sexta-feira, 24 de julho de 2009

Os outros

Já estávamos em meados de março. Fazia força para esquecer Cátia e qualquer coisa que pudesse remeter a ela. Chegara a um ponto que havia pensado em deletar meu orkut, pois a menina insistentemente queria falar comigo. Apaixonara-se por mim, coitada, pensava triste. Eu no fim era cafajeste em dose tripla. Com Patrícia, com Cátia e (principalmente) comigo mesma.
- Oi meu amor - ouvi bem pertinho do meu ouvido. Era Patrícia. Ela especialmente linda naquele dia. Seus olhos brilhavam fundo, lá no fundinho. Era especial, era isso. Linda e especial. Me apaixonei naquele momento por ela novamente. Como era bom quando isso acontecia, redescobrir aquela mesma pessoa de um nova maneira, se encantar pelas mesmas coisas que conseguem magicamente se transformar nas ainda mesmas coisas, só que mais belas. Era assim que eu me sentia, mais apaixonada ainda, pela menina que cada dia ficava mais bela. Talvez ela estivesse mesmo ficando mais bela, afinal estávamos crescendo. Depois daquela fatídico janeiro do Rio, não desgrudávamos mais. E aqueles episódios como no cinema, no escuro, começavam a se repetir com maior frequência. A segunda vez que aquilo acontecera estávamos no seu quarto, como de costume depois do almoço no restaurante de sua tia, esperando a vida passar (ou o irmão de Patrícia sumir para que pudéssemos ficar a sós). Vinícius enfim decidira incomodar outra pessoa. Patrícia rapidamente trancara a porta atrás dele. Após alguns gritos, batinas na porta e mãe-elas-não-querem-abrir-a-porta-me-deixa-entrar-que-eu-sou-chato (ok, essa eu adicionei), enfim chegara o momento que tanto esperávamos durante a semana. Totalmente a sós. Com porta trancada, sem irmão caçula, sem tia para incomodar, sem pai, sem mãe, só nós. Ela me olhava condenando um sorriso no canto da boca. Seu olhar era quase malicioso, se não a conhecesse diria ser sim e assim, malicioso.
Ela se deitara ao meu lado na cama. Ficou me olhando durante um longo tempo. Passou seus dedos levemente sobre meu rosto. Sorri.
- Que foi?
- Nada não.
- Fala...
- Você é linda.
- Que besteira.
- É sim.
Ficamos naquela história eu-te-amo-não-eu-que-te-amo-mais e breguices a parte durante um bom tempo. Eu sentia que aquilo era só enrolação para algo que viria depois. Como se soubéssemos que precisávamos daquela encheção só para o gran finale. Que viesse logo o que tinha que vir. A parte mais esperada do nosso encontro. Quando as coisas começavam a ficar desconhecidas, mas que era tão bom ir descobrindo. E era assim que começava. Alguém tomava a iniciativa. Por vezes eu, por vezes Patrícia. Mais eu do que Patrícia. Mas quando começava não havia jeito de me fazer parar. Nem de fazê-la parar. Nem de fazer pararmos juntas. Só os outros. Estes sim. Malditos outros que vinham nos importunar. Era por isso que naquelas sextas, depois do almoço, quando o pai de Patrícia saía para trabalhar, e sua mãe ia fazer alguma coisa em alguma vizinha, em algum lugar, é que podíamos ficar mais a sós do que de costume. Era um momento único. Sozinhas. Era isso que importava. Era disso que precisávamos.
E assim como me deu um beijo, eu lhe retribui outro, ela me devolveu outro. Era assim que começava. Nós, por nós mesmas nunca parávamos o que estávamos fazendo. Já os outros... Toda hora era hora de ir tentar abrir a porta, de falar alguma coisa, de mostrar alguma coisa, de fazer, ou melhor de não nos deixar fazer nada. Apenas aquela agonia, aquela vontade reprimida de sabe-se-lá-deus-o-que. Mas era fato. Era vontade. Era reprimida, e fazia mal. Fazia mal porque quase brigávamos por causa disso. Aquele isso que não sabíamos (ou não queríamos dizer) o nome. Mas era. E era muito.
Ela parou de me beijar e continuou me olhando. Era um olhar puro e sincero. Era lindo.
- Que foi?
- Nada não.
- Fala...
- Você é linda.
- Que besteira.
- É sim.
- Você que é Pati - passei meu corpo por cima do seu, como num passe de mágica ela me puxou para mais perto (como se isso fosse possível), me apertando forte, não deixando um espaço se quer vazio entre nossos corpos.
Ela me olhava. Eu retornava. Havia um silêncio estranho entre nós. Mas era um estranho bom. Um estranho de desconhecido, de vontade. Sim, aquela vontade reprimida.
Ela me beijou. Eu retribui. Ficamos nos beijando, daquele jeito mesmo. Eu com todo o meu corpo em cima do dela. Ela com sua mão direita passando pelas minhas costas, descendo pela minha cintura, encontrando o fim da minha blusa e o começo da minha barriga. Senti no seu beijo um segundo de hesitação. O segundo mais rápido que vi Patrícia decidir alguma coisa. Fora o segundo entre o começo e o fim. Que bom que era só o começo. Me empurrou gentilmente para o lado, ficou com quase todo seu corpo em cima do meu, o que facilitou que sua mão escorregasse para o cós da minha calça. Senti nos seus olhos, o segundo segundo de hesitação. Este precisou da aprovação dos meus olhos, que por mais mudos que estivessem, diziam todas as coisas que ela queria ouvir. Ela me beijou profundamente. Talvez para não ter que encarar meus olhos tão atentos a cada coisa que ela fazia. Abriu do jeito que pode o botão da minha calça. Suspirei involuntária. Ela abriu o zíper instintivamente, sorri sem calcular, ela desceu sua mão sem nem pensar.
Mas como tudo que tem começo, tem fim. E como tudo que é bom, o fim chegou mais rápido do que prevíamos, e principalmente, que esperávamos. Sua mãe bateu na porta oferecendo um bolo de sei-lá-o-que. Ela permaneceu me olhando, daquela mesma posição em que estávamos há segundos atrás. Houve alguns segundos de silêncio entre a gente. Senti a certeza de que aquilo sim não era mais um fim, apenas mais um momento para adiar o que tanto queríamos fazer. Ela sorriu ainda com a sua mão por baixo da minha calça. Eu devolvi o sorriso forçando todo meu corpo contra o seu, senti a sua mão mais próxima de mim. Sua mãe continuava a bater na porta oferecendo o tal bolo. Pati novamente me empurrou como pode para o lado, fechou muito devagar o zíper da minha calça, não mais olhando para meus olhos, lançou um sorriso enigmático, levantou-se da cama e foi abrir a porta.
Se aquilo tudo era só o começo, que viesse logo o meio, o fim, qualquer coisa, mas que viesse e logo.

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