terça-feira, 7 de julho de 2009

O príncipe que virara sapo

Era sexta-feira, chovia muito, pela janela não dava para enxergar quase nada, tamanho eram os pingos que recocheteavam no vidro. Já era noite. Estávamos todos atirados pela sala. Carol, Má e Luiz em um sofá, Paulinho e Leandro em outro, Déia e Michele no outro, Maurício e eu sentados no chão, ao lado de Yumi e Jéssica que se escoravam na parede embaixo da janela.
- O que a gente vai fazer nessa chuva? - perguntou enfim Luiz quando deu intervalo no filme que assistíamos.
- Beber - falou Renata vindo da cozinha sentando-se ao meu lado.
- Mas acabaram as cervejas - falou Luiz triste.
- Meu querido, você não me conhece.
Em 5 minutos foi e voltou do quarto com algumas garrafas na mão.
- Vejamos meus queridos amiguinhos, Manu me ajuda aqui - me estendeu duas garrafas que quase caíam de sua mão.
- Cachaça?
- Sim, vocês podem escolher entre - ergueu a primeira garrafa - vodka com gelo, outra vodka - riu-se - cachaça, absinto e temos também, mostra aí Manu, na sua outra mão, uma tequila.
- A gente não tem mais limão, eu não tomo isso puro - falou Má.
- Eu busco os limões, Yumi me passa a chave, isso aqui ta muito chato!
- Vou junto com você então - falou levantando-se.
- Então eu também vou! - Jéssica também levantara.
- Ah, então vão vocês duas, não tem porque as três se molharem - falei sentando-me novamente, emburrada.
- Não, Jéssica você já estava espirrando antes, não vai se molhar. Vamos Manu!
- Ah, mas eu não quero ficar longe de você - Jéssica falava manhosamente.
Revirei meus olhos, Yumi percebeu.
- Não Jéssica, vem Manu - me puxou pela mão, me levantando de uma só vez.
- Traz uns 2 quilos de limão Manuzinha - falou Renata - e mais açúcar, e acho que isso é meio pouco ainda, pra tanta gente, traz mais cachaça.
- Eu não tomo cachaça - disse Má.
- Que menina fresca - Renata deixou escapar - quer dizer, você pode tomar vodka, eu deixo a minha parte para você.
- Mas eu não gosto de vodka.
- Tem absinto - falou sem paciencia.
- Absinto é muito forte.
- Tem tequila - bufou Renata tentando mais uma vez voltar a falar comigo.
- Queria uma coisa mais fraca - interrompeu Má mais uma vez.
- Meu, tem leite na geladeira - estorou. Todos riram. Má feichara a cara.
- Quer que eu traga cerveja pra você Má - tentei amenizar.
- Por favor Manu - sorriu pra mim, novamente fechando a cara para o resto.
Carol me agradeceu muda, fazendo gesto positivo com a mão. Coitada ter uma namorada assim, pensei com pena de Carol, uma pessoa tão querida e simpática, com esse poço de chatice que era a Má.
- A Má às vezes é insuportável né? - falou Yumi sentando-se ao voltante.
- Sim - concordei fechando rapidamente a porta. Mesmo com todo o esforço, estava insopada só de caminhar o pequeno trecho entre a casa e o carro.
- O Luiz me contou que vocês conversaram bastante ontem - Yumi interrompeu o silêncio.
- É, ele é um cara legal.
- Ele quis saber se você ta de caso com alguém - seus olhos continuavam para frente. Eu sei que ela estava dirigindo, que tinha que prestar atenção no trânsito, mas algo me dizia que não era só por isso que não me olhava.
- Porque?
- Então você ta?
- Claro que não né?!
Ela suspirou, concordando.
- É, foi o que eu disse pra ele.
- Hmm.
Vi que sua expressão fechada se abrira, até voltara a olhar pra mim às vezes.
- Manu.
- Sim.
- Acho que ele ta afim de você - voltou-se para mim, o sinal estava vermelho.
Continuei olhando para ela sem responder.
- O que é que eu tenho com isso? - falei vendo que ela esperava por alguma posição minha.
- Ué, sei lá. Você que disse que ele era legal.
- E eu lembro de ter falado para você que eu não ficava com pessoas só porque elas eram legais.
Ela riu.
- Pára ali - apontei para a vaga livre.
Quando entramos no mercado, vi que ela estava disposta a me empurrar o Luiz.
- Mas Manu, você também falou que ele é um cara bacana, e cabeça..
- Ele contou pra você todos os detalhes da nossa conversa né?!
- É - falou em meio de um riso.
- Nossa, ele acabou de perder todos os pontos comigo, onde já se viu um homem barbado pedindo pra amiga vir falar comigo? - falei brincando, porém muito séria.
- Ele me contou que você chamou ele de velho também.
Revirei os olhos.
- Enfim, eu não fico com ninguém só porque é legal, bacana e cabeça.
- Ah, mas ele também é bonito.
- E bonito.
- E é rico - riu ao ver minha cara de espanto.
- Nem por ser rico.
- E sabe se vestir.
- Nem por saber se vestir.
- Então você gosta dos feios, pobres, mal arrumados e chatos? - ria com as minhas expressões.
- Não!
- E eu que pensava que era exigente.
- Não é questão de exigência Yumi.
- Então é o que? Porra, ele tem tudo que uma mulher quer, ele é tudo que uma mulher precisa.
- Porque você não fica então com ele?
Ela tentou desconversar perguntando qual das duas cachaças era para levar.
- Hein Yumi, se ele é tão perfeito porque você não fica com ele?
- Porque eu to com a Jéssica - falou meio baixo de mais, mas foi o que eu consegui ouvir. Ficamos o resto do tempo em profundo silêncio.
- Quer dirigir? - me estendeu as chaves.
Ela sabia que eu adorava dirigir, por isso que estava dando aquele sinal de "trégua".
- Sim.
Quando peguei as chaves da mão dela, ela segurou minha mão.
- Escuta Manu - falou ficando de frente para mim - eu falei alguma coisa errada?
Claro que sim, porque tem que ficar falando da Jéssica, pensei. Olhei para o lado, com medo de que ela lesse meus pensamentos.
- Não, porque?
- Você ta estranha comigo - mais uma vez ela tentava entender porque do meu sumisso.
- To nada Yumi.
- Ta sim, foi só a Jéssica chegar pra você ficar estranha.
- Só não quero ficar segurando vela - voltei enfim meus olhos pra ela. Ela me olhava com uma expressão de certa ternura. Sua mão ainda segurava a minha. Me sentia imune naquela situação, me sentia fraca e ao mesmo tempo forte estando tão perto dela.
- Ah, que frescura Manu, não pega nada. Mas - com a outra mão levantou meu rosto, para que nossos olhos ficassem na mesma altura - é só por causa disso mesmo?
Não consegui evitar que meu olhar mudasse de direção. Não ia dizer que era porque eu morria de ciúmes, não ia entregar assim de bandeija.
- É sim - quando voltei meus olhos novamente para ela, senti que tornara mais firme na minha resposta - Não pensa besteira, ta tudo certo sim, só não quero atrapalhar ninguém.
Peguei a chave e esperei que ela desse licença para entrar no carro. Ela ainda ficou alguns instantes imóvel na minha frente, me olhando, mas desistindo de falar qualquer coisa, deu a volta no carro e entrou calada.
- E o Luiz não faz o meu tipo - falei em tom de brincadeira, quando já estavamos na estrada.
Ela sorriu.
- Ele é "perfeito" de mais. Gosto de pessoas mais mortais.
- Pessoas mortais?
- É, mais normais, sem tanto bom gosto assim pra restaurantes, por exemplo.
- Pessoas pobres - falou brincando.
- Independente de dinheiro, pessoas normais, que gostem de comer miojo aos sábados quando não tem RU.
Ela gargalhou.
- Então o passaporte para você é comer miojo aos sábados?
- Também. E pizza, de preferência do dia anterior.
Pensei se não ficara muito na cara que eu estava falando dela, afinal sempre que ia dormir lá ou comíamos miojo ou pizza. Mas se ela entendera, deixara parecer que não. Senti que o clima entre nós estava bom de novo. Não que antes não tivesse, apenas que me sentia mais próxima dela do que fazia vários dias não sentia.
- E pode deixar que se ele vier falar comigo, EU falo com ele. Não precisa dar recadinhos, odeio essas coisas - falei ainda brincando.
- Tudo bem, eu é que não quero dar um fora nele por você.
- Porque? Se você não tivesse com a .. se você não estivesse enrolada, você bem que ficava com ele né?!
- Não.
- Não?
- Não!
- Porque?
- Também acho ele certo de mais.
Descemos do carro, Yumi pegou algumas sacolas e ainda disse antes de entrar dentro de casa.
- E eu também prefiro pessoas que comem miojo e pizza aos sábados - saiu depois de me lançar um olhar enigmático. Fiquei feliz, não sabia porque, mas fiquei. Entrei na casa mais leve do que saíra.

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