sexta-feira, 3 de julho de 2009

"E eles negam sem saber"

- Você sabe?
- Todo mundo sabe disso Mi. Só você que nunca ouviu falar.
- Nunca mesmo.
- Deve ser porque não existem essas coisas no Japão.
- Nem acredito que você veio, já tava achando que nunca iríamos nos ver.
- Eu não ia perder essa oportunidade.
- Então, o que vamos fazer hoje?
- Vamos fazer uma feijoada.
- E jogar truco, ótimo hein? Ainda mais nesse tempo de chuva.
- Nossa, quem taí?
- É a Manu?
- Deve ser. Não vi aquela menina desde ontem.
- Você sabe fazer feijoada?
- Claro que sei, praticamente já posso casar. To brincando baby.
- Eu sei fazer uma sobremesa de acabar com todo mundo.
- Viu que ele mudou de assunto né?
- Não mudei não chuchu, apenas to explicando as coisas pra ela, afinal ela não nos conhece ainda.
- Mas agora conheci né?
- Sim, demorou mas veio enfim me visitar, nem acredito.
Consegui me mexer para o lado, tentando ver de onde vinha aquela conversa tremendamente alta. Cada nova sílaba que era pronunciada ecoa na minha cabeça.
- Quem taí?
Senti algo me cutucando. Tentou puxar meu cobertor, mas o segurei com força. Toda a força que tinha depois de ter ingerido um nível bem [in] considerável de cerveja.
- Sou eu, quem poderia ser? - disse ficando repentinamente braba - ninguém dorme nessa casa não?
Me sentei no sofá, ainda coberta.
- Nossa que mau humor Manu - falou Yumi.
Consegui enfim entender o que se passava na sala. Eu estava deitada ocupando um dos sofás. No sofá ao meu lado estava Paulinho, Leandro e Luiz sentados, no outro Yumi e uma menina ruiva de cabelos encaracolados, no chão em cima de uma almofada Renata, e ao seu lado Carol.
- Até que enfim a princesa acordou - falou Renata virando-se para mim com um sorriso nos lábios.
- Eu nem dormi ainda - falei ainda olhando para a ruiva - quem é ela? - perguntei voltando-se para Renata.
- Oi, sou a Jéssica - falou a menina se intrometendo - prazer - levantou sua mão acenando para mim.
Meu estomago deu um soco. O que aquela menina tava fazendo alí ao lado de Yumi? Desde quando ela viria hoje? Que dia era hoje afinal? Porque eu tava dormindo num sofá da sala? Onde estava a Déia numa hora dessas? – ai minha cabeça.
- Hmm - foi a única coisa que consegui resmungar. Me levantei bruscamente.
Subi as escadas quase tropeçando no cobertor que estava posto em cima dos meus ombros. Cheguei ao quarto e me estatelei no colchão de casal. Percebi que Déia estava dormindo na cama debaixo do beliche.
Poucos minutos depois ouvi barulhos de escada, pressenti que coisa boa não seria.
- O Manu, o que foi aquilo? - ouvi Yumi falando com um tom muito brabo.
- Aquilo o que?
- Esse teu jeito de tratar a menina, mal dando oi pra ela.
- Ah!, é por causa dela? – me virei de costas para ela – boa noite Yumi, to dormindo já.
Senti o peso do seu corpo no colchão.
- Vem cá - ela me puxou com força, fazendo com que ficasse de frente para ela novamente.
- O que que é? – já estava me irritando.
- Não admito que você trate minha amiga desse jeito! Ela ficou super constrangida com o seu "hmm" - me imitou - desde quando se fala assim com as pessoas? Pô, você sabe que a gente tava pra se ver há um tempão...
- Você falou certo, vocês estavam, eu não tenho nada a ver com essa menina.
- Desde quando você é assim?
- Vai ficar mordida por causa dela agora? Queria que eu fizesse uma reverência pra ela?
- Não, mas que desse oi sem ser grossa. Que saco, eu desço lá, cuido de você bêbada, levo edredom pra você, fico sem o meu, porque não consegui achar onde diabos você colocou o seu, passo frio pra que você não passe, e você não pode ser ao menos gentil comigo e falar como uma pessoa civilizada com a Jéssica?
- Mas se é pra tratar ela bem, porque você ta aqui falando comigo e deixando ela sozinha na sala com gente que ela nem conhece?
Yumi bufou alto.
- Você podia ao menos retribuir as coisas que faço pra você - falou se levantando.
- E o que você faz por mim hein? Eu que faço tudo pra você - gritei um pouco descontrolada (e ainda bêbada) - desde quando conheci você eu fiz tudo, absolutamente tudo pra você - falei levantando e indo em direção a ela que já estava na porta - ir nos lugares que nem sei onde são só pra ajudar você, ir na sua casa fazer companhia pra você não ficar sozinha, cuidar de você bêbada pra não chegar assim na sua casa, porra Yumi, você que não dá valor pras coisas que eu faço. É só você fazer assim - estralei os dedos - que eu vou, você quer que eu faça o que agora? To cansada, to com dor de cabeça, ah!, dá um tempo né?
Não esperei por nenhuma resposta de Yumi, desci as escadas e saí de casa. Minha cabeça estava fervendo, o que tava acontecendo comigo, porque tinha explodido daquela maneira? Talvez estivesse bêbada ainda (também). Tinha que ser só isso. Andei descontroladamente em direção a uma ruazinha que nunca tinha visto, caminhei sem noção de quanto tempo, sem rumo e com milhares de pensamentos borbulhando em minha mente, fazendo com que minhas têmporas latejassem.
Cheguei a uma pracinha meio abandonada. Olhei para os lados, só havia um cachorrinho nela. Me sentei em um banco um pouco úmido do frio da madrugada.
Fiquei alí por um longo tempo. Tentando respirar forte para ver se meus pensamentos iam junto com o ar que eu exalava. O sol começara a se abrir por entre as nuvens, deixando-se cair por finos raios que clareavam aos poucos minha confusão mental. Mas mesmo estes não conseguiam desfazer o clima gélido daquela tarde. Fui em direção a praia, tirei meus tênis e caminhei na beira do mar. A água estava muito gelada, mas era agradável senti-la. Caminhei durante muito tempo, quando me dei conta que já não conseguia mais enxergar nada de conhecido pelo horizonte, resolvi voltar. Até chegar em casa já estava anoitecendo. Caminhava de pés descalços, sentindo as pedrinhas marcando meus pés..
A porta estava aberta. Entrei e não havia ninguém na sala. Olhei pela cozinha, nada.
Subi as escadas vi a luz do quarto de Carol e Ma acesa. No restante dos quartos as luzes permaneciam apagadas. Fui até a sacada. Tinha uma rede alí. Me deitei e passei o resto da noite deitada, no frio - que já não sentia mais - confabulando e fermentando minha raiva de tudo que acontecera naquele dia, mesmo sem saber o que acontecera de fato. Sem conseguir distinguir o que era sonho da realidade. Até onde era a cerveja, e onde começava meus sentimentos puros. Afinal, eu é quem deveria perguntar, que porra era aquela? Porque eu tinha sentido tanta raiva e tristeza ao ver Jéssica. Eu sabia quem era ela, não precisaria ter perguntado, afinal Yumi já havia me mostrado seu orkut, suas inúmeros fotos (em frente ao espelho e fazendo cara de triste). Odiava essas menininhas de fotos de frente do espelho. Talvez estivesse odiando na verdade qualquer pessoa que se aproximasse de mais de Yumi.

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