quarta-feira, 29 de julho de 2009

Xadrez

- Desculpa - quebrou o silêncio.
- Pelo que?
- Por tudo, eu sei, eu fui uma idiota, é que sei lá, não sei o que me deu, e quando vi foi tudo aquilo, desculpa mesmo - falou muito rápido, sem ousar a me olhar nos olhos. Mexia no cadarço do tênis.
Sorri satisfeita.
- Tudo bem, eu também fui muito idiota com você.
- Foi mesmo.
- Brigada, pisa em mim, aproveita que eu to impotente mesmo - falei fazendo beiço.
- Ah, olha o drama Manu.
- Drama?
- Não... Eu sei que isso é importante pra você, mas drama por você achar que eu to... enfim, você entendeu - se enrolou. Era engraçado vê-la assim, novamente perto de mim, tentando se explicar.
- Eu só não entendo porque nunca havíamos conversado sobre isso antes.
- Eu também não.
- Mas você achava que eu...
- Sim, sempre achei.
- E porque nunca me perguntou nada?
- Porque eu não acho que isso seja coisa a ser perguntado, não é como você perguntar qual é a comida preferida da pessoa... - sorriu ainda olhando para os seus pés.
- Eu sei, mas me pergunto como a gente nunca chegou nesse assunto.
- Eu nunca cheguei nesse assunto com você porque não quis, porque pensei que talvez você fosse se sentir invadida, sei lá, você é do interior.
- Mas eu sempre andei com vocês.
- Ué, mas isso não quer dizer né?!, não foi você mesma que me falou do Luiz... Aliás, o Luiz - sorriu enfim voltando seus olhos para mim.
- O que tem ele? - perguntei já imaginando sua resposta.
- Ele ficou muito triste, coitado, não dá uma dentro.
- Como assim?
- Ah, sempre que chega uma menina nova para o grupo ele acha que ela vai ser diferente, que ele vai ter chance, coitado.
Ri.
- Mas ele realmente achou que eu ia gostar dele?
- Nossa que maldade.
- Não... To falando porque sei lá, nunca demonstrei nada, de onde ele tirou isso?
- Ué, você era a única menina que poderia ficar com ele, ele era o único menino que poderia ficar com você, ele usou a lógica.
- A lógica dele tava errada.
- Que bom - falou baixinho.
- Que bom por quê?
- Ah - ela ficara constrangida - sei lá.
- Hm - fiquei olhando-a sem falar mais nada. Me divertia com o seu constrangimento.
- Enfim, eu sei que no final do ano tem praia de novo, e eu vou estar lá e você também, né?!
- Vou?
- Claro.
- Mas isso é um convite?
- Não, é uma intimação!
- Então eu vou...
Ficamos novamente em silêncio. Não queria pensar em Patrícia, tentei puxar um assunto qualquer, mas como sempre, o primeiro que me viera à cabeça foi Jéssica.
- E como vai o seu namoro?
- Ah, como eu te disse no carro, ta indo.
- Mas vocês tão se vendo sempre?
- O suficiente pra minha mãe começar a suspeitar.
- Mas suspeitar de que?
- Ah, não sei, ela é louca. É que a gente se fala todos os dias no telefone.
- Mas eu também falo todos os dias com você no telefone e a tua mãe nunca achou que eu fosse alguma coisa tua.
- É, mas ela dorme na minha casa direto.
- Mas eu também dormia direto lá na tua casa e ela nunca falou nada.
- Eu sei, mas é diferente.
Sim, pensei, era diferente, eu não era nada de Yumi. Aliás, eu era, eu era uma amiga qualquer que lhe dava atenção quando precisava, triste constatação.
- Eu sei.
- Pois é.
- Enfim...
- É... Mas e você e a Renata?
Soltei uma risada involuntária.
- Eu e a Renata?
- Sim, não sei pra que esse riso.
- Porque não existe eu e a Renata.
- Como não? - deixou escapar um sorriso.
- Não existindo, simples assim.
- Mas vocês não tão ficando?
- Ficamos, sei lá, mas não ficando no sentido ficar.
- Então o que?
- Eu dei uns beijinhos nela, só isso.
- Mas não ta dando mais?
- Ah, não sei, não posso prever o futuro né?!
- Hmm - desfez um pouco o sorriso.
- E outra, eu não sou muito de ficar só com uma pessoa assim, me sinto meio presa.
- Então você ta ficando com outras pessoas, é isso?
- Não!
- Porque você não me conta as coisas?
- Mas que coisas que eu tenho pra te contar?
- Não sei, que coisas você tem pra me contar?
- Sei lá.
- Porque tudo bem que você não me contava nada porque achava sei lá porque que eu não entenderia se você me dissesse que gostava de meninas... Mas agora que eu sei, me conta tudo que eu não sei - sorriu.
- Bom vamos ver... Não tenho nada pra contar, minha vida ultimamente anda meio assim mesmo, sem muitas cores.
- Mas não é possível que você não esteja interessada em ninguém.
Tive medo que meu sorriso me delatasse.
- Ué, eu fiquei com a Renata.
- Então você gosta dela.
- Não! Mulheres são muito complicadas pra se gostar.
- Mas como você faz então?
- Não sei, não faço nada - sorri. Realmente eu precisava conhecer pessoas novas - não apareceu ninguém que me fizesse ver cores – menti um pouco desolada. Ela concordou em silêncio, voltando a olhar para seus tênis.
- Mas enfim, eu sei que final de semana que vem vou me acabar - tentei forçar mais um sorriso, inevitavelmente lembrando de Patrícia.
- A Jéssica vem pra cá final de semana que vem.
- Mas ela não tava vindo direto pra cá? Porque ela não ta aqui hoje?
- Ah, sei lá.
- Você é muito estranha...
E linda. A sua simplicidade era bonita. Era uma beleza simples, assim como Patrícia.
Estávamos sentadas ainda na praça de alimentação, com os pratos vazios a nossa frente.
- Às vezes eu penso que não sou uma pessoa para namorar também - falou.
- Por quê?
- Porque encho o saco das pessoas muito rápido.
Apenas ri.
- E sei lá, não sinto aquela coisa sabe? Eu esperei de mais pra ficar com ela e agora nem é tudo isso.
- E eu continuo me perguntando por que você ainda está namorando com ela.
- Porque é fácil.
- Que mania que você tem, não acho que seja fácil namorar com uma pessoa que mora em outra cidade.
- É mais fácil do que você imagina... Só que mesmo de longe ela consegue me sufocar e isso me irrita.
- E você já falou alguma coisa com ela?
- Claro que não né?!
- Porque não?
- Porque ela é minha namorada, acho que ela não gostaria de ouvir isso.
- Mas justamente por ela ser a tua namorada que você deve falar as coisas.
Inevitavelmente a Patrícia aparecia em minha mente. Yumi cortou meus pensamentos.
- Mas não é assim que se trata mulher.
- Você fala como se eu não soubesse tratar bem uma mulher.
- E não sabe mesmo.
- Como não?
- Ué, não sabendo.
- Claro que sei, eu sempre te tratei bem.
- Ah, mas eu sou tua amiga.
- Sim, mas ainda assim uma mulher.
- Mas namoradas querem flores, amor, carinho, amigas querem um ombro e um par de ouvidos à disposição.
Sorri.
- Na verdade que namorar é tudo um jogo de estratégia. E quando se namora com uma menina então, você precisa planejar cada jogada, porque se não, bum, cheque mate. Ela descobre alguma coisa, ela encobre alguma coisa. Cada palavra que você diz precisa ser muito bem pensada, porque se não ela vira o tabuleiro, atira tudo pro alto, acaba com você ali mesmo, com as tuas próprias peças do jogo. É por isso que eu não entendo como pode ser fácil namorar Jéssica.
- É fácil porque ela me entende.
- Por enquanto...
- Mas é por enquanto que eu to namorando né?!

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