quinta-feira, 16 de julho de 2009

Das duas

Era tarde, quase 4h da manhã quando, depois de uma conversa muito constrangedora, com direito a "e ai Manuela, já arranjou um namorado? Porque na época que vocês estudavam juntas achei que vocês ficariam solteiras pra sempre, afinal vocês não se desgrudavam, como que um rapazinho ia falar com vocês", mais um momento de olhares de fuzilamento entre Amélia, eu e Patrícia, nessa ordem mesmo, enfim chegara a hora de dormir. Eu estava desconfortável, por mim esperaria o dia amanhecer e sairia dali, ou pelo menos esperaria os pais de Patrícia dormirem, e pularia a janela como há tempos atrás fazia escondida quando Patrícia ainda era minha namorada.
- Vou buscar uns lençóis para você, Manu.
- Que isso meu bem, deixa elas dormirem lá no quarto da Pati, de certo querem contar as novidades. Querida - virou-se para Patrícia - você já contou do seu namorado novo?
Por um instante eu vacilei.
Olhei para ela com espanto segurando um sorriso.
- Não contei ainda pai - falou olhando pra tudo, menos pra mim.
Namorado, do. Não, isso era impossível. De certo ela inventou que era o André, mais uma vez era isso.
- Então meu bem - voltou-se novamente para dona Amélia - elas ainda tem muito a conversar, vai Manu, sobe lá, eu levo as coisas para você.
Quase sendo empurradas pelo seu pai, Patrícia e eu subimos as escadas.
- Fazia parte do seu plano isso? - falou assim que fechou a porta atrás de si.
- O que?
- Não se faça de louca, você tinha planejado tudo isso já né?! Aposto! E eu achando que você nem sabia de nada.
- Não fala besteira Pati, eu não sabia de nada mesmo, ou você acha que eu viria aqui pra sua casa, dentro da casa da sua mãe, assim, por querer. Depois de tudo - fiz uma pausa dramática - tudo que aconteceu?
Ela parou pro alguns segundos, quase deixou escapar um sorriso, mas rapidamente voltou à posição de ataque.
- Porque você aceitou vir pra cá? - ela não me olhava. Acho que tinha medo de me olhar nos olhos, talvez temesse que eu conseguisse tocá-la através deles.
- Eu aceitei?
- Sim, você podia ter... - seu pai interrompeu abrindo a porta - ó querida, pega isso, e se você ficar com mais frio, tem mais um edredom ali em cima - apontou para o guarda-roupa de Patrícia - boa noite - saiu deixando a porta aberta.
Ela balançava a cabeça de um lado para o outro, como se tivesse conversando consigo mesma, e negando, negando até o fim.
- Você - foi em direção a porta, fechando-a com cuidado para não fazer barulho - você podia ter dito que ia pra casa do André. Isso, vou ligar pra ele e ele vem te buscar.
- Nossa Pati, você já foi mais delicada comigo.
- E você - olhou nos meus olhos - nem vou falar nada. Pegou seu celular, já estava digitando os números de André quando arranquei o telefone da sua mão.
- Devolve isso Manu.
- Não - segurei-o atrás de mim.
- Devolve Manu, eu não estou pra brincadeira.
- Você acha que seu pai não ia sacar nada se eu saísse agora da sua casa? Aliás, que história é essa que você está namorando?
Ela deixou um sorriso sair pelo canto da boca.
- Eu to, você não sabia?
Discordei com a cabeça.
- Quem, o André? - falei rindo.
- Não sua besta...
- Quem então? Porque seu pai falou namorado.
- Quando a gente namorava - voltou seus olhos enigmáticos para mim - você também era um namorado, não era?
- Ah, mas... Como assim Pati?
- Eu to namorando mesmo.
- Com quem? - meu coração começou a bater mais acelerado.
- Você não vai querer saber.
- Mas é homem? - meu coração começou a ficar apertado.
- Claro que não né Manu - ela foi para a janela, ficou mexendo em alguns adesivos que estavam colados no vidro - meu cérebro começou a doer.
- Como assim Pati - me aproximei dela, segurando-a fazendo com que ficasse de frente pra mim.
- Como assim o que Manu? Você achou que eu ia ficar aqui esperando você pra sempre, primeiro terminar o namoro com a Luciana, depois voltar da faculdade, pra que um dia você me desse atenção e a gente voltasse a namorar? Eu tenho mais o que fazer da minha vida.
- To vendo... Quem é a menina?
- Ai, não quero falar sobre isso - continuava segurando-a para que ficássemos frente a frente. Abaixei minha cabeça para que nossos olhos ficassem na mesma altura, olhando de baixo para cima.
- Quem é? É a Luciana?
- Óbvio que não né Manuela, eu não fico com vadias.
- Nossa, como você fala dela desse jeito!
- Não era você que a chamava assim? Não foi você que pediu pra eu falar com ela de novo, e de novo, e sempre que não queria mais namorar? Agora deu pra defender aquelazinha?
- Então quem é? - falei ignorando seu comentário.
- Você vai me soltar se eu falar?
- Vou pensar no seu caso.
- É a Rafa... - e voltou a olhar para tudo, menos pra mim.
- Que Rafa?
- A única Rafa que a gente conhece.
- Que Rafa?
- A que você já ficou.
- A Rafa! - fiz uma cara estranha que ela percebeu.
- Porque essa cara de nojo, você também já ficou com ela. Aliás né, com quem você não ficou...
- Desde quando vocês namoram - a essa altura não sentia mais meu coração, nem minha respiração, nem meu cérebro.
- Não interessa, agora me solta que eu to cansada, preciso dormir, amanhã vai ser um dia longo.
- Solta o caramba, desde quando vocês namoram? Agora você namora não me conta, vai viajar pra longe e não me conta, é isso, eu sou nada na tua vida?
- Olha o drama Manuela.
- E ainda me chama de Manuela, como se eu fosse uma qualquer que você achou pela rua.
Ela ficou em silêncio.
- Pati, olha pra mim - levantei seu rosto - eu sei que eu fiz muita merda, que eu estraguei tudo com a gente.
- Estragou.
- E eu me arrependo até o último fio de cabelo por isso.
- Arrependimento não muda as coisas que já aconteceram.
- Não, mas faz com que a gente repense e não faça mais.
- Não tem mais nada pra ser refeito e nem muito menos feito.
- Então porque você ta me tratando desse jeito?
- Que jeito?
- Fria.
Ainda segurava Patrícia pelos braços, naquele instante me dei conta disso. Pelo canto do olho via todo seu corpo ali na minha frente. Instantaneamente me apaixonei por aquela menina. Instantaneamente fiquei encantada, me senti atraída, me deu vontade dela em si, dela e só ela. Me contive.
- Eu não to sendo fria Manu, pára com essas maluquices.
- Não?
- Não - seus olhos desviavam dos meus a todo o momento - mas porra né Manu, você quer que eu fique feliz com você depois de todas as merdas que você já fez comigo?
- Eu já te pedi desculpas Pati.
- Desculpas não resolvem nada Manu, nada - seus olhos se encheram de lágrimas.
Soltei-a, mas ela continuou imóvel na minha frente. Uma lágrima caiu do seu olho, e assim várias outras a seguiram.
- Eu não sei por que você fez isso comigo, onde foi que eu errei pra você ter feito isso comigo Manu? - ela me olhou tão profundamente que me senti nua na sua frente. Nua, pura e transparente. E eu não sabia o que dizer. Por mais que tentasse pensar em mil coisas a serem ditas, nenhuma palavra conseguia sair da minha boca, nada cabia naquela situação.
- Eu te dei tudo que pude tudo que tinha pra dar, tudo que eu consegui te dar, tudo até que eu não tinha Manu, eu me entreguei pra você, e o que você fez com tudo isso?
Olhei para baixo.
- Não Manu, olha pra mim - voltei a olhar nos seus olhos já vermelhos - não seja covarde, olhe pra mim e me diz, porque você fez isso comigo?
- Eu não sei - tentava a todo custo segurar meu choro que vinha devagarzinho tomando conta de mim.
- Sabe sim, porque você é uma idiota que tem medo de relacionamentos, porque você não consegue ver um rabo de saia que tem que ir atrás.
- Não fala assim de mim Pati.
- Não foi isso que aconteceu? Você não me trocou, e literalmente só que sem eu saber pela Luciana?
- Você sabe que nada é comparável ao que eu tinha com você.
- Que pena ouvir isso Manu, porque pelo menos eu ia saber que você tinha feito uma escolha correta, seguindo o seu coração, mas pelo visto você só seguiu a... só a sua vontade de tudo e de todos. Ou melhor, todas. E eu me sinto uma idiota Manu por ter me deixado ir pelas suas conversas, pelo seu xaveco barato.
- Pati, você sabe que não foi assim que aconteceu, eu me apaixonei por você e você sabe disso. Desde sempre eu fui louca por você.
- Não - ela colocou seu dedo sobre minha boca - não fala isso Manu. Não fala que é pior. Eu prefiro pensar que você nunca gostou de verdade de mim, porque quem ama, quem gosta não faz isso que você fez com ninguém. Com ninguém.

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