sábado, 4 de julho de 2009

Cafezinho preto (e amargo)

Acordei com o sol muito forte sobre meu rosto. Havia adormecido na rede. Renata parecia que já estava esperando eu acordar, pois quando abri meus olhos vi que saíra da porta, vindo em minha direção.
- Dormiu aqui na rua nesse frio? - me estendeu uma xícara que saia um forte aroma de café recém passado.
- É, acabei dormindo aqui eu acho - sorri ainda com sono. Tomei um gole daquele forte café que Renata havia me trazido. Me fez subitamente acordar.
- Não vi você ir dormir... Ficou por aqui ontem à noite?
- Sim, acabei capotando por aqui mesmo.
- Hmm... Fazendo?
- Sei lá - então senti um leve desconforto por tudo que acontecera naquela rede há poucas horas atrás. O que estava acontecendo? Porque ficara com a Déia se no fundo eu queria ficar com a Yumi? Talvez porque Yumi havia ido dormir na casa dessa tal da Jéssica, pensei ficando braba. Mas pelo menos assim não precisava presenciar as duas ficando na minha frente. Não estava a fim de ter que explicar qualquer coisa para Renata. Me levantei rapidamente da rede, não esperando ela abrir a boca novamente. Ao passar por ela, ainda fiz uma reverência com a caneca de café como forma de agradecimento. Entrei no quarto e Déia estava dormindo no colchão de casal. Não percebera que eu entrara no quarto. Senti pelos seus passos que Renata vinha em direção ao quarto, peguei a primeira toalha que vi, e fui correndo para o banheiro.
No banho fiquei pensando sobre todas as coisas. Afinal, eu não estava namorando ninguém, não tinha compromisso com nada, nem mesmo com as coisas que eu queria. Até porque eu gostei de ficar com Déia, com ela parecia que não existia peso nenhum. Apesar de Renata ser a pessoa mais desapegada que já tinha conhecido talvez mais do que eu um dia já fora namorando Luciana, sentia que havia alguma coisa com Renata. Mas não conseguia descobrir o que. Sei que poderia ser muita pretensão a minha de achar que talvez Renata gostasse um pouco a mais de mim do que com a maioria das meninas que ela ficava por aí. Ou talvez quisesse me fazer sair dessa história com Yumi. Não sei, também não queria pensar nisso. Sai do banho de toalha e fui para o quarto. Quando abri a porta do quarto, dei de cara com Renata que estava saindo.
Ela me olhou concordando com a cabeça. Seu olhar era quase, se não completamente, de reprovação.
- Que foi?
Ela apenas fez um muxoxo e saiu.
Estava apenas de sutiã e calcinha recém colocada quando a porta do quarto se abriu. Era Yumi e Jéssica. Ficaram me olhando por alguns instantes, e eu estática retornei o olhar. Jéssica me olhava escancaradamente de cima a baixo, Yumi, porém olhou para o lado.
- Você vai fazer alguma coisa agora? - perguntou sem colocar os olhos sobre mim, mexendo na mochila que estava no chão.
- Não, por quê? - respondi colocando rapidamente a blusa. Fiquei com raiva de Jéssica.
- A gente vai ir à praia do lado comprar umas coisas pra Jéssica, você quer ir junto?
- Acho que não - falei ficando triste. Yumi não ousava a me olhar. Será que ela sabia que eu tinha alguma coisa por ela? Tudo bem, a essa altura eu podia assumir que alguma coisa eu tinha por ela. Curiosidade de qualquer pessoa, insistia em pensar. Mas porque ela me chamava pra ir junto com elas? Elas que fossem para o inferno se amar, fiquei novamente com raiva.
- Ah, o que você vai fazer aqui? Dormir? Não foi você que disse que não veio para cá para dormir?
Então ela lembrava ainda do que tinha acontecido com a gente no quarto no outro dia. Ela lembrara que se deixara levar pelos meus carinhos. Ela olhou nos meus olhos enfim e sorriu. Tive vontade de abraçá-la naquele momento. O que custava aceitar seu convite e ir com as duas para lá? Afinal, que fosse para ver então e tirar de uma vez por todas as dúvidas quanto a sua sexualidade, sorri com o meu pensamento.
- Não sei, a gente sempre acha coisas mais importantes para se fazer aqui além de dormir.
- Percebi.
- Percebeu o que?
Ela apontou para o seu pescoço.
Não entendi. Vendo minha expressão, foi para o lado apontando o espelho.
Olhei meu reflexo e enxerguei uma marca roxa sobre meu pescoço. Malditos chupões (!!!). Depois de alguns segundos pensando onde havia ganhado ele, as imagens de Déia e eu na rede vieram. Sorri constrangida. Não sabia o que dizer, apenas que quando Déia acordasse iria xingá-la.
- Acho que você deve ter coisas mais legais para fazer mesmo - falou, vendo que eu não falara nada. Abriu a porta do quarto e saiu cabisbaixa.
Coloquei rapidamente minha calça (Jéssica não tirara os olhos de mim) e desci as escadas correndo, saltando de dois em dois degraus.
- Yumi... - chamei. Ela já estava quase na porta.
- Oi... - virou-se para mim.
- Acho que pode ser divertido eu ir com vocês - sorri.
Seus olhos pareciam ter brilhado.
- Mas..
- Mas?
- Eu dirijo.
- Ta - entregou suas chaves. Quando seus dedos encostaram na palma da minha mão senti um arrepio dos pés a cabeça.
- Quem mais vem? - perguntei enquanto ia em direção ao carro. Jéssica havia ido ao banheiro.
- Só nós três, algum problema?
- Não, algum problema?
- Não - sorriu.
Sentou-se ao meu lado no carro. Sorri pensando que eu havia feito a escolha certa, assim Yumi não sentaria junto com Jéssica, e sim ao meu lado (eu realmente estava ficando além de brega, muito criança).
Quando Jéssica chegou ao lado do carro ficou nitidamente desapontada.
- Ah, vou sentar aqui atrás sozinha?
- Claro né - falou Yumi - a Manu não é nossa motorista, é a nossa convidada de honra - sorriu olhando para mim.
Percebi a cara de ódio de Jéssica pelo retrovisor.

***

O tal passeio estava sendo divertido, Yumi passara quase que o tempo todo vindo para perto de mim, mesmo que Jéssica tentasse a todo custo ficar no meio de nós. Até que enfim desistiu, andando mais para trás. Paramos em uma loja de blusas, quando Jéssica entrou no provador, enfim pude ficar um segundo a só com Yumi.
- Então - tentei puxar assunto - gostou da Jéssica?
Seus olhos que estavam em mim, mudaram de direção. Enquanto pegou uma blusa, mostrando interesse falou meio baixo - ela é legal.
- Hmm.
Ficamos em silêncio. Me aproximei dela, fingindo interesse pela blusa que estava do outro lado dela. Deixei meu braço encostar nela quando passava. Ela virou-se para mim.
- E você, o que me diz desse chupão aí?
- Nem sei - falei com os olhos fixos no botão da blusa que segurava.
- Como não sabe?
- Ué, o que tem pra se dizer disso? - ainda focada no botão.
- Nada - falou fechando um pouco a cara. - Você tá ficando com alguém e nem me avisa... - deu a volta na pilha de blusas, ficando de frente para mim, porém agora seus olhos estavam virados para outra camiseta.
- Não to ficando com ninguém não - me senti como se estivesse me desculpando por algo.
- Hmm - foi a vez dela fazer.
Dei com os ombros.
- Eu queria... - Yumi mal começara a falar quando Jéssica saíra do provador fazendo bastante barulho para que olhássemos para ela.
- Bonita essa blusa - falou Yumi um pouco desanimada.
- E você, o que achou Manu?
- Legal - mal olhara para ela.
- Ai - fez beicinho - só legal?
- Jéssica - fez gesto com a cabeça de reprovação - não...
- Será?
- Sério.
Não entendi aquele pequeno diálogo das duas.
- Vou provar outra então - voltou-se novamente para o provador.
Ficamos em silêncio.
- O que você ia falar? - enfim cortei aquele silêncio constrangedor.
- Nada de importante - saiu indo para outra prateleira.
Cheguei por trás dela, tomando coragem.
- Yumi, posso fazer uma pergunta pra você?
- Pode - respondeu prontamente.
- Mas você não pode ficar brava comigo ta?
- Porque ficaria? - virou-se para mim.
Estava linda como sempre. Seu casaco era muito fino, e deixava aparecer todo o contorno de seu corpo. Fiquei por alguns segundos admirando a sua beleza, talvez ela tivesse percebido, mas não falou absolutamente nada, ficou esperando eu fazer a tal pergunta. Será que era uma boa hora de perguntar enfim se as duas estavam tendo alguma coisa? Porque afinal, se não tivesse o que poderia acontecer? Então eu poderia enfim tirar todas minhas dúvidas da cabeça, porque se elas não tivessem nada, era porque Yumi não era lésbica. Era porque ela só era amiga mesmo dos gays, porque Jéssica era nitidamente gay. Todo seu vestuário, seu jeito de andar, falar, olhar para as mulheres. Parecia um caminhoneiro. Sorri com o meu pensamento, sem perceber.
- Que foi? - perguntou.
- Nada.
- Pergunta, que eu também quero te perguntar uma coisa.
- Você primeiro - falei com meu coração já batendo um pouco mais forte.
- Não, você que começou.
- Parecemos duas menininhas do primário - sorri.
Ela riu, concordando.
- Fala você - disse passando a mão sobre meu braço. Seus olhos mudaram de direção novamente, olhando para trás de mim.
- Ahm, você não vai ficar achando besteira se eu perguntar né?
- Só posso responder isso quando você fizer a pergunta.
- Você e a Jéssica.. Vocês - tentei gesticular alguma coisa com as mãos - vocês, sabe?
- Nós o que?
- Vocês tão tendo alguma coisa?
Vi que sua expressão fechara mais um pouco, ficando levemente corada. Realmente, parecíamos duas menininhas da escolinha.
- Alguma coisa tipo o que?
- Sei lá, alguma coisa - me arrependi um pouco de ter puxado aquele assunto.
Ela ficou em silêncio.
- Quem cala consente - falei mais para mim do que para ela.
- Consenti do que? Não sei do que você está falando.
Fiz que "não sabe?" com os olhos.
- Não sabe?
- Não - porém sua voz não tinha nenhuma sinceridade.
- Como eu posso ser mais clara.. - falei olhando para os lados, Jéssica ainda não havia saído do trocador.
- Tente me perguntando o que você quer me perguntar - olhou para mim, diretamente nos meus olhos.
- Vocês estão ficando? - falei também para seus olhos. Seu olhar nem piscou quando perguntei. Ficamos assim por algum tempo que não sei quanto.
- Complicada essa sua pergunta - falou enfim.
- Complicada?
- É.
- Por quê?
- Porque sim.
- Mas se é complicado para responder, é porque vocês têm né? Tudo bem, não tem problema.
- Não tem?
- Não, mesmo. - porém meu coração ficara apertado. Enfim tinha a minha resposta. Yumi podia ficar com homens, mas também ficava com mulheres. E estava ficando com a lambisgoia da Jéssica e não comigo. Fiquei imediatamente triste. Então eu tinha perdido minha chance de ficar com ela. E não me interessava o que eu sentia por ela, apenas sabia que Jéssica não era uma pessoa boa o suficiente para ela.
- Não tem - reforcei, porém minha voz saíra meio falsa.
Ela concordou com a cabeça.
- E você?
- E eu o que?
- O que ta pegando?
- Pegando o que?
Apontou para meu pescoço.
- Bati no armário do banheiro.
Ela sorriu - acredito.
Sai de perto dela. Fui para a saída da loja esperar as duas voltarem. Estava com uma maldita lágrima no olho querendo cair. Ela estava ficando com a Jéssica. Que merda, pensei. Não achava que iria ficar tão triste com aquela resposta, afinal só não desconfiava quem não queria.
Comecei a andar meio sem rumo. Caminhando entre as poucas pessoas que estavam naquele pequeno shopping quase a beira-mar.

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