sexta-feira, 17 de julho de 2009

Passado composto.

Era difícil pensar naquela situação. Eu realmente não tinha nada para dizer, minhas desculpas já tinham perdido o sentido, qualquer coisa que falasse não fazia mais sentido, mas me sentia impotente, porque sabia que precisava falar, não podia deixar mais uma vez Patrícia ir para algum lugar mais longe ainda de mim sem saber das coisas que se passavam comigo. Era engraçado que quando nos encontramos há muitos meses atrás no mercado, dois dia antes de eu viajar não tocamos neste assunto. Era engraçado que um dia antes de eu viajar ela fora para minha casa, havíamos passado uma noite linda e toda essa tristeza havia sido esquecida, ou camuflada. Mas seria muita pretensão minha achar que Patrícia esqueceria tudo. Era ingenuidade minha ou até comodidade pensar que estaria tudo bem.
- Pati - coloquei minha mão sobre seu rosto. Ela virou para o lado. As lágrimas caiam uma atrás da outra - eu sei que não posso pedir desculpas, que não muda nada...
- Não, não muda absolutamente nada Manu.
- Eu sei que eu não posso voltar no tempo...
- Não pode Manu.
- Que não posso desfazer tudo de ruim que eu já fiz para você...
- Não consegue desfazer mesmo.
- Mas eu to aqui agora...
- Que merda, né?! Você podia estar lá com as suas amiguinhas novas.
- E você podia estar com a "Rafa" né?!
- Podia, mas você está aqui.
- Eu to aqui.
Ficamos em silêncio. Seus olhos estavam sobre os meus. Eu não conseguiria descrever tudo o que eu sentia naquele momento. Queria abraçá-la, desfazer toda aquela tristeza que via em Patrícia. Pedir desculpas, me atirar aos seus pés. Se isso mudasse alguma coisa. Quis me socar. Quis sair dali. Quis chorar. Quis segurar o choro. Quis. Eu sempre quis com Patrícia, porque eu havia estragado tudo? Não havia feito tamanha merda só por causa de Luciana, disso eu sabia. Mas ela não sabia. E não havia palavras que pudesse explicar isso pra ela, não naquele momento.
- Pati...
- Não Manu - ela me olhava ainda no fundo dos meus olhos, como se olhasse dentro do meu ser, dentro da minha alma. Como se lesse meus pensamentos, como se já soubesse tudo que eu iria falar.
- Eu te amo - falei sem conseguir mais conter minhas lágrimas.
- Não ama Manu.
Aquilo doeu mais do que qualquer coisa que já havia acontecido na minha vida inteira. Eu vi verdade nos seus olhos quando disse que eu não a amava. Queria saber onde fora que eu errei tanto a ponto de fazê-la realmente acreditar naquilo. Será que ela nunca percebera o quanto eu era louca por ela, só não sabia cuidar de tudo que eu sentia? Será que ela pensava que eu havia fingido tantos anos em que ficamos juntas? Não era possível que eu tinha conseguido fazer a pessoa que eu mais havia amado na vida achar que tudo que eu havia sentido por ela, simplesmente se fora, assim como as folhas de outubro que caem para nunca mais voltar.
- Eu vou dormir agora Manu, e pelo amor de Deus, por todo esse "amor" que você diz sentir por mim, não me incomode, me deixa ficar quietinha aqui, sozinha. Eu não sei o que você planejava vindo dormir aqui em casa, depois de tudo que você fez. Não estraga mais isso, por favor. E eu não quero - falou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa - eu não quero ouvir mais nada, por favor. Se você quer fazer alguma coisa por mim, que seja ficando quieta.
Senti meu coração despedaçar. Então ela achava que eu não a amava mesmo.
Ela deitara na sua cama e eu ao seu lado no colchão do chão. Ao seu lado era modo de dizer, porque me sentia tão distante de Patrícia como nunca havia me sentido. Via naquele pequeno espaço que nos separava, entre a cama e o colchão, uma cratera, um precipício sem fim. Eu então havia conseguido inevitavelmente machucar tanto aquela menina a ponto de fazê-la mais do que ficar triste, fazê-la simplesmente não acreditar mais em mim. E naquele momento não havia nada que eu pudesse fazer. Fiquei olhando para o teto querendo sumir dali, querendo qualquer coisa, menos estar alí do lado da menina que eu mais amei em toda a minha vida, ao lado da menina que eu mais havia feito sofrer. Percebia que assim como eu, Patrícia não conseguia dormir. Ela se mexia de um lado para o outro, mas não falou absolutamente nada. Às vezes ouvi um soluço de choro baixinho, que ela tentava esconder entre uma tosse e outra. Mais uma vez ela chorava por minha causa. Mais uma vez eu conseguia estragar e colocar fora mais um pouco do que construímos durante tanto tempo, fora. Restava saber se ainda existia mais alguma coisa para se colocar fora.
Não consegui pregar o olho. Percebi que Patrícia finalmente dormira quando pararam os soluços. Fiquei olhando-a dormir. Ela era linda, simplesmente linda. E eu havia feito aquela menina linda simplesmente ir embora, mas não junto comigo. Ela estava indo muito mais longe do que o Canadá, muito mais longe que qualquer lugar que pudesse ir, pois seu coração é que estava indo, e esse não existia avião algum que pudesse pegar e trazê-lo de volta.
Fiquei sentada, já completamente vestida e de mochila nas costas, esperando-a acordar. Várias vezes pensei eu ir embora e deixá-la ali, sozinha com os seus sonhos e pesadelos. Mas seria sacanagem minha, mais comigo do que com ela. Eu precisava dizer algumas coisas pra ela. Ela não podia ir mais uma vez embora, mais um pouquinho do nós que ainda existia nela, sem saber de algumas coisas. Escrevi uma carta numa folha que achei no meio de suas coisas. Na sua gaveta da cômoda. Lá onde ela sempre guardara nossas coisas. Procurei por alguns instantes alguma coisa que me tivesse, alguma foto. No fim da gaveta encontrei uma foto nossa. Abri um sorriso egocêntrico. Sim, ela tinha alguma foto minha. Era a foto que ela mais gostava. Era a foto da nossa primeira viagem juntas, quando fomos acampar pela primeira vez como namoradas. Minhas lágrimas já caíam sem pudor nenhum, sem pedir licença, apenas caíam.
Quando Patrícia abriu os olhos, já estava sem chorar.
- Pati, eu só quero dizer uma coisa. Eu ia simplesmente deixar essa carta aí para você, assim como você fez comigo quando eu saí dessa cidade. Mas eu sinto que você precisa ouvir da minha boca tudo o que eu tenho pra falar. E eu sei que você pode não querer me ouvir, mas se eu puder, eu só te peço mais isso, e daí eu prometo nunca mais te encher o saco.
Ela ficou em silêncio me olhando. Ela conseguia ser mais linda do que o normal quando acordava. Fiquei encantada por alguns segundos olhando-a, mas me esforcei, e comecei a ler a carta. Antes mesmo de começar, as lágrimas voltaram a cair.

2 comentários:

Nana disse...

a gente só dá valor as coisas quando as perdemos =/

Ana disse...

fato.