quinta-feira, 23 de julho de 2009

Confesso

Déia nos esperava no carro, sentada atrás. Mascava um chiclé um pouco freneticamente de mais, talvez estivesse nervosa, refleti pelas suas bolas de ar estouradas de dois em dois segundos. Quando nos viu de mãos dadas instintivamente me deu um olhar malicioso, arregalando seus olhos. Eu novamente sorri. Dei com os ombros. Tudo isso aconteceu rápido o bastante para que Yumi não visse.
- Quer dirigir? - falou me estendendo a mão, com as chaves.
- Dessa vez não - sorri sem graça.
Fomos em silêncio por aquele caminho que eu já conhecia.
Via pelo espelho que Déia toda hora fazia menção de falar alguma coisa, mas automaticamente se punia para ficar calada. Aquilo até que me divertiu, vê-la lutando contra a sua curiosidade para saber o que havia acontecido.
- Eu fui pra minha cidade - enfim falei, vendo Déia suspirando aliviada por finalmente falar.
- E o que aconteceu? - perguntou imediatamente.
- A Patrícia vai para o Canadá - no fundo não era isso que me entristecia, era ver nos seus olhos a certeza de que eu não a amara. Aquilo sim me matava. Ela achar que tudo que havíamos vivido não fora nada para mim. Talvez tivesse mudado de opinião com a minha carta. Mas até aquilo me chateava, pois se fora preciso de uma carta melodramática para ela acreditar no meu amor, então é porque realmente eu havia sido pior do que imaginava com ela.
- Mas Canadá nem é tão longe assim - falou Déia amistosamente.
- Eu sei - conclui.
Déia fizera uma cara de não entender.
- Ela acha que eu nunca a amei - falei forçando meus olhos para não recomeçar a chorar.
Com o canto do olho vi Yumi fechar um pouco a cara, talvez estivesse tentando entender o que estava acontecendo, afinal nunca havíamos conversado sobre isso.
Déia ficara em silêncio, e assim ficamos por mais um bom tempo.
Senti que precisava colocar para fora todo aquele peso, assim talvez aquela minha tristeza sem fim sumiria.
- A Patrícia foi a minha primeira namorada - falei meio baixo, com o pouco de força que eu tinha para falar sobre tudo aquilo - a gente namorou por um bom tempo, a gente se conhecia desde criança.
- Sei... - Yumi falou, percebi que talvez ela estivesse tentando me dar força para continuar a falar.
Mordi meus lábios trancando aquele choro que tentava a todo custo me vencer.
- Eu fui uma idiota com ela durante muito tempo, mas eu também não tinha culpa, nunca tinha namorado com ninguém, do nada ela queria compromisso, quase queria que eu me mudasse pra casa dela, ela queria coisas que eu não podia dar. Mais aí como sempre eu fui uma covarde de merda... - as lágrimas já caiam dos meus olhos, fazendo com que não conseguisse mais enxergar a rua lá fora.
- Você não é covarde Manu - tentou me dar força.
- Sou sim Yumi, eu sou uma covarde de merda mesmo, coloquei tudo fora porque eu tinha medo de tudo, porque nem eu me conhecia, porque eu achava que podia ser uma boa pessoa pra ela, mas na verdade eu nunca fui. Aliás, o que eu sempre fui foi uma egoísta, ela ta certa, eu sou uma egoísta mesmo. Bem feito pra mim, eu que me f.
- Eu não acho que alguém que vem do fim do mundo pra cá, sozinha, decidida a ser independente, que seja tão forte como você é, que consiga dar conta dos estudos, do trabalho e das suas amigas - sorriu lindamente - seja covarde. Muito pelo contrário Manu, você é muito corajosa por, independente das razões pelas quais tudo isso aconteceu, ter saído da cidade que você conhecia pra vir pra um lugar onde você não tinha nada. E ter construído tantas coisas só em meio ano que está aqui. Eu não sei o que aconteceu entre vocês duas, mas eu tenho certeza da menina linda que você é.
Sorri meio boba.
- Eu achava que era isso mesmo, mas não é. E o que me dói não é não estar mais com ela, é não ter terminado direito toda essa história.
- Mas Manu, certas histórias de amor são assim mesmo, sem fim.
- Ela não merecia tudo que eu fiz - falei chorando completamente.
Déia ficara calada. Yumi também.
Yumi parara o carro no estacionamento do Mc. Déia saíra do carro para comprar alguma coisa que não entendi no seu resmungo.
Yumi me puxara para ela me abraçando. Novamente desabei a chorar.
- Vai ficar tudo bem Manu - me abraçava forte, como se me cuidasse, como se me protegesse - você é uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci na vida, sério - falou vendo minha cara - poxa, são poucas pessoas que conseguem fazer tudo isso que você faz e ainda fazer bem.
- Legal, eu faço muitas coisas mesmo.
- Faz sim.
- Sim, eu bebo, eu saio quase todos os dias, sou uma pessoa útil na sociedade, eu como pizza em final de semana porque não sei fazer nem um ovo frito, joinha pra mim.
- Não fala besteira Manu - falou muito carinhosamente passando seus dedos entre meus cabelos - Você ainda cuida de todo mundo, eu lembro de toda aquela confusão com a Déia, lembra? Porque você acha que ela veio direto falar com você e não com a Renata que é a companheira que mora junto com ela?
- Porque de certo a Renata tava transando com alguém - falei ironicamente.
Ela riu - que absurdo Manu, você também não quer se ajudar.
Fiquei novamente em silêncio. Eu precisava era sumir, ir pra longe de tudo, pensei triste.
- Hei, Manu, você disse que foi a primeira namorada, então quer dizer que você já namorou mais vezes, né?!
Respondi que sim com a cabeça.
- Então, não foi o primeiro término de namoro e provavelmente não vai ser o último.
- Mas ela foi a única pessoa que eu já amei de verdade.
Ela simplesmente ficou calada. Não havia nada mais a ser dito.

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