão direita haviam quatro anéis e no seu pulso a tão amada tatuagem de duas baquetas. Voltei meus olhos para o seu rosto. Sua boca era fina. Mais fina que a de Yumi. Mas não era feia, ela combinava com os traços finos de seu rosto. Seu nariz era tão fino que parecia desenho de mangá. Sim, ela parecia um mangá na vida real. Seus olhos azuis eram muito grandes. Talvez não fossem tão grandes assim, eu que estava acostumada com os olhinhos puxados de Yumi. Porque inferno eu não parava de pensar na Yumi, que saco! Suspirei um pouco alto de mais.
Ela se virou para mim ainda deitada.
- Que foi? - sorriu.
Seus dentes eram pequenos e quadradinhos. Combinavam com o seu rosto.
- Nada, tava pensando - falei me sentando no sofá.
- Pensando no que? - ela também sentara no seu sofá.
- Em um monte de coisas...
- Que coisas - largou o PSP de lado, dando toda sua atenção a mim.
- Nas coisas que vocês falaram, sei lá, um monte de coisas.
- Vocês quem?
- Você, eu quis dizer, o que você me disse sobre a - olhei para os lados para me assegurar que estávamos sozinhas - Yumi e afins.
- Ah - fez uma cara um pouco triste.
- O que você está jogando? - tentei mudar de assunto.
- Final Fantasy, não sei se você conhece.
- Claro que conheço, mas nunca vi alguém jogando no PSP - falei erguendo os ombros.
- Quer ver? - falou ela inclinando seu rosto para o lado me olhando com um estranho brilho nos olhos. - Senta aqui - apontou para o assento ao seu lado.
Sentei à sua direita.
Ela passou seu braço direito por cima do meu ombro, quase me abraçando. Com a outra mão pegou o PSP segurando-o com as duas mãos na minha frente. Meu corpo todo ficou encostado no dela e seu rosto ao lado do meu. Ficou jogando algum tempo assim, grudada em mim. Eu estática. Não sei também, enfim pensei, era bom ficar perto dela, sentindo seu calor em mim. Era inverno (que desculpinha...). Renata não era um bixo nem um monstro. Era uma menina. Não uma menina como Yumi, mas era uma menina. Às vezes ela fazia alguma cagada no jogo e ríamos, seu nariz encostava na minha bochecha. Tentei não olhar para ela pois naquela distância isso significaria um beijo.
O seu beijo não era ruim, era bom. Era diferente. Muito diferente de Patrícia ou de Luciana. Mas era um beijo comum. Me causava sensações boas sim, eu sou um ser humano afinal. Sou física também. Sinto as coisas. Tenho tato, tenho minhas necessidades. Ela respirava às vezes perto de mais do meu ouvido. Fechei por alguns segundos meus olhos, enfim que eu me deixasse levar um pouco. Estava muito presa a essa minha amizade por Yumi. Talvez devesse deixar isso para lá. A Jéssica estaria chegando no outro dia, por certo teria a minha certeza que queria ouvir a tanto tempo, Yumi de fato era gay. O que significaria também, ver as duas ficarem na minha frente. Aquilo estranhamente me deixava triste e com raiva.
Renata me cutucou largando o PSP no meu colo.
- Psiu - senti seus olhos sobre mim. Eu ainda olhava para frente. - Pare de ficar pensando nas coisas - senti seu sorriso com o canto do olho. - Apenas sinta essas coisas.
Passou sua mão delicadamente sobre meu rosto, fazendo eu me virar para ela. Com o braço e sua mão direita puxou o meu corpo mais para perto dela. Aproximou seus lábios dos meus. Senti seu hálito quente sobre meus lábios. Sua língua invadiu minha boca, que logo encontrou minha língua.
Foi um beijo calmo, mas muito gostoso. Ele tinha uma certa ternura. Sua mão esquerda acariciava meu rosto. Me virei toda para ela. Passei minha mão direita sobre sua cintura, puxando-a contra mim. Desci minha mão sobre sua perna. Sua coxa era muito fina, não parecia nem de longe com a de Patrícia. Porque estava lembrando de Patrícia naquele momento? Talvez fosse porque no caminho para casa de Carol havíamos passado pela entrada da praia onde os pais de Patrícia iam. Eles tinham uma pequena casinha lá. Fora lá que começamos a namorar, fora lá que naquele dia chuvoso Patrícia, depois de muito enrolar, me pediu em namoro, e que tudo começou a desandar.

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