terça-feira, 14 de julho de 2009

O caminho de casa

- Até quando vocês vão ficar sem se falar?
Levei um susto quando Renata interrompera meus pensamentos.
- Vocês quem? - perguntei mais para pensar no que responder, do que por falta de entendimento.
Ela apenas me revidou com um olhar sério, porém descontraído.
- Sei lá, não quero falar sobre isso agora - respondi um pouco ríspida. Mais porque não sabia o que responder, do que por ter ficado brava.
- Sei... - fez muxoxo.
- Deixa ela lá, ela não ta namorando a Jéssica? Então que fiquem felizes para sempre.
- Que criança que você é.
- Eu?
- Sim.
- Ela que é.
E rimos juntas. Realmente eu estava me sentindo na quinta série, mas eu fiquei brava de verdade com Yumi, eu só não sabia ainda por que.
Depois do final das férias que fora ridícula: o episódio em que tivemos praticamente uma briga de casal resultou num final de férias horrível. De um lado Yumi e Jéssica que pararam de falar comigo (como se eu tivesse feito alguma coisa de errado), do outro eu e Renata (que neste ponto preferiu ficar ao meu lado, talvez porque tivéssemos ficando - não me pergunte por que), e no meio o resto do pessoal que não entendia o que estava acontecendo, porque tamanha discussão entre nós duas. Mas foi assim que terminou julho, mais frio do que estava, mas solitário do que previa mais triste do que tinha imaginado. As férias que sonhei ser as mais legais dentre anos, que passaria mais tempo com Yumi (não, eu ainda não tinha assumido nada para mim mesma sobre meus sentimentos), e com minhas amigas, é claro (só para ilustrar), fora um desastre completo. Mas com isso aprendi algumas coisas, só não sabia direito o que.
- Vê ali na página doze, terceiro parágrafo, uma, duas, a terceira linha - Renata continuou com o trabalho - taí a base pra resposta quatro.
Percebi que ela também não queria prolongar aquele assunto. Não que eu estivesse me achando, mas tinha uma leve impressão que Renata gostava um pouco de mais de mim. Talvez porque eu não desse muita atenção aos seus xavecos, não era como a maioria das menininhas que corriam atrás dela. Talvez ela visse em mim um novo desafio, converter essa minha falta de comprometimento em uma possível paixãozinha por ela, assim ela teria sua missão concluída, fazer mais uma menina se apaixonar por ela, porque se não, como ela daria o fora em mim? Talvez por a gente se dar tão bem, e ter se aproximado mais nessas férias (sem conotações sexuais). Talvez porque ela também se sentia sozinha, e via em mim um ombro amigo (um ombro, um braço, um abraço, um afim). Talvez eu estivesse louca e tão carente que via coisas mais do que elas realmente eram. Mas também não caberia a mim e em nada, mudar qualquer coisa. Tava bom do jeito que tava. A única coisa que me incomodava era que ela tava um pouco grudenta de mais em mim, e o que sempre prezei foi a liberdade. Aceitei fazer este trabalho com Renata, mais para não chateá-la do que por vontade própria. Era bom fazer as coisas de faculdade com ela, claro. Nós divergíamos em muitas coisas e isso fazia com que nós crescêssemos em cada novo trabalho, aprendendo o que cada uma tinha para ensinar, ora modificando nossos pensamentos, ora acoplando-os, ora mantendo-os até o fim. Isso era bom, porém quando o trabalho se misturava com a vida pessoal, e isso era inevitável, a coisa complicava. Já estávamos no final de agosto e ainda ficávamos de vez em quando. Por ela, nós nos veríamos todos os dias, mas eu tentava, da maneira mais carinhosa possível, cortar os baratos dela. Às vezes ela me fazia sentir quase como sua namorada e isso me irritava. Nós não tínhamos transado, talvez fosse por isso que ela insistia tanto em fazer as coisas comigo. Durante esses meses que eu pude conhecê-la sendo apenas sua amiga e não uma peguete, via nela quase uma obrigação que ela propunha para si mesma, fazer sexo com todas. E isso, apesar de saber que Renata era uma menina linda, tanto fisicamente, mas principalmente psicologicamente fazia com que eu me decepcionasse um pouco. Na verdade, era como ela sempre dizia.
- Manu, não me entenda errado, cada um tem a sua opinião e a sua maneira de ver a vida. Você também já teve sua fase de ficar com todas as pessoas que apareciam na sua frente.
- Mas eu tinha critérios - retrucava sorrindo.
- Eu também tenho critérios.
- E quais são eles?
- Mulheres...
A verdade é que ela venerava as mulheres, de todos os tipos, cores, tamanhos. E isso era fato, qualquer mulher que ficasse com ela tinha seu ego aumentado na potência mil. Ela conseguia fazer com que quem ficasse com ela se sentisse a mulher mais desejável do mundo. Internamente poderia confessar que talvez fosse por isso que ainda ficava com ela, por carência, por precisar ouvir pelo menos de alguém (pra não dizer que queria ouvir de Yumi) que eu era uma pessoa legal. E eu não sabia por que isso estava acontecendo comigo, já que sempre fui uma pessoa auto-suficiente em sentimentos e carinho (sem conotações sexuais). Não gostava de depender dos outros, talvez fora por isso que tantas vezes havia terminado com Patrícia. Eu queria minha liberdade e ela queria namorar. Só que pra mim, essas duas palavras nunca couberam na mesma frase. Havia sonhado com Patrícia esses dias. Fiquei com vontade de ligar pra ela, saber como ela tava. Me bateu uma nostalgia forte. Uma saudade sem fim de Patrícia, do seu olhar, do seu bom dia, dela enfim. Talvez sentisse isso porque as coisas com Yumi não iam bem e como Patrícia sempre fora (há tempos atrás, concordo) minha base para tudo, minha família, sem querer acabava pensando nela nas horas de tristeza, onde o que mais eu precisava e queria, era um abraço bem apertado dela.
Fazia tempo que eu não ia pra minha cidade, afinal de contas, a última vez que fora pra lá fora antes de vir em definitivo pra cá. Rogério acabara resolvendo tudo pra mim. Já estava ganhando o dinheiro do aluguel de um casal que agora passara a morar na casa da tia Med, assim não tinha motivos pra ir pra lá. Talvez pra dar um abraço em Rogério e agradecer por ter sido tão "pai". Ele gostava quando eu o chamava assim. Fora uma das suas promessas à minha falecida mãe, que ele me cuidaria como se fosse sua filha. E de fato o fazia. Era isso, tinha que sair um pouco daqui. Ficar longe de Renata, mais longe (se possível) de Yumi. Não que essa cidade me fizesse mal, muito pelo contrário, essa liberdade, essa sujeira, essa poluição, esse barulho de motos buzinando, motores rangendo, vozes, muitas vozes, me faziam sentir um gosto de tudo, um gosto do infinito. Precisava ver rostos conhecidos, dar um abraço no André, se possível ver Patrícia que nunca mais havia dado sinal de vida, e inevitavelmente um oi muito rápido a Luciana.
Quando terminamos o trabalho já estava escurecendo, dei uma desculpa muito rápida, algo como Débora estava me esperando pra ir ao mercado, para não ficar com Renata sozinha naquele apartamento. Sabia o que ela queria. Mas o que eu queria nem eu sabia, assim não podia compartilhar com mais ninguém. E por isso precisava ficar sozinha, isso sim.
Comprei minha passagem pra sexta-feira. Faria uma surpresa ao André, levaria uma pizza para comermos na noite de sexta, junto com o Beto. Isto é, se eles ainda estivessem juntos. Dormiria por lá, já teria um lugar para ficar. O resto do final de semana não precisaria de planos, afinal já bastava essa vida regrada que eu vivia aqui durante toda a semana.
Não avisei ninguém, nem a Déia, nem Renata, nem Carol, só a Débora que iria levar seu namorado para dormir então no nosso quarto nesse final de semana.
Fui à rodoviária sozinha, senti um frio estranho na barriga ao entrar naquele ônibus. Senti o gosto daquela despedida a meses atrás, em que Patrícia me enviara por André aquela carta tão cheia de verdades. Aquela carta pesada que eu fingi não dar atenção. E esse peso de todas as coisas ditas por Patrícia foi me consumindo até finalmente fechar os olhos e dormir com a cabeça encostada na janela gelada que mostrava aquele caminho que eu tanto conhecia, mas fazia força para esquecer, o caminho de casa.