terça-feira, 28 de julho de 2009

O crime

Cheguei com certa dificuldade na casa de André, nunca havia ido a pé para sua casa. Foi difícil encontrar o número de seu prédio, mas quando o avistei reconheci algumas pessoas ali na frente, mas nada de Patrícia. Beto estava ansioso.
- Até que enfim você chegou, cadê a sua mulher? - disse isso muito rápido, entre dois beijos na bochecha, me levando pela mão para dentro do prédio - vamos todos, ele já deve estar chegando.
- A Pati ainda não chegou?
- Não, eu pensei que ela viria junto com você! - abriu a porta do apartamento, muito bem decorado, deixando que todos os convidados entrassem. Já havia algumas pessoas esperando, havia uma mesinha com um bolo em cima e alguns salgadinhos. Fizeram uma espécie de festinha de criança, com balões, faixas, pomponzinhos. Tudo muito André.
- Ela viria, mas a mãe dela... - me calei. Ele consentiu.
Dei oi para o Marcelo e para a Cláudia, eram os únicos na verdade que eu conhecia. Ajudei ainda a colocar os copinhos da Barbie (sim!) na mesa, deu o tempo do porteiro avisar que o André estava subindo. Todos se esconderam. Nada de Patrícia. Apagamos a luz. Aguardávamos em silêncio qualquer manifestação de barulho de André. Ele demorou mais do que o esperado. Abriu a porta. Quando acendeu a luz todos cantaram aquela maldita musiquinha "parabéns a você tra lá lá". Foi engraçado porque ele interpretou muito bem que estava surpreso de verdade com aquela festa. Depois de canto, ele disse que já sabia de tudo, mas que não ia deixar seu amor, o Beto, triste. Já o meu amor, a Patrícia, ainda não havia dado nenhum sinal de vida. Já passava muito tempo depois da meia noite quando enfim tocaram a campainha novamente. Meu coração pulou forte, esperava (e muito) que fosse Patrícia, afinal já fazia um dia (inteiro) que não nos víamos, estava preocupada e mais do que isso, com muita saudade. Era estranho sentir tanta saudade e tanta vontade de ficar com uma única pessoa. Aquela coisa que vinha de dentro de não querer desligar o telefone, de nunca ser a hora certa de dar tchau, de querer estar sempre junto dela. Era estranho me sentir tão presa a sua presença. Mas era assim que eu me sentia, presa. Completamente presa pela pessoa Patrícia. Independente do que ou onde, precisava estar perto dela, nem que fosse para ficar olhando-a. Isso era estranho, pois não gostava de me sentir presa em nada, gostava muito daquela sensação de liberdade, por isso que nas tantas vezes que Patrícia tocava no assunto "namoro", eu mudava rapidamente para esportes, televisão, último filme em cartaz, qualquer coisa que me livrasse daquela quebra de liberdade. Mas naquele instante eu não estava nem aí para minha tal liberdade, para a prisão que eu estava entrando cada dia que ficava mais um pouco com Patrícia. Eu queria justamente aquela prisão, aquele se perder olhando para uma pessoa, aquilo que só aquilo já bastava. A porta demorou para ser aberta, talvez André não tivesse ouvido tocar. Talvez ele estivesse fazendo de propósito abrir tão devagar, pois sabia da minha angústia. Quando enfim a porta se abrira avistei Patrícia sorrindo, com seus cabelos esvoaçantes, quase uma propaganda de Shampoo. Sorri satisfeita, era minha. Ela dera oi para todo mundo antes de vir em minha direção, quando enfim chegou perto de mim pude sentir seu perfume vindo junto com ela. Cheguei a fechar os olhos de êxtase. Ela estava simplesmente linda. Nunca havia visto de vestido e salto alto, parecia uma princesa. Ela mal abrira a boca para se explicar pelo atraso, logo se calara em meio aos meus beijos. Estava fascinada.
No final da festa estávamos só nós quatro, os de sempre, Beto e André num sofá, e Patrícia e eu no outro, olhávamos qualquer coisa na televisão. Eles bebiam um vinho que Beto havia trazido da Itália, quando fora na semana passada, nós uma batida estranha que André havia preparado que tinha mais gosto de tudo do que de abacaxi que de fato era. André estava radiante com aquela noite, por mais que já tivesse suspeitado da surpresa, no fim ele confessara ao Beto que ficara por alguns segundos triste, aquilo fora a coisa mais maravilhosa que já haviam feito pra ele.
- Eu nunca ganhei uma festa surpresa também - falei, engolindo mais um gole daquela bebida estranha.
- No seu aniversário a gente faz uma festa surpresa então - riu-se André.
- Mocinhas, vocês vão dormir aqui?
Nos olhamos, já era tarde, provavelmente pegaríamos um táxi para ir para casa, mas aquela hipótese de dormir com ela sem Tia Med e Dona Amélia por perto era tentadora de mais.
- Não, que isso... Não queremos atrapalhar vocês.
- Imagina, coloquem um colchão aqui na sala, fiquem a vontade.
- Não, não... - falava sem vontade Patrícia.
- Claro que sim! - afirmou André - está muito tarde para vocês irem.
- A gente pega táxi - já estava me irritando por Patrícia querer ir para casa.
- Que táxi o que menina, você está louca? Gastar dinheiro a toa se pode ficar aqui de boa com a sua namorada?
Houve alguns minutos de silêncio. De onde André tirara a ideia de que éramos namoradas? Beto o olhou rapidamente tentando entender aquele comentário. Beto na verdade era o único que parecia entender a minha posição, pois inacreditavelmente ele nunca tocara nesse assunto comigo, mesmo quando todos estávamos falando sobre relacionamento. Talvez ele não falasse, pois não tinha tanta intimidade comigo, mas achava que não. André sempre nos dava indiretas e eu sempre saia pela tangente. Desta vez não ia ser diferente.
- Não posso Dé, minha mãe pensaria que eu estou dormindo na casa do meu namorado - frisou o último o do namorado. Me olhou pelo canto do olho, talvez se deliciando com o meu pânico da palavra namoro.
- E o que tem?
- O que que tem é que ela vai achar que eu e você realmente estamos namorando.
- Mas qual é o problema nisso, assim a sua vida e a da Manu, né Manu - se virou para mim - vai ficar muito mais fácil.
- Você acha?
- Tenho certeza, assim vocês podem vir dormir aqui em casa quando quiserem.
- Mas tem um problema.
- Qual?
- Ela vai querer te conhecer, querer te apresentar para toda a família, afinal você é o homem que está tirando minha virgindade - sorriu ficando levemente corada.
- Que nojo - brincou rindo - e qual é o problema? - falou levantando parando-se na nossa frente erguendo sua mão em direção à Patrícia - venha comigo madame - curvou-se fazendo uma reverência muito exagerada.
- Para com bobice Dé, to falando sério,
- Eu sei me comportar como um hetero querida.
- To vendo pela sua voz - deliciou-se.
- Menina, você acha que eu não consigo, aposto o que você quiser que eu consigo.
- Nossa, isso é uma posta muito boa para ser negada assim - falou levantando e ficando ao seu lado. Saíram caminhando levantando as pernas muito altas, como se estivesse marchando em um casamento. Todos riram um tanto quanto embriagados.
Por mais que fosse engraçado tudo aquilo, os pensamentos de outrora voltaram. Eu é que deveria estar indo na casa de Patrícia para apresentar-me para a sua família como sua namorada, e não o André. Era para minha casa que ela deveria estar indo agora depois da festa, e não ficar clandestinamente, como se novamente estivéssemos cometendo um delito. Era triste pensar nisso. Enquanto eles brincavam que eram um casal "normal", eu desejava por tudo que aquilo que a gente tinha pudesse um dia ser visto assim, com tanta normalidade, com indiferença. Mas era trágico de mais, era pecaminoso de mais, era proibido, era escondido, era um delito de fato. Patrícia vendo o meu silêncio se aproximou novamente de mim. Me perguntou baixinho, perto do meu ouvido se estava tudo bem. Sorri meio sem força e disse que sim.
- Bom meninas, a gente vai dormir - disse André se desvencilhando das várias mãos de Beto, ele parecia um polvo.
Patrícia sorrira maliciosamente para ele. Entendi. Foram para o quarto e nos deixaram em um colchãozinho na sala. A sala era grande, suas janelas era de vidro muito grande, o que fazia com que toda a luz da rua entrasse no cômodo. A lua iluminava o ambiente. Conseguia ver todos os seus traços de seu corpo perto do meu. Nos olhamos por longos minutos do mais puro silêncio. O silêncio que precede o crime. Que cometêssemos então o crime da qual éramos culpadas. Que cometêssemos o amor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vc manda muitoo bem
Adoro seus contos!!!!