quarta-feira, 10 de junho de 2009

"Sinais do corpo eu sei ler, das nossas conversas demoradas"

Quando finalmente peguei no sono, meu telefone me acordou.
- Alô - falei com uma voz grossa de sono.
- É a Manu? - falou uma voz conhecida.
- Sim japa, tava dormindo - bocejei.
- A noite foi boa é? Nem te vimos ir embora.
Fiquei em silêncio.
- Hm.. - ela também se calara.
Após alguns segundos, ela falou.
- O que você vai fazer hoje?
- Nada que envolva álcool, por favor - sorri quebrando o estranho gelo da conversa.
Ela riu. Foi uma risada gostosa de ouvir.
- Vem aqui em casa? - falou com a voz um pouco mais séria.
- Aconteceu alguma coisa? - falei ficando preocupada.
- Nada não, só não queria ficar sozinha. Te pego aí daqui a meia hora, ta?
E antes de esperar minha resposta, desligou o telefone. Ela tava estranha, parecia que alguma coisa não muito boa havia acontecido. Estranhei porque eu tinha ficado tão preocupada, mal a conhecia.
Me troquei rápido, fiquei pronta em 10 minutos. Desci as escadas devagar, pois sabia que ela provavelmente se atrasaria bastante, mas fiquei surpresa pois ela já me esperava.
E estava linda, uma beleza simples, sem grandes extravagâncias como Luciana, e talvez fosse por isso que a achava assim. Estava com o cabelo preso, mas haviam vários fios caídos sobre o rosto, formando uma franja meio tímida. Me acompanhou com os olhos enquanto fazia a volta no carro.
Fomos o caminho todo em silêncio.
Entramos no apartamento, e sua mãe estava assistindo televisão. Dei oi a ela, mas Yumi passara sem nem olhar.
Quando entrou no quarto, bateu a porta e trancou-a. Sentou em frente ao computador e ficou me olhando. Eu ia abrir a boca para puxar algum assunto qualquer e ela desandou a falar.
- É uma merda isso, morar com pai, com mãe! Ai que ódio. Só porque eu trouxe o Cássio pra cá (quem é o Cássio? pensei) - é um cara que eu conheci ontem à noite - instantaneamente ela respondeu meus pensamentos - Ah fala sério, ela queria que eu simplesmente fosse pra um motel qualquer de beira de estrada? Se não posso trazer alguém pra minha própria casa, porque eu tenho uma então? Pra fazer a vontade deles?
Eu não consegui segurar o riso.
- E o que você está rindo Manuela? To parecendo um palhaço? - falou muito brava.
- Não Yumi, é que você sabe que não está com razão - mas me arrependi de ter falado isto. Eu não tinha nada a ver com a vida dela, não tinha que dar opinião sobre ela, e nem muito menos sobre sua família e seus amigos/coloridos/namorados.
- O que? Ah, agora você vai ficar no lado deles? Vai a merda Manu.
Fiquei meio assustada com aquela discussão que começara.
- Olha Yumi, se você não quer conversar, posso muito bem ir para casa, não to entendendo porque você está descontando em mim, eu não te fiz nada.
- Desculpa, é que estou nervosa. Ainda mais que aquele animal é um idiota.
- O que ele te fez?
- Ah, nada não Manu.
- Fala Yumi.
- Ele forçou a barra, por isso. Que saco viu? A gente se fode por causa dos pais e ainda por causa de um cara ridículo.
- Ele te machucou? - me preocupei.
- Não, mas meus pais ouviram a gritaria - e riu desolada.
- Mas ta tudo bem agora? - sentei ao seu lado, com o coração saindo pela boca. Se esse tal Cássio tivesse machucado Yumi ele ia ver uma coisa só [que criança, pensei em seguida, o que eu tinha a ver com Cássio's e afins?]
- Ta sim Manu, só não achei que fosse assim né? Que cara escroto!
- Mas também, você traz gente que você nem conhece pra dormir na sua casa - falei antes de me dar conta que novamente estava me metendo na sua vida.
Ela ficou parada me olhando. Eu fiquei um pouco constrangida, não tinha que ter aberto minha boca, o que tava me dando?
Ela ergueu as sobrancelhas e olhou para o lado.
- Verdade né? - deu com os ombros.
- Ah, japa, não é todo mundo que é legal né? - me senti novamente uma mãe dando conselhos para sua filha de 15 anos.
Ela voltou a me fitar.
- Mas eu mal conhecia você, e você dormiu aqui - me provocou.
- Mas é diferente, eu sou uma pessoa legal.
Ela concordou com a cabeça.
- A sua noite pelo jeito foi boa né? - disse apontando para o meu pescoço.
Me virei para o espelho atrás da porta e sorri meio sem graça.
- É - disse meio desanimada. Pensar no que acontecera com Luciana agora me dava ânsia.
- Seu namorado é muito gato, sortuda você.
- Ele não é meu namorado, que mania vocês têm de arranjar namorados pra mim - falei sorrindo - ele é meu amigo.
- Ai eu gostaria de amigos assim - sorriu ligando o monitor.
- Ah, sério que você me chamou aqui pra ficar falando com sei lá quem no MSN enquanto eu durmo na sua cama? - falei enquanto me sentava nela.
- Então não sou só eu que durmo com estranhos - falou ela voltando-se para mim, ignorando o que havia falado, olhando para meu pescoço.
- Quem disse que foi estranho? Eu tenho meus contatos por aqui, se você quer saber.
- Me apresenta estes seus contatos - riu ela com gosto.
Ficamos a tarde toda conversando, e nada me tirava da cabeça que ela estava flertando comigo. De vez em quando nossos olhos nos encontravam e ficava um clima estranho, meio nervoso. Talvez isso fosse coisa da minha cabeça, resolvi pensar e principalmente, acreditar que sim.
Eu a conhecia a duas semanas, mas parecia que a conhecia há muito tempo. Era engraçado que os assuntos fluíam e apesar de não termos muitas opiniões em comum sobre uma série de coisas, era gostoso ficar "discutindo" com ela tentando-a persuadi-la das coisas que eu acreditava. E ela, eu podia perceber nitidamente, que também se deliciava me dando argumentos que às vezes me derrubavam e outras vezes não tinham fundamento.
Assistimos um filme que ela baixara pela internet, Butterfly, muito bom. Acabei dormindo na casa dela, dessa vez num colchão ao lado de sua cama.

Nenhum comentário: